Unanimidade em manter juros dissipa dúvidas sobre BC
O Globo
Decisão endossada por todo o Copom —
inclusive pelos diretores indicados por Lula —traz alívio para o futuro
Em decisão
unânime, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC)
interrompeu o ciclo de queda da taxa básica de juros. Depois de
sete cortes seguidos, a Selic ficou imóvel em 10,5% ao ano. A decisão de manter
os juros em patamar alto é sempre custosa, mas a autoridade responsável por
combater a inflação não
tinha opção melhor. Diante da alta do dólar e das incertezas internas, era a
hora de uma política mais restritiva. Senão, seria muito mais difícil depois.
A unanimidade fortaleceu a credibilidade do BC, que, na véspera da reunião do Copom, voltara a ser alvo de ataques do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. À investida de Lula contra a autoridade monetária — uma tentativa indevida de interferir na definição dos juros —, somava-se o resultado da reunião de maio, quando os quatro integrantes do comitê indicados no atual governo votaram por um corte de 0,5 ponto percentual, mas acabaram vencidos pelos demais cinco votos a favor de um corte de 0,25.
Com a decisão unânime, dissipa-se aos poucos
o temor de interferência do Executivo no Copom a partir de dezembro, quando
acaba o mandato do atual presidente do BC, Roberto
Campos Neto, e Lula indicará mais um diretor. O cenário de um comitê
dominado por economistas não apenas indicados, mas influenciados por Lula seria
letal para a autonomia da autoridade monetária e para sua capacidade de
conduzir consumidores e empresas rumo ao controle inflacionário.
Felizmente, o comunicado do Copom enfraquece
as dúvidas: “O Comitê, unanimemente, optou por interromper o ciclo de queda de
juros, destacando que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado
por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas
desancoradas demandam maior cautela”. Em uma só voz, os integrantes do Copom
ressaltaram que os juros deverão se manter em patamar alto por tempo suficiente
para conter a inflação e alinhar os prognósticos do mercado às metas do BC. O
recado não poderia ter sido mais cristalino.
Em seguida, o mercado financeiro abriu com os
juros futuros em queda, a Bolsa em alta e o real subindo. A reação foi reflexo
do alívio momentâneo quanto aos riscos que pairavam sobre a política
monetária, mas o dólar
voltou a subir depois das críticas de Lula à decisão do Copom. O
mais preocupante, contudo, continua a ser a política fiscal do governo. Como em
reuniões anteriores, os integrantes do comitê afirmaram monitorar a situação.
“O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a
sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de
inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros”, diz o
comunicado.
Eventuais desdobramentos no mercado externo
podem piorar o quadro econômico por aqui e estão fora do controle do governo. O
que Lula pode fazer é cuidar do cenário interno. Ele já recebeu alternativas da
equipe econômica para ajustar as contas públicas de modo a conter o
endividamento. Sem controle de gastos do governo, eles continuarão a alimentar
a demanda por produtos e serviços, pressionando a inflação, além de
contribuírem para a alta na dívida pública, com consequências deletérias nos
juros e no mercado de câmbio. Esse é o problema que o governo tem o dever de
atacar sem subterfúgios nem atrasos.
Vetos a livros de Monteiro Lobato e Ziraldo
refletem onda de cancelamento
O Globo
Obras devem ser contextualizadas, mas
radicalismo de redes sociais não pode ser levado ao ambiente escolar
É preocupante a cruzada contra livros e
escritores consagrados que tem ganhado ímpeto no Brasil. No episódio mais
recente, a obra “O Menino Marrom”, do cartunista Ziraldo,
foi vetada nas escolas da cidade mineira de Conselheiro Lafaiete depois de
pressão dos pais. Eles consideraram violenta uma passagem em que os
protagonistas, um menino negro e um branco, têm a ideia de fazer um pacto de
sangue usando primeiro uma faca, depois um alfinete. Acabam selando a amizade
com tinta azul. A fúria contra o livro cresceu com vídeos nas redes sociais
acusando-o de induzir crianças a fazer pacto de sangue cortando o punho.
No ano passado, o governo de Santa Catarina
determinou a retirada de nove obras das bibliotecas escolares, entre elas
clássicos como “Laranja mecânica”, de Anthony Burgess, e “It: a coisa”, de
Stephen King. No início do ano, gestores educacionais em três estados mandaram
recolher o romance “O avesso da pele”, de Jeferson
Tenório, vencedor do Prêmio Jabuti em 2021, acusado de apresentar
“vocabulário chulo” e “conteúdo sexual” (em dois estados a obra foi devolvida
às bibliotecas escolares após a repercussão negativa).
No Superior Tribunal de Justiça, um mandado de segurança impetrado pelo Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara) e pelo pesquisador Antônio Gomes da Costa Neto acusa de racismo o tradicional “Caçadas de Pedrinho”, de Monteiro Lobato. A discussão se arrasta há mais de uma década e ainda não há data para julgamento. Em 2010, o Conselho Nacional de Educação vetou a inclusão da obra nas escolas, alegando racismo na abordagem da personagem Tia Nastácia e noutras referências. A pedido do MEC, o conselho anulou o veto e recomendou a inclusão, nas próximas edições, de notas explicativas contextualizando o texto. A liberação foi questionada na Justiça.
Num país em que vigoram liberdades plenas de
expressão e criação, tribunais nada deveriam dizer sobre a adequação de livros
ou obras de arte. Apesar das passagens hoje lidas como nitidamente racistas, a
obra de Lobato não pode ser tirada de seu contexto. Ela narra as peripécias de
Pedrinho e Narizinho para caçar uma onça-pintada que rondava o Sítio. Hoje esse
enredo e expressões usadas pelo autor podem parecer condenáveis, mas o livro
foi publicado em 1933, numa sociedade e num momento político e social completamente
diferentes.
A cultura de vetos e cancelamentos inspirada
no radicalismo das redes sociais não pode ser transportada para o ambiente
escolar. Gestores com mania de censor deveriam estar mais preocupados com a
qualidade da educação. Escola, por definição, é lugar de ensino, discussão,
acolhimento de diferentes pontos de vista. Se uma obra contém trechos que
suscitam polêmica, isso deve ser contextualizado e debatido com os alunos. O
mais sensato é estimular uma leitura crítica. É esse o papel da escola. Sejam
quais forem os temas ou as expressões em jogo, a censura é sempre o pior
caminho, pois representa um perigo para a liberdade de expressão e para o
futuro dos estudantes.
BC para de cortar juros e, prudente, não dá
pistas futuras
Valor Econômico
Seria preciso um conjunto de fatores para a Selic se mover de novo para baixo antes do fim do ano
O presidente Lula terminou falando sozinho
contra a alta taxa de juros. O Comitê de Política Monetária (Copom) viu riscos
reais de a inflação se distanciar ainda mais da meta e, ao contrário de sua
reunião anterior, em que reinou a desavença da pior forma possível - quatro
diretores indicados por Lula votaram de forma diferente dos cinco escolhidos
pelo então presidente Jair Bolsonaro -, por unanimidade suspendeu o ciclo de
corte da Selic. Não houve surpresa na decisão, e a enorme ansiedade sobre o
placar da votação foi resolvida pelo consenso. Uma nova divisão, nas mesmas
linhas, tornaria imprevisíveis as expectativas a cada encontro do Copom e
ampliaria a volatilidade de preços dos ativos. O BC manteve sua autonomia e
ignorou a bronca de Lula.
O racha na reunião de maio do Copom antecipou
as desconfianças sobre o grau de comprometimento futuro do BC com o sistema de
metas, depois que Roberto Campos Neto deixar o comando da autoridade monetária.
A mais recente investida do presidente Lula contra a política monetária piorou
muito as coisas. Para ele, a inflação está controlada, a economia vai bem e a
única coisa “desajustada” nela é a taxa de juros do banco comandado por Campos
Neto, que se alinharia aos inimigos políticos do governo.
