Valor Econômico
Malgrado a piora das condições externas, a situação do Brasil é relativamente confortável dentre os mercados emergentes
A escalada do dólar, que se acentuou no mês
passado antes de arrefecer um pouco em julho, concentrou boa parte do
noticiário econômico. O gráfico mostra o comportamento do real e de várias
outras moedas de países emergentes (todas normalizadas em 100 na data inicial).
Mostra também a evolução do índice DXY, o dollar index, que mostra a força do
dólar contra outras moedas de países avançados. No background, a área
sombreada, na escala à direita, é a taxa de juros dos títulos de 10 anos do
Tesouro dos EUA.
A percepção de que o Fed iria manter os juros altos por mais tