Alta da dívida pública cria teto para o PIB
Folha de S. Paulo
Projeções apontam para juros elevados e
expansão medíocre da economia; romper dinâmica exige controle do gasto público
A regra fiscal que substituiu o teto para os
gastos do governo federal foi relativamente bem recebida, porque ao menos
estabeleceu alguma previsibilidade para as contas públicas e afastou o risco de
descontrole imediato.
Entretanto todos sabem que o arranjo em vigor
é insuficiente para que o déficit orçamentário deixe de ser um obstáculo ao
desenvolvimento. Assim o demonstram as projeções de analistas de mercado para a
evolução da dívida pública, notadas pelo Banco Central em seu recente Relatório
de Inflação.
No documento se observa que as estimativas mais consensuais são de aumento do peso da dívida pública ao longo de toda esta década. Em 2030, esse passivo chegaria a 86,1% do Produto Interno Bruto, ante 75% hoje. São cifras exorbitantes para um país emergente.
Pode-se argumentar que previsões econômicas
são imprecisas por natureza. Porém são as expectativas de consumidores e
empresários que movem as decisões de compras e investimentos.
Não por acaso, o cálculo de que o
endividamento público seguirá em alta se faz acompanhar de uma espécie de piso
para os juros —não se espera uma Selic abaixo de 8,5% anuais até o final de
2028.
Do mesmo modo, projeta-se um crescimento
econômico não mais do que medíocre no mesmo período, de apenas 2% ao ano.
De novo, tais previsões obviamente não
configuram uma sentença definitiva. Parece claro, entretanto, que em algum
momento o governo terá de fazer algo para mudar a percepção geral.
Buscam-se por ora medidas para aumentar a
receita, mas com apenas isso será impossível atingir a meta de zerar o saldo
das contas neste ano e obter sobras de 0,5% e 1% do PIB em
2025 e 2026.
Projeções do Tesouro Nacional indicam
insuficiência de recursos até o final da atual administração e expansão
continuada da dívida no quadriênio 2023-2026 mesmo no melhor cenário
—trajetória que mantém a incerteza em relação à solvência do Estado e contribui
para elevar os juros.
Não haverá saída sem um programa amplo de
controle de despesas. O problema essencial do marco fiscal é que sua
determinação de limitar o crescimento da despesa a 70% da alta da receita não é
compatível com os indexadores da maior parte dos gastos obrigatórios.
Despesas com Previdência e outros benefícios
sobem com reajustes do salário mínimo acima da inflação. Aportes em saúde e
educação são percentuais da receita, em desalinho à dinâmica que se busca com o
ajuste orçamentário.
Rever tais regras será inescapável num futuro
próximo, tendo em vista o esgotamento do espaço para ainda mais impostos.
Estrada perigosa
Folha de S. Paulo
Roubos de carga demandam inteligência da
polícia paulista, além de ação federal
A queda de 8,2% em roubos de carga na região
de Santos—que abrange 24 municípios de São Paulo— no primeiro bimestre de 2024
em relação ao mesmo período de 2023 esconde uma realidade preocupante.
A redução ocorre após salto de 156% nos
registros desse crime no local, um salto de
235 ocorrências em 2022 para 602 em 2023 —o maior índice desde
2001.
Em algumas cidades, a trajetória ascendente
continua. As cidades de Santos e Praia Grande verificaram alta nos roubos de
carga de 150% e 82,4%, respectivamente.
Nessa mesma região, o governo Tarcísio de
Freitas (Republicanos) tem investido em ações
policiais truculentas como solução, equivocada, para a
insegurança —até o momento, a Operação Verão no litoral de estado matou 55
pessoas.
Roubos de carga colocam à prova, como poucos
delitos, a eficiência do trabalho policial. Em geral, exigem recursos e
planejamento de longo prazo por parte dos criminosos, o que demanda
inteligência na investigação para prevenir ou elucidar as ocorrências.
Mas o que se vê, na prática, são
investigações precárias. De janeiro a setembro de 2023, apenas 11,2% dos roubos
de carga foram transformados, na época, em inquérito policial. Isso significa
que a Polícia Civil paulista deixou de investigar quase 9 de cada 10 casos.
Esse tipo de delito, ademais, gera um custo
econômico expressivo. Verifica-se maior perda no Sudeste. De acordo com a
Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística, o prejuízo na região
em 2022 foi de R$ 966,6 milhões, num total de R$ 1,18 bilhão no país.
Pesquisa do Datafolha mostra que a segurança
é uma das principais preocupações dos brasileiros: 65% afirmam que se sentem
inseguros nas ruas durante a noite —no Sudeste, a taxa chega a quase 70%.
Entretanto não é com medidas populistas,
geralmente baseadas só em policiamento ostensivo e operações violentas, que se
desenvolvem boas políticas nessa área.
Em relação ao roubo de cargas, o governo
paulista precisa tornar a atuação de sua polícia mais eficiente, e o governo
federal também deve agir nos âmbitos interestaduais e transnacionais do delito.
As travas da produtividade
O Estado de S. Paulo
Reformas importantes foram degradadas a
serviço de interesses oligárquicos
O Brasil é um dos países mais desiguais do
mundo e há décadas cresce abaixo da média das grandes economias em
desenvolvimento. Entre as alavancas que levaram ao espetacular crescimento da
China nas últimas décadas e estão impulsionando a Índia agora, duas são
cruciais: o bônus demográfico (a predominância da população ativa sobre a
inativa) e a urbanização (a transferência de trabalhadores do campo para o chão
de fábrica). Essas alavancas já não são uma opção para o Brasil: o País já foi
amplamente urbanizado e é uma das sociedades que envelhecem mais rapidamente no
mundo. Para elevar o padrão de vida e reduzir a desigualdade, a única alavanca
que resta é acelerar o crescimento da produtividade – mas essa alavanca parece
cronicamente emperrada.
Um levantamento da literatura científica
sobre a produtividade no Brasil preparado para o Banco Mundial pelo pesquisador
da FGV Fernando Veloso mostra que na redemocratização, ao mesmo tempo que o
Brasil progrediu na conquista de estabilidade macroeconômica e em reformas nos
mercados de produtos e insumos, a perpetuação e introdução de distorções
competitivas reduziu a eficiência e prejudicou o crescimento da produtividade.
O problema é sistêmico. O ambiente de negócios desestimula a competição e induz
a má alocação de recursos. Empresas produtivas crescem pouco e as ineficientes
permanecem no mercado, às vezes como zumbis.
O levantamento evidencia deficiências em
fatores como escolaridade, gestão empresarial, sistema judicial ou
informalidade que também reduziram o impacto das reformas. Mas particularmente
relevantes são os retrocessos causados por políticas econômicas retrógradas. O
modelo de desenvolvimento baseado na intervenção estatal e no protecionismo à
indústria da era Vargas e da ditadura militar segue em grande medida presente
e, junto com reformas como a liberalização do comércio e melhorias nas
garantias de crédito, foram perpetuados ou criados novos subsídios, isenções e
proteções comerciais para favorecer grupos de interesse oligárquicos. O
resultado é uma trajetória claudicante, em que, na melhor das hipóteses, a
política econômica nacional dá dois passos à frente e um atrás, mas, com
exasperante frequência, da um à frente e dois atrás.
Os últimos anos exemplificam essa ciclotimia.
Reformas importantes foram aprovadas, como a trabalhista e a da Previdência, a
autonomia do Banco Central ou marcos de infraestrutura, como o do saneamento e
o das ferrovias. O atual governo teve papel relevante ao apoiar a aprovação no
Congresso da reforma tributária, que mitigará distorções alocativas, custos
tributários, guerras fiscais ou a cumulatividade dos impostos. O marco de
garantias robusteceu a segurança jurídica no mercado de crédito e tende a baixar
o custo do capital.
Ao mesmo tempo, fiel aos seus dogmas
estatistas, o mesmo governo tenta reverter ou flexibilizar marcos regulatórios
para satisfazer suas ambições intervencionistas. Sua nova política industrial
já nasceu velha e é um retrocesso em várias dimensões. Ao enfatizar o conteúdo
local e a inovação nacional em detrimento da absorção de inovações da fronteira
tecnológica, ela vai na direção contrária à liberalização dos anos 90, que, ao
facilitar a importação de máquinas e equipamentos, deu impulso à produtividade.