Além disso, Lula afirmou que pretende indicar
um substituto para Campos Neto que seja “maduro”, impermeável às influências do
mercado financeiro e leve em conta, na hora de formular sua política, não só a
inflação, mas também o crescimento da economia. Se for escolher alguém com esse
perfil, colherá mais tempestades. Lula quer um BC que seja subalterno às
decisões do Planalto, e a última vez que isso aconteceu, no governo de Dilma
Rousseff, o resultado foi a maior recessão da história republicana.
O comunicado do Copom quase nada mudou em
relação ao anterior. O balanço de riscos continua igual, simétrico. Há chances
de alta da inflação com a persistência da inflação global e, domesticamente, há
a pressão da inflação de serviços em uma economia cujo ritmo pode ultrapassar
seu potencial. Há chances de baixa, todas relacionadas ao cenário externo -
como a de uma desaceleração mais forte que a prevista da economia global.
Os cenários no qual o BC se baseia para tomar
suas decisões mudaram. O que toma como eixo as projeções do Focus apontaram que
o IPCA atingirá 4% este ano e 3,8% no próximo, piores dos que os indicados na
reunião anterior, de 3,7% e 2,6%, respectivamente. Já os cenários de referência
do BC que levam em conta os juros previstos pelo Focus (10,5% em 2024 e 9,5% em
2025) mostraram números mais favoráveis, mas ainda a alguma distância da meta:
3,8% e 3,3%. Como o horizonte relevante para a política monetária é 2025,
buscar o centro da meta exigiria um aumento da dose atual de juros, ou mantê-la
por um período prolongado de tempo. Por isso, o BC pôs fim ao ciclo de queda
dos juros com esse objetivo.
Se encerrou os cortes da Selic, o BC também
fez uma calibragem para desfazer expectativas de aumento das taxas. Incluiu no
comunicado um cenário alternativo, que registra que a manutenção da taxa de
10,5% pelo menos até o primeiro trimestre de 2025 seria a dose suficiente para
que a inflação encerre o ano que vem em 3,1%, praticamente na meta. Ainda
assim, a Selic estacionou em nível fortemente restritivo, com juro real perto
de 7%, bastante nocivo à evolução da dívida pública. Em 12 meses até abril, o governo
federal pagou R$ 776,3 bilhões em juros nominais, 7% do PIB, ou três vezes o
déficit primário incorrido no ano passado (R$ 230,4 bilhões).
Apesar do nervosismo dos mercados, não há
risco de descontrole da dívida nem da inflação nas projeções do Focus. Mesmo
com juros ainda em queda segundo a pesquisa, a inflação prevista é de 3,6%,
muito distante do teto da meta, de 4,5%. No cenário de referência do BC, a
projeção de 3,3% é ainda mais próxima do alvo. As expectativas, por outro lado,
se tornaram muito negativas, com a desvalorização do real reagindo a elas e
trazendo novo elemento potencialmente inflacionário no horizonte. Mais da
metade do avanço do dólar diante do real se deve à manutenção dos juros
americanos por mais tempo que o previsto. O restante se deve à mudança da meta
fiscal e ao aumento muito acima da inflação das despesas, que ameaça a
continuidade do novo regime fiscal.
O Federal Reserve deve fazer pelo menos um
corte de juros este ano, e se isso acontecer pode haver uma pequena janela para
a redução da taxa no Brasil. Uma nova rodada de busca de redução de despesas
pela Fazenda pode desfazer em parte o pessimismo do mercado sobre a
displicência de Lula para com as metas fiscais. O esfriamento moderado da
economia poderia também criar espaço para menor aperto monetário. Prudente, o
BC não deu pistas sobre seus próximos passos. Seria preciso um conjunto de
fatores para a Selic se mover de novo para baixo antes do fim do ano.
BC autônomo protege Lula de si mesmo
Folha de S. Paulo
Decisão unânime mostra compromisso contra a
inflação e evita piora das expectativas; Planalto, porém, alimenta incerteza
A decisão tomada pelo Banco Central de interromper o
ciclo de corte da taxa básica de juros não é, obviamente,
motivo de celebração.
A Selic fica
mantida no patamar muito
elevado de 10,5% ao ano, o que dificultará o crédito para consumo e
investimento, ao fim e ao cabo limitando as possibilidades imediatas de
expansão da atividade econômica e da renda.
O mais importante na medida do BC, porém, foi
o cuidado de preservar a credibilidade da política de controle da inflação —mais
uma vez alvo de ataques levianos de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), que semeia turbulências nefastas em seu próprio governo.
Como faz desde o início de seu terceiro
mandato, Lula usa o presidente do órgão autônomo, Roberto
Campos Neto, como bode expiatório para os erros
gerenciais e as imposições da realidade que impedem a
consumação das promessas róseas de campanha eleitoral.
A estratégia se torna mais arriscada e sem
sentido à medida que se aproxima o fim da gestão Campos Neto, dono de apenas 1
dos 9 votos do Comitê de Política Monetária. A partir do próximo ano, indicados
pela administração petista serão maioria no colegiado.
A necessidade de interromper a queda de juros era
indicada pelo BC havia semanas. Em parte, porque as taxas permanecerão mais
altas nos EUA, principal centro financeiro do mundo; em parte, porque Lula
decidiu afrouxar as metas para o reequilíbrio do Orçamento fixadas menos de um
ano antes.
Foi fundamental, nesse contexto, a decisão
unânime do Copom na
quarta-feira (20) —sem repetir a constrangedora divisão da reunião de maio,
quando os quatro diretores indicados por Lula votaram por uma redução maior da
Selic.
Todos os dirigentes, desta vez, endossaram um
diagnóstico fundado em técnica e experiência, não em bravatas e voluntarismo.
Importa levar a inflação, em tempo hábil, ao nível civilizado de 3% ao ano.
Atitude diferente seria interpretada como
capitulação às pressões da cúpula petista, ainda adepta da tese de que a
leniência com a inflação pode favorecer o crescimento econômico —fantasia que,
levada a cabo sob a correligionária Dilma Rousseff, terminou em recessão brutal
e escalada de preços.
Por ora ao menos, o BC autônomo protege Lula
de si mesmo, e o país do mandonismo do presidente da República. A depender
dele, a política monetária estaria tão desacreditada quanto a fiscal. Em vez de
objetivos críveis e critérios transparentes, haveria um vaivém de promessas e
recuos ao sabor das conveniências de ocasião.
Os riscos
estão longe de dissipados, e a troca de comando no BC continuará
motivo de apreensão. Um governo que nem chegou à metade se arrisca inutilmente
a perder as rédeas da economia.
Homicídios revelados
Folha de S. Paulo
Cumpre elucidar mortes violentas, para fazer
justiça e criar políticas públicas
A partir do uso de um novo método de análise,
o Atlas da Violência 2024
indica que o Brasil enfrenta dificuldades para determinar as causas de mortes
violentas. Assim, o número de homicídios no país pode ser ainda maior do que o
contabilizado oficialmente.
Publicado na terça (18) pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, o estudo analisou 131,6 mil mortes violentas, entre 2012 e 2022, que o
poder público não conseguiu definir como acidente, suicídio ou homicídio.
Do total, classificaram-se 51,7 mil como homicídios ocultos —casos
com alta probabilidade de serem assassinatos. Tal cifra elevaria o número de
homicídios no período de 609,7 mil para 661,4 mil.
Para identificar os homicídios ocultos, foi
utilizada a chamada ferramenta de aprendizado de máquina (machine learning, em
inglês), que encontra padrões em cada tipo de evento registrado (acidente,
suicídio e assassinato) para determinar a provável causa de uma morte violenta
indeterminada.
Assim, chega-se ao número de homicídios
estimados —a soma dos homicídios registrados como tais nos bancos de dados do
Ministério da Saúde e os ocultos.
Com o novo método, as estatísticas
descortinam outra realidade. Em São Paulo,
por exemplo, a mudança é notável. Se levada em consideração a taxa estimada de
homicídios em 2022 (12 por 100 mil habitantes), em vez da registrada (6,8), o
estado deixaria de ser a unidade federativa menos violenta do país, ficando
atrás de Santa Catarina e do Distrito
Federal.
