Folha de S. Paulo
Passados 60 anos do golpe de 1964, Forças têm
autonomia descabida para regime democrático
Passados 60 anos do
golpe de 1964, o Brasil ainda convive com diversos legados
nefastos da ditadura
militar. Ainda que o autoritarismo brasileiro tenha antecedentes
mais antigos, que remontam ao Estado Novo e ao regime escravocrata, a ditadura
sedimentou ou institucionalizou diversas práticas e projetos regressivos. Até
hoje, o Estado brasileiro não se desfez de heranças da ditadura, sobretudo
aquelas relacionadas à atuação das forças de repressão militarizadas.
As Forças Armadas continuam a gozar de uma autonomia descabida para um regime democrático. Hoje o controle civil em relação à atuação de tais forças é pífio e não há qualquer esforço significativo sendo feito pelo Estado brasileiro para reverter tal estado de coisas.
O silêncio do presidente Lula (PT)
a respeito dos 60 anos do golpe de 1964 é sintomático. A despeito das denúncias
e investigações de tentativas de golpe por parte de Jair
Bolsonaro (PL) e seus apoiadores, não só seguimos reféns das
Forças Armadas como nos tornamos uma sociedade ainda mais militarizada.
No dia 13 de dezembro do ano passado, a Lei
Orgânica Nacional das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares
foi sancionada pela Presidência. Mesmo tendo sido aprovada com 28 vetos, a
legislação é classificada por Adilson Paes de Souza, autor de "Guardião da
Cidade: Reflexões sobre casos de violência praticados por policiais
militares", como uma "hipermilitarização
das Polícias Militares".
Para Paes, a legislação promove um
"Estado policial no seio da nossa democracia", o que é péssimo para a
sociedade e para os próprios policiais militares, que permanecem à margem da
proteção dos direitos humanos. Para Claudio Silva, ouvidor das polícias
de São Paulo,
a hipermilitarização pode piorar a saúde psíquica dos policiais e resultar em
um aumento do número de suicídios.
Ao não terem seus direitos humanos
resguardados, não há maiores incentivos para que os policiais respeitem os
direitos da população que deveria proteger. Sobretudo tendo em vista a
impunidade relacionada ao extermínio deliberado da população promovido por
policiais de batalhões de elite, como a Rota (Rondas Ostensivas Tobias de
Aguiar), a tropa mais letal da Polícia
Militar paulista.
Criada oficialmente no dia 15 de outubro de
1970, em plena ditadura, a Rota tinha como objetivo combater guerrilhas urbanas
de oposição ao regime, no entanto, seus policiais também matavam pessoas que
não tinham como se defender, como denunciou o jornalista Caco
Barcellos no livro "Rota 66".
Em outubro do ano passado, a Rota comemorou
seu aniversário de 53 anos com a entrega de 56 medalhas e novas metralhadoras e
fuzis. As câmeras corporais, no entanto, ficaram de fora dos presentes
ofertados.
A despeito de reduzirem as mortes decorrentes
de intervenção policial em 57%, de acordo com estudo da FGV de 2022, e serem
demandadas por 88% da
população paulistana, o governador Tarcísio de
Freitas entende que as câmeras são ineficazes e custam muito
dinheiro. É assim que, passados 60 anos do golpe de 1964, a sociedade
brasileira segue controlada pelas armas e coturnos legados pela ditadura
militar.
*Doutora em ciência política pela USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento.
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