O pacote de incentivos sem metas claras, monitoramento e avaliação de impacto
tende a reforçar a má alocação de recursos e a perpetuar políticas ineficazes
que protegem empresas improdutivas, freiam as produtivas e obliteram inovações.
Para usar outra imagem, a economia brasileira
é uma barca furada. Por vezes os governos se esforçam com sofreguidão para
jogar a água para fora, dando uma ilusão de aceleração, mas em geral são
ineficazes para tapar os buracos e com demasiada frequência introduzem outros.
E assim o Brasil vai ficando para trás.
Para destravar a alavanca da produtividade, a
condição sine qua non é uma injeção de qualidade no poder público. Ou seja, em
última instância, o crescimento sustentável está nas mãos do eleitor.
A educação pede audácia e urgência
O Estado de S. Paulo
O ministro Camilo Santana e sua equipe no MEC
colecionam o ônus das expectativas elevadas e não podem se resignar ao ritmo
lento de melhorias e à resistência a medidas inovadoras
Quando chegaram ao Ministério da Educação
(MEC), o ministro Camilo Santana e a secretária executiva Izolda Cela
inspiraram grandes expectativas. Os ex-governadores vinham de uma bem-sucedida
gestão no Ceará, uma das referências do Brasil na alfabetização de crianças e
na melhoria dos índices de aprendizagem. O histórico da dupla naquele Estado
também era um auspicioso sinal de disposição do governo de, enfim, dar
prioridade à educação básica, área negligenciada há muito tempo, inclusive nas
administrações lulopetistas. O “novo MEC” seria, por fim, um alento depois da
tumultuada gestão de Jair Bolsonaro no Ministério, que deixou o País numa
armadilha: de tão ausente e inoperante na educação, qualquer avanço promovido
pela futura equipe já deixaria a sensação de dever cumprido. Passado o primeiro
ano de gestão, o ministro e seus auxiliares passam a colecionar o ônus das
expectativas elevadas.
É possível dizer que ficou para trás o
desalento de uma pasta cujas prioridades se concentravam na defesa do ensino
domiciliar, na militarização da educação e na promoção de guerras culturais e
ideológicas – além da dificuldade de diálogo com a sociedade. O MEC encaminhou
iniciativas relevantes, como o fomento do ensino em tempo integral e o
compromisso com a alfabetização, cujos indicadores sofreram abalos profundos
com a pandemia. E em reação a todos os setores que atuam com a educação, o
governo também retomou a revisão do Novo Ensino Médio.
Apesar dos sinais positivos, parece pouco
diante das expectativas em torno da reputação da equipe e também pelo tamanho
dos desafios educacionais. Nesse terreno, o histórico e as promessas se mostram
insuficientes. A velocidade de implantação tem deixado a desejar em muitas de
suas frentes anunciadas como prioritárias – é o caso das escolas conectadas,
que até o fim do ano estavam sem plano de implementação. Há evidências de
temores no Ministério ante as pressões da base sindical petista, habituada a padrões
antigos de gestão e adepta de teorias conspiratórias sobre a influência privada
na educação pública. E mais: não parece haver um plano nítido de melhoria da
gestão escolar nem uma verdadeira obsessão com a aprendizagem, que poderia se
converter na grande marca do atual governo.
Se o MEC anunciou bons programas, houve
atrasos na liberação de recursos, indício de planejamento deficiente e anúncios
prematuros. Se lançou o estímulo à escola em tempo integral, deixou o Brasil
ainda carente de uma proposta ampla em favor da educação integral – que vai
muito além de aumentar o tempo dos alunos na escola, como mostra o modelo
adotado com sucesso em Pernambuco. Se trabalhou para corrigir os problemas do
Novo Ensino Médio, faltou uma proposta mais precisa sobre o que espera da etapa
que tem alguns dos piores indicadores do País. Se abriu suas portas para mais
diálogo, faltou habilidade política para construir consensos no Congresso, o
que vem criando barreiras na tramitação da reforma. Se anunciou freios à farra
dos cursos a distância, deve uma proposta consistente e prioritária para uma
das grandes deficiências nacionais – a formação inicial de professores.