Já Norte e
Nordeste são as regiões mais problemáticas; nelas estão as dez
capitais com maiores índices de homicídios estimados em 2022. Salvador (66,4
por 100 mil habitantes), Macapá (55,8)
e Manaus (55,7)
lideram o ranking funesto.
Esclarecer as causas de mortes violentas é fundamental tanto para as famílias das vítimas, que buscam justiça, quanto para os governos, que necessitam de diagnósticos precisos sobre segurança. Sem eles, políticas públicas para o setor estão fadadas à ineficiência.
BC deixa Lula falando sozinho
O Estado de S. Paulo
Unidade demonstrada pelo BC indica que não
haverá leniência no combate à inflação e, com decisão de manter os juros, Copom
devolve a responsabilidade por turbulências para Lula
O Comitê de Política Monetária (Copom) do
Banco Central (BC) seguiu o roteiro esperado e interrompeu a trajetória de
queda da taxa básica de juros. Em decisão unânime, a Selic foi mantida em 10,5%
ao ano, e a pressão política exercida pelo presidente Lula da Silva foi
solenemente ignorada.
A decisão trouxe alívio ao mercado, sobretudo
depois do racha que marcou a reunião anterior do Copom. Em maio, por cinco
votos a quatro, os diretores decidiram reduzir a Selic em 0,25 ponto porcentual
(p.p). A divisão causou bastante ruído, uma vez que o placar opôs os membros
mais antigos e os nomeados por Lula da Silva, que defendiam uma queda maior, de
0,50 p.p.
Dessa vez, a paz voltou a reinar no Copom. A
conjuntura piorou tanto de um mês para o outro que não havia argumento técnico
a justificar uma redução dos juros neste momento. No exterior, o cenário segue
incerto e requer cautela. O Federal Reserve manteve, mais uma vez, os juros
norte-americanos no intervalo entre 5,25% e 5,5%. É o nível mais elevado dos
últimos 22 anos, o que, por si só, já atrai o capital que normalmente busca
retornos mais altos em mercados emergentes, como o Brasil.
No País, a inflação desacelera a passos
lentos, enquanto os núcleos, que captam a tendência geral dos preços e
desconsideram choques temporários, se mantêm resilientes e acima da meta. As
expectativas para o IPCA sobem há seis semanas consecutivas, segundo o Boletim
Focus, e estão em 4% para este ano e 3,8% em 2025 – em ambos os casos, acima da
meta de 3%.
São circunstâncias que não deixam espaço para
invencionices. No comunicado, o BC deixou claro que a política monetária será
mantida em patamar contracionista por “tempo suficiente” para consolidar “não
apenas o processo de desinflação, como também a ancoragem das expectativas em
torno de suas metas”. Como nem uma coisa nem outra estão garantidas, a leitura
dos investidores foi a de que o Copom descartou a possibilidade de uma nova
queda na taxa de juros até 2025.
Por outro lado, o BC também reduziu as
chances de um aumento da Selic ao citar não apenas um cenário de referência, no
qual as projeções de inflação estão em 4% neste ano e em 3,4% em 2025, mas
também um cenário alternativo, no qual as expectativas para este ano permanecem
em 4% e as de 2025 caem a 3,1%, um nível bem mais próximo da meta. No cenário
alternativo, do qual o Copom lança mão em momentos de tensão, a Selic é mantida
em 10,5% ao longo do horizonte relevante, ou seja, durante todo o ano de 2025.
Nada disso foi suficiente para reduzir a
pressão sobre o real, uma das moedas que mais perderam valor ante o dólar neste
ano. O câmbio, que iniciou o ano cotado a R$ 4,85, ensaiou uma queda no início
da sessão e chegou a abrir a R$ 5,38, mas fechou a R$ 5,46, maior valor desde
22 de julho de 2022, puxado pelas incertezas no exterior e pelas declarações do
presidente Lula da Silva, que, por óbvio, lamentou a decisão do Copom.