Enquanto isso, Lula da Silva segue padecendo
de seu vício de origem: a crença inabalável do poder do ensino superior e a
aposta na expansão. Seja nas universidades federais, seja nos institutos
federais, o presidente só parece enxergar a criação de unidades e expansão de
vagas. Mas deveria dedicar atenção especial ao aprimoramento da gestão e à
resolução dos problemas de eficiência, incluindo formas de contratação,
qualidade da produção de pesquisa e modelos de aproximação com o setor privado.
Os avanços são tímidos e lentos, mas não está
escrito nas estrelas que o MEC de Camilo, Izolda e Lula entrará em espiral
descendente ou só terá pálidos resultados a mostrar no futuro próximo. Há
competência técnica e capacidade de diálogo e trabalho no Ministério, desde que
não esteja resignado ao ritmo lento de melhorias e não hesite em enfrentar as
resistências para implementar medidas mais inovadoras. É tempo de mais audácia
e sentido de urgência.
Artifícios para fugir do Fisco
O Estado de S. Paulo
Cadastro de devedores contumazes enfrenta o
poder dos lobbies e empaca na Câmara
Ao encaminhar ao Congresso, na volta do
recesso parlamentar, o projeto de lei que reorienta a atuação do Fisco federal,
o governo esclareceu que a intenção era recompensar bons contribuintes e fechar
o cerco às empresas conhecidas como devedoras contumazes. O secretário da
Receita Federal, Robinson Barreirinhas, chegou a comentar que o projeto iria
favorecer os “99% dos contribuintes de boa-fé”. O problema é o poder de
influência do 1%, cuja intensidade parece se igualar ao volume de suas dívidas,
em torno de R$ 240 bilhões, segundo dados atualizados pela própria Receita.
O balaio dos maus pagadores acomoda tanto os
sonegadores clássicos, como os que criam diferentes CNPJs para driblar o Fisco,
quanto os que aderiram a uma espécie de corrente protelatória. Manter
deliberadamente dívidas tributárias passou a ser, há alguns anos, prática
recorrente, como uma estratégia de negócios em que os inadimplentes propositais
apostam na perspectiva de adoção de algum programa governamental que represente
o perdão de parte da dívida, além da complacente divisão em incontáveis parcelas.
Com o tempo, o caráter de “engenharia tributária” acabou por substituir a
imagem delituosa que, por certo, marca esse tipo de iniciativa.
O projeto do Ministério da Fazenda empacou na
Câmara por causa do lobby de empresas que não querem ser incluídas na lista de
más pagadoras e, para destravar a pauta legislativa, o governo foi obrigado a
retirar o regime de urgência que havia imposto à medida. Como mostrou
reportagem recente do Estadão,o relator do projeto, deputado Ricardo Ayres
(Republicanos-TO), quer retirar do texto a parte do devedor contumaz e
concentrar a medida na parte boa, ou seja, na concessão de bônus pelo pagamento
tributário em dia, que virá na forma de descontos progressivos na alíquota da
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Fechar os olhos aos artifícios que fazem do
Brasil o “país do jeitinho” é exatamente o que deve ser evitado na busca por
maior responsabilidade fiscal. A Câmara aguarda que o Executivo modifique e
reenvie o projeto, alegando que o cadastro de devedores contumazes deve constar
de lei complementar, não de lei ordinária. A Fazenda resiste por acreditar que
tratar o assunto em lei complementar dificulta sua aprovação.
Assim, uma nova medição de forças se forma e
é difícil imaginar quem vai vencer essa contenda. Mais previsível, em um
sistema que se mostra excessivamente permissivo à adoção de “estratégias
criativas”, é quem serão os perdedores: aqueles que honram suas dívidas pagando
impostos em dia.
Há na resistência à adoção da medida proposta
pelo governo uma sucessão de erros, a começar pela indulgência aos maus
pagadores, o estímulo indireto à inadimplência, a aceitação de desequilíbrios
fiscais na concorrência empresarial e o incentivo à adoção de sucessivos
programas de refinanciamento de dívida que não resolvem o problema. A
elaboração do cadastro de devedores contumazes, para intensificar a
fiscalização e extinguir de vez a tolerância fiscal, é, sim, necessária e
impreterível.
Persistência do analfabetismo envergonha
Brasil
O Globo
Meta de erradicar chaga neste ano não será
cumprida — segundo o IBGE, há 9,3 milhões de analfabetos
É desalentador que o Brasil ainda tenha 9,3
milhões de analfabetos, total apontado para 2023 pela Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE.
Embora isso represente apenas 5,4% da população brasileira, é gente demais — o
número supera a população de Pernambuco (9 milhões). A persistência do
analfabetismo mostra que sucessivos governos têm falhado na missão essencial de
fornecer educação básica.
É verdade que a parcela de analfabetos tem
caído, mas muito lentamente. Em 2022, os brasileiros que não sabiam ler ou
escrever representavam 5,6% da população. O ritmo de queda deixa evidente que o
Brasil não cumprirá a meta traçada no Plano Nacional de Educação (PNE) de
erradicar o analfabetismo até o final deste ano. Faltam recursos, gestão
eficiente e campanhas de incentivo para levar os adultos à sala de aula.
A pesquisa do IBGE mostra que 90% dos
analfabetos (8,3 milhões) são adultos com mais de 40 anos, sinal de que os
esforços das últimas décadas junto a crianças e adolescentes têm surtido
efeito. Na faixa de 15 a 17 anos, o analfabetismo é de apenas 0,05%. “A
concentração de analfabetos na população com mais idade tem relação com as
melhorias da educação básica no país”, afirma Adriana Beringuy, coordenadora da
pesquisa.
As estatísticas expõem também a disparidade
regional. O analfabetismo no Nordeste (11,2%) é quase o quádruplo do verificado
no Sul (2,8%) e no Sudeste (2,9%). Não deveria ser difícil para o Ministério da
Educação, em conjunto com estados e municípios, combater um problema
localizado.
Os números refletem a ineficácia — ou, no
mínimo, insuficiência — das políticas públicas para Educação de Jovens e
Adultos (EJA), destinadas a quem não cursou ensino fundamental ou médio.
Infelizmente, nos últimos anos, os governos não têm dado a atenção necessária a
elas. Em 2014, foram destinados R$ 820 milhões à EJA. Em 2021, os recursos
alcançaram o menor patamar, apenas R$ 6 milhões.
A educação brasileira já tem problemas demais
para ter de enfrentar questão tão básica, já superada na maioria dos países
emergentes. No Brasil, mesmo alunos considerados alfabetizados encontram
obstáculos para ler e escrever. Uma pesquisa encomendada por Itaú Social,
Fundação Lemann e BID em 2022 constatou que, na fase de alfabetização, 40% das
crianças enfrentam dificuldades. De acordo com os pais, 10% estão bem abaixo do
esperado para leitura e escrita, parcela que sobe para 24% nas áreas
vulneráveis.
Todos os brasileiros, independentemente da
idade, deveriam ter acesso à educação. O analfabetismo segrega o cidadão. Quem
não sabe ler ou escrever vive apartado do mundo. Não é incomum encontrar
adultos analfabetos que nunca saíram da comunidade em que moram porque não
conseguem identificar o número ou o destino dos ônibus e temem se perder. Vivem
um isolamento forçado. No mercado de trabalho, são costumeiramente
marginalizados. As redes sociais por onde tudo circula não existem para eles. O
mínimo que o Estado pode lhes oferecer é a oportunidade de estudar, não
importando a idade. Mas não basta abrir as portas da escola. É preciso
incentivá-los a frequentar a sala de aula, mostrando o mundo que se abre para
quem sabe ler e escrever. Não se trata apenas de educação. Trata-se sobretudo
de dignidade.
Acordo do Mercosul com países europeus fora
da UE é promissor
O Globo
Negociações com bloco formado por
Liechtenstein, Noruega, Islândia e Suíça deverão ser retomadas em abril
A longa tradição brasileira de se fechar ao
exterior costuma retardar a negociação de acordos comerciais. Quando há
protecionismos dos dois lados da mesa, as conversas se alongam. É o caso do
acordo do Mercosul com
a União Europeia (UE), há mais de 20 anos para ser fechado em definitivo. A
visita recente do presidente francês Emmanuel
Macron ao Brasil poderia ter desanuviado um pouco o clima,
mesmo assim ele manteve a resistência ao tratado.