A unidade demonstrada pelo Copom indicou que
não haverá leniência no combate à inflação e, afinal, devolveu a
responsabilidade pelas turbulências domésticas para Lula da Silva. É inegável
que o governo, ao alterar as metas de 2025 e 2026, maculou a percepção do
mercado sobre a credibilidade de sua política fiscal.
Com a devolução da medida provisória que
limitava o uso de créditos do PIS/Cofins pelas empresas, o Congresso mostrou os
limites da agenda de recomposição de receitas da equipe econômica e expôs o
isolamento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Até agora, no entanto, todas as alternativas
para cortar despesas apresentadas pela ministra do Planejamento, Simone Tebet,
foram rejeitadas. E embora tenha dito que nenhuma medida está descartada, Lula
repetiu, pela enésima vez, seu entendimento particular sobre gastos e
investimentos e deixou claro que não fará qualquer ajuste que impacte os mais
pobres.
Emparedar o Banco Central e atribuir toda a
culpa pelos problemas do País a Roberto Campos Neto pode funcionar por alguns
dias, mas o governo não poderá fugir do debate fiscal se quiser ver uma redução
estrutural da taxa básica de juros.
O feirão de Arthur Lira
O Estado de S. Paulo
Avanços e recuos do presidente da Câmara no
controle da pauta legislativa têm um único propósito: sinalizar aos pares que
ele topa qualquer negócio para garantir o seu futuro político
Não há movimento do deputado Arthur Lira
(PP-AL) nos últimos meses que possa ser interpretado sem considerar que o maior
objetivo do presidente da Câmara é eleger seu sucessor. O sr. Lira dorme e
acorda elucubrando maneiras de evitar o ocaso político ao qual foram relegados
quase todos os seus antecessores no cargo. Viabilizar a vitória de um preposto
é, portanto, um passo fundamental da estratégia do parlamentar alagoano para
seguir politicamente relevante após baixar à planície, como se costuma dizer em
Brasília.
É com essa lente que devem ser vistos os
recentes avanços e recuos do presidente da Câmara no controle da pauta
legislativa. E, principalmente, as promessas e acordos que Lira tem firmado sem
nenhum compromisso com o melhor interesse público.
Para começar, já está precificado nessa
barganha que o candidato à sucessão de Lira que quiser ser apoiado pelo PL –
partido do notório Valdemar Costa Neto e dono da maior bancada da Câmara, com
96 deputados – deverá, necessariamente, se comprometer com o projeto de lei
(PL) que concede anistia aos golpistas do 8 de Janeiro. Como já sublinhamos
nesta página, não há vivalma no Congresso genuinamente preocupada com a desdita
dos condenados pela intentona. O que se busca é anistiar Jair Bolsonaro, mentor
intelectual daquela horda de liberticidas. Sem disfarçar que Lira já teria se
curvado ao peso da sigla e à pressão pela anistia, Bolsonaro verbalizou que
apoiará “o nome do Lira” para a presidência da Câmara.
Outra oferta do sr. Arthur Lira no feirão que
ele montou na Câmara foi a aprovação do requerimento de urgência para a
tramitação do Projeto de Lei 1904/24, que equipara aborto e homicídio simples.
Pautar a urgência de um projeto que, como era óbvio, nada tinha de urgente, foi
um agrado de Lira não só ao PL, mas também a um dos segmentos evangélicos na
Casa. O autor do projeto, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), não só é um
bolsonarista de carteirinha, como até poucos dias atrás era o líder da bancada
evangélica, agora sob a coordenação do deputado Silas Câmara (Republicanos-AM).
A reação da sociedade civil contra o PL 1904,
tratado sem o devido debate democrático, foi tão forte que provocou um racha
até mesmo entre os defensores do projeto. A Lira não restou alternativa a não
ser inventar uma comissão para discutir a matéria e “reafirmar a importância do
amplo debate”. Haja caradura. Ora, esse mesmo debate não tinha importância
alguma quando o requerimento de urgência foi aprovado a toque de caixa. Tudo
leva a crer que, diante da repercussão negativa, a criação dessa tal comissão foi
a forma que Lira encontrou para dar um enterro digno para um projeto que parece
destinado ao arquivo.