O bloco formado por Brasil, Argentina,
Uruguai e Paraguai assinou até agora pouquíssimos acordos comerciais: com
Israel em 2007, Egito em 2010, Palestina em 2011 e Cingapura no final do ano
passado. Nesse quadro tímido de abertura para o comércio, é promissora a
retomada das negociações com a Associação Europeia de Livre-Comércio (Efta),
formada por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein —
países que não fazem parte da UE.
A Efta decidira esperar o desfecho das
negociações entre Mercosul e UE, mas, como não há previsão para que as duas
partes se entendam, os quatro países informaram estar dispostos a voltar a
conversar. Foi agendada para abril uma reunião em Buenos Aires.
O Mercosul precisa aproveitar a retomada
dessas negociações. Houve um primeiro entendimento com a Efta em 2019, pouco
depois do acordo preliminar com a UE. Mas as pressões de agricultores europeus
— sobretudo franceses — e o descaso do governo Jair Bolsonaro com o meio
ambiente praticamente congelaram a aproximação não apenas com a UE. Também com
a Efta.
Da mesma forma que a UE, a Efta considerava a
política ambiental bolsonarista um obstáculo ao tratado comercial. As maiores
resistências partiam da Noruega, cuja primeira-ministra, Erna Solberg, afirmou
em agosto de 2019 que um acordo com o Mercosul chegaria em “péssimo momento”. A
Noruega suspendeu doações a projetos do Fundo Amazônia.
No fim do ano passado, Macron classificou de
“antiquado” o acordo preliminar entre UE e Mercosul e, pouco depois, confirmou
que os europeus não dariam seu aval a ele. Na visita ao Brasil, repetiu sua
posição contrária. Outro fator dificulta o avanço do acordo. A eleição para o
Parlamento Europeu, marcada para junho, deverá levar a mudanças na alta
burocracia da UE em Bruxelas. Para os eurocratas, 2024 é um ano pouco indicado
para importantes negociações comerciais.
No caso da Efta, os obstáculos são menores. O Ministério da Fazenda calculou que um acordo contribuiria com US$ 5,2 bilhões para o PIB brasileiro em 15 anos. Outra vantagem está na simplicidade, em comparação com a UE. Em vez de precisar do aval da Comissão Europeia, do Parlamento Europeu e dos legislativos de 27 países, tanto Mercosul como Efta exigem apenas a ratificação dos respectivos Parlamentos. Na Suíça há a necessidade de referendos. Nada, porém, que inviabilize o acordo ou os benefícios das trocas comerciais. Diante da demora e da hesitação da UE, uma conclusão rápida das conversas que serão retomadas em abril com a Efta seria muito bem-vinda.
Governo reabre a caixa de Pandora das dívidas
estaduais
Valor Econômico
Minoritário no Congresso, o governo não
deveria abrir um flanco tão importante como o da renegociação das dívidas dos
Estados
Mais de duas décadas depois da primeira
consolidação das dívidas estaduais, feita entre 1997 e 1999, os Estados tentam
conseguir escapar das condições de pagamento, revistas várias vezes. A taxa de
juros e o indexador foram modificados em condições favoráveis e os prazos de
pagamento foram alongados. Entretanto, após todo esse tempo, a situação
financeira dos Estados e municípios não melhorou - não a de todos, mas
sobretudo a de alguns dos principais devedores. A última avaliação sobre
sustentabilidade fiscal feita pelo Tesouro apontou deterioração em 21 dos 27
entes federados. Agora, mesmo com a economia crescendo 3% nos últimos dois
anos, governadores do Sul e do Sudeste voltaram à carga reivindicando eliminar
juros e abater parte do estoque de débitos. O governo Lula aceitou reabrir a
discussão, primeiro passo para que os Estados possam obter novas vantagens após
não conseguir manter suas contas em equilíbrio.
O governo Lula aceitou por vários motivos. O
primeiro deles é que tem interesse em fazer a economia crescer a qualquer
preço. Os Estados foram contemplados neste governo com mudança dos critérios de
capacidade de pagamento, e o crédito a eles subiu para R$ 43,3 bilhões em 2023
(mais 142% em relação a 2022) e deve aumentar no corrente exercício para R$ 75
bilhões.