Chama a atenção, ainda, o recuo do presidente
da Câmara ao retirar da pauta de votação do plenário a indecente Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) que perdoa as dívidas impostas aos partidos pela
Justiça Eleitoral. Consta que, sem fechar um acordo com o Senado, Lira teria
recuado para evitar que o desgaste pelo avanço de uma PEC impopular recaísse
apenas sobre a Câmara. Seja como for, uma coisa é certa: a chamada PEC da
Anistia tem o apoio da esmagadora maioria dos congressistas. Se não a votaram
agora, foi apenas por um juízo de conveniência, não de valor.
Nesse mesmo sentido, Lira acenou a todos os
deputados, independentemente de suas colorações partidárias, ao pautar e
aprovar o requerimento de urgência para o PL 4372/16, do ex-deputado Wadih
Damous (PT-RJ). Como uma espécie de líder sindical da categoria, o presidente
da Câmara resgatou o projeto que, na prática, acaba com os acordos de
colaboração premiada, muito temidos em Brasília, ao impedir a homologação
judicial das delações firmadas por indivíduos presos.
A despeito desses recuos, não cabe
ingenuidade. A mobilização social pode ter contido o avanço dessas matérias. No
entanto, para Lira, a aprovação dos projetos é o que menos importa. A ele
interessa muito mais sinalizar aos pares que está topando qualquer negócio para
garantir o seu futuro político.
‘Efeito Toffoli’ na Lava Jato
O Estado de S. Paulo
Ministro do STF anula provas contra João
Santana. Colegiado precisa dizer – e logo – se concorda
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal
Federal (STF), atendeu a um pedido do marqueteiro João Santana e de sua mulher,
Mônica Moura, e estendeu, em ações penais nas quais o casal figura como réu, a
anulação de provas obtidas no acordo de leniência da Odebrecht. Em mais um
capítulo do revisionismo histórico do pretenso “editor” monocrático do País, a
investida já não surpreende mais. Espanta, porém, que os ministros da mais alta
Corte do Brasil assistam à atuação do colega sem exigir que seja levado ao
plenário o caso que abriu a porteira para beneficiar o colarinho-branco.
Logo mais completará um ano que uma canetada
pesada de Toffoli passou a corroer todo o arcabouço probatório construído na
Operação Lava Jato. Com base no acordo de leniência da Odebrecht, rebatizada de
Novonor, dezenas de ações penais foram abertas contra empresários e autoridades
em razão de pagamento de propinas no esquema do “petrolão”. Entre essas ações
estão três que miram Santana e Mônica.
O chamado Setor de Operações Estruturadas da
empreiteira efetivou pagamentos ao casal, no Brasil e no exterior, por
campanhas eleitorais do PT. Santana e Mônica trabalharam para Lula da Silva, em
2006, e Dilma Rousseff, em 2010 e 2014. Estarrece saber que eles admitiram o
recebimento ilegal de milhões de reais, devolveram exorbitantes quantias à
Justiça, foram presos, confessaram e assinaram acordo de delação, homologado
por Edson Fachin, tão ministro do STF quanto Dias Toffoli. Nada disso parece
importar.
A decisão monocrática do sr. Dias Toffoli é
tão devastadora, que, na semana passada, uma pena imposta a um ex-gerente da
Petrobras por recebimento de propina da Odebrecht foi enterrada em três minutos
no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Trata-se do “efeito Toffoli”. Em outra
frente, no fim de maio, o ministro derrubou, também monocraticamente, todos os
processos e todas as investigações contra o empresário Marcelo Odebrecht na
Lava Jato.
Entre tantos ataques e retrocessos, é sempre
bom lembrar a declaração do ministro Luiz Fux, que, há dois anos, afirmou que
“ninguém pode esquecer o que ocorreu no Brasil, no mensalão, na Lava Jato”.
Houve desvio, pilhagem e corrupção, tudo confessado sem quaisquer vestígios de
tortura nem violação de direitos humanos. Porém, de acordo com Toffoli, as
delações e suas consequências, que culminaram na descoberta de tantos
malfeitos, são “imprestáveis”.
O colegiado da Corte precisa dizer – e logo – se concorda ou não com as decisões de Toffoli, que começa a gerar um efeito cascata de impunidade. Não será surpresa se, em algum momento, as empresas que pagaram multas por corrupção venham a requisitar a devolução do dinheiro, alegando que foram torturadas no “pau de arara do século 21″, como Toffoli qualificou a Lava Jato. É preciso que o STF diga se concorda com a desmoralização da luta contra a corrupção, frustrando os brasileiros que foram levados a acreditar que finalmente a justiça prevaleceria contra os saqueadores da República.
Cannabis e seu uso medicinal
Correio Braziliense
A partir de pesquisas e estudos desenvolvidos
pelas maiores universidades do mundo, em parceria com centros médicos
internacionais, a cannabis medicinal tem se mostrado eficaz no tratamento de
diversas enfermidades
Há 10 anos, o Brasil se lançava no mercado de
cannabis medicinal. Com um início meio nebuloso, o uso da planta era
considerado, à época, como parte de um tratamento alternativo para aqueles
pacientes que haviam tentado de tudo em termos de medicamentos tradicionais. A
partir daí, seu uso tornou-se mais popular, mas ainda enfrenta certo
estranhamento, até mesmo da classe médica brasileira. Segundo a Associação
Médica Brasileira (AMB), atualmente 430 mil brasileiros realizam terapia à base
da cannabis medicinal no Brasil — no caso, o canabidiol e o
tetrahidrocanabinol (principais formas da cannabis em sua apresentação clínica)
—, e a tendência é de que esse número cresça nos próximos anos.
Levantamento apresentado pelo Grupo Conaes
Brasil, instituição especializada no ensino médico, mostrou a grande
dificuldade por parte dos médicos em prescrever receitas contendo a substância,
o que, consequentemente, leva à subutilização do tratamento. Talvez
por desconhecimento, uma vez que não há, na grade curricular da
maioria das faculdades de medicina, aulas específicas sobre a prescrição dos
componentes da planta. Talvez pelo descrédito que a cannabis ainda suscita como
alternativa terapêutica segura e eficaz, é o que leva parte dos médicos a ficar
insegura quanto à indicação. E talvez pelos altos preços dos
medicamentos — um tubo custa entre R$ 1 mil e R$ 1,5 mil nas farmácias —,
o que afasta o cidadão comum por questões financeiras.
Em dezembro, o governo de São Paulo publicou
a regulamentação da lei que prevê o fornecimento de remédios à base de cannabis
medicinal pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no estado. O fornecimento foi
iniciado no mês passado. Entre as capitais, além de São Paulo, apenas os
vereadores de Cuiabá (MT) iniciaram uma votação para aprovar um projeto de lei
regulamentando o repasse aos pacientes do SUS.
A partir de pesquisas e estudos desenvolvidos
pelas maiores universidades do mundo, em parceria com centros médicos
internacionais, a cannabis medicinal tem se mostrado eficaz no tratamento de
diversas enfermidades, a exemplo de dores crônicas, como neuropatia,
fibromialgia, na epilepsia refratária, na esclerose múltipla e em determinadas
condições como mal-estar decorrente de quimioterapia, entre outras tantas
doenças genéticas raras.
Na próxima terça-feira (25), 200 autoridades médicas e não médicas se reunirão em São Paulo para a quarta edição do We Need to Talk About Cannabis (WNTC), congresso que discutirá "os principais aspectos relacionados à legislação, políticas públicas, pesquisa e inovação neste campo em constante evolução e que tem o Brasil como protagonista". Espera-se a participação do secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, Carlos Gadelha, além de professores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e de representantes da Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abiquifi) e do Conselho Federal de Química. A expectativa é de que iniciativas como essa amadurecem e facilitem o acesso dos pacientes que necessitam de tratamento com medicamentos à base de cannabis.
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