Um outro motivo, igualmente importante, que
parece estar orientando o governo é a necessidade de ampliar sua base de apoio
aplacando descontentamentos variados. Foi assim com a PEC do deputado Marcello
Crivella, ao abrir mão de impostos para as igrejas para agradar aos
evangélicos, e pode ser assim agora com os Estados.
Governos petistas não têm problemas em
reestruturar dívidas estaduais. Foi na gestão de Dilma Rousseff, em 2014, que
foi feita a primeira revisão de indexador e juros dos débitos de Estados e
municípios, quando se trocou a correção de IGP-DI mais 6% a 7,5% de juros para
IPCA mais 4%, até o limite da taxa Selic. Na revisão, o governo concedeu
desconto do saldo devedor equivalente à diferença entre a dívida inicial
corrigida pelos critérios anteriores e a correção pela Selic até 1 de janeiro
de 2013, mais vantajosa. A medida reduziu o estoque em 12% e em R$ 25 bilhões a
dívida da prefeitura de São Paulo, comandada então por Fernando Haddad, hoje
ministro da Fazenda.
Em 2016, o prazo de pagamento, decorridos 16
anos, foi alongado por mais 30, e com redução temporária de 40% das parcelas.
Havia condições: privatização, proibição da concessão de incentivos fiscais,
congelamento de aumentos salariais etc. Todas as restrições caíram na votação
na Câmara em 20 de dezembro.
No governo Temer foi criado o Programa de
Recuperação Fiscal, para os Estados que não conseguiam pagar suas dívidas. Os
alvos eram Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, três dos maiores
devedores - o campeão das dívidas era e é São Paulo, que mantém as contas em
dia. Rio e Rio Grande do Sul ganharam 9 anos para atingir o equilíbrio fiscal,
desde que optassem por ajustes, que não fizeram. O Rio foi o primeiro Estado a
aderir e não cumpriu nenhum desses compromissos. Minas não fez ajuste fiscal e prepara
um programa de reequilíbrio até hoje. O único a fazer tentativa séria foi o Rio
Grande do Sul, na gestão do governador Eduardo Leite.
O sinal verde para nova rediscussão das
dívidas estaduais abriu espaço para as propostas complexas de sempre. Os
Estados do Sul e do Sudeste (SP, MG, RJ e RS), com dívidas somadas de R$ 660
bilhões, ou 90% do total dos passivos estaduais de R$ 740 bilhões, querem
substituir a correção de IPCA mais 4% de juros por 3% ao ano apenas. A taxa de
juros paga nos títulos do Tesouro, custo pelo qual a União se endivida, está em
torno de 11%, ou IPCA mais 6%. Logo, os governadores querem juros negativos, um
incentivo a que se endividem mais e aguardem a próxima renegociação. Além
disso, querem abatimento de 15% no estoque da dívida, algo como R$ 90 bilhões.
A conta recairá sobre o Tesouro, que já cobriu R$ 64,4 bilhões de créditos não
honrados pelos Estados com seu aval, de 2016 a 2023.
Minoritário no Congresso, o governo não
deveria abrir um flanco tão importante como o da renegociação das dívidas dos
Estados. A contraproposta oficial é de redução da dívida e dos juros, em 5
anos, associada a investimentos no ensino técnico, um objetivo meritório, que
não resolve a questão. Minas, Rio e Rio Grande do Sul, alguns dos Estados mais
ricos do país, gastam mais do que arrecadam. Sem uma contenção de despesas,
ficarão de novo sem caixa. É possível que concordem com as contrapropostas, mas
vão querer algo a mais, como insinuou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco,
possível candidato ao governo de Minas, interessado em uma solução.
É curioso que a primeira contraproposta oficial não envolva cortes e sim mais gastos, filosofia semelhante à do novo regime fiscal. Os maiores devedores deveriam ter um programa à parte, com condições estritas de ajuste, sob pena de qualquer vantagem sem custos a eles ter de ser estendida aos bons pagadores - um retrocesso e tanto.
Guarda compartilhada, obrigação conjunta
Correio Braziliense
A taxa de casais divorciados que dividem a
responsabilidade e a convivência com os filhos menores cresceu, saindo de 7,5%
em 2014 para 37,8% em 2022
O IBGE divulgou, na quarta-feira, o
informativo Estatísticas do registro civil. O levantamento, referente ao ano de
2022, foi realizado ao longo de 2023 junto a 7.282 cartórios de registro civil,
7.792 tabelionatos de notas e 4.653 varas. Os dados da pesquisa comprovam
mudanças no comportamento das famílias brasileiras.
Um recorte do estudo aponta 420.039 divórcios
concedidos em 1ª instância ou estabelecidos por escrituras extrajudiciais, o
que representa um aumento de 8,6% em relação ao total contabilizado em 2021,
que foi de 386.813. Como consequência, houve um acréscimo na taxa geral de
divórcios: o número para cada 1 mil pessoas de 20 anos ou mais de idade passou
de 2,5 (2021) para 2,8 (2022).
Já o tempo médio de casamento caiu. Em 2010,
era de cerca de 16 anos. Em 2022, o número passou para 13,8 anos. Nas
consideradas grandes regiões, esse período variou de 15 a 17,1 anos, em 2010,
para 12,7 a 15,3 anos, em 2022.
Com as separações em escalada, o relatório
revela a realidade das novas configurações familiares. De acordo com os
números, a taxa de casais divorciados com guarda compartilhada dos filhos
menores cresceu pelo oitavo ano consecutivo, saindo de 7,5% em 2014 para 37,8%
em 2022.
A Lei 13.058, sancionada justamente em 2014,
tornou obrigatória a guarda compartilhada inclusive quando há desacordo entre
os pais, o que pode explicar a estatística. Mas será que, mesmo com o aumento
nos registros, as crianças e os adolescentes estão passando tempos iguais com
os genitores?
A profunda alteração no modo de vida das
mulheres — que, cada vez mais, têm aspirações de carreira — leva à readequação
dentro dos lares pelo país. Em 2014, em 85% dos divórcios a guarda era passada
à mãe; em oito anos, a porcentagem caiu para 50%. Fica evidente o efeito que a
rotina feminina no trabalho tem provocado na criação dos filhos.
No papel, a divisão de responsabilidades está
clara, com a exigência de que pais que não morem na mesma casa têm obrigações
iguais e precisam garantir o bem-estar dos filhos. A prática, porém, mostra que
as mães ainda assumem um papel maior nesse processo.
Desde a simples distribuição de dias com cada
um dos responsáveis e passando pela agenda de atividades e cuidados amplos, a
balança segue pendendo para as mulheres. Não raro, os homens assumem ficar com
os filhos apenas nos fins de semana e, em inúmeros casos, a cada 15 dias.
Mesmo que não haja equilíbrio, a presença
ativa no cotidiano dos filhos é uma garantia judicial, apesar de ser possível
aos ex-casais combinarem adequações. E esse ponto é fundamental, já que o
entendimento parece ser o melhor caminho em direção ao principal objetivo:
minimizar para os filhos os reflexos dos conflitos da separação.
A participação plena dos pais e das mães na
vivência faz a diferença na educação dos menores. Os pequenos pedem a
orientação e o exemplo dos adultos, especialmente dos seus responsáveis
diretos. O vínculo afetivo, sob a ótica psíquica, é fundamental e deve ser
preservado.
Tirar a "carga" maior da
convivência com as mães não é apenas uma questão de respeitar a lei. É, acima
de tudo, cumprir o dever de fazer o melhor possível para os filhos. Exceto
quando a guarda compartilhada oferece um risco, estar junto da mãe e do pai é
necessário.
O modelo escolhido para fazer a relação
funcionar é único para cada família e, normalmente, acatado pelo Judiciário.
Porém, assegurar um ambiente seguro e definir uma rotina são pontos levados em
consideração.
Se morar com as mães é decisão praticamente unânime, como também é predominante o desejo delas em ficar com os filhos, encontrar um meio de convívio harmônico conduz ao ponto ideal para todos. Por direito, por dever e por amor, os homens precisam encarar a plenitude da paternidade. A evolução no comportamento da sociedade e as melhorias nas leis vêm colocando novas possibilidades diante da tarefa de educar, porém ainda há desafios a serem enfrentados. A separação não pode ser motivo de dor para os filhos. Evitar esse sofrimento e proporcionar um crescimento saudável é obrigação conjunta dos pais.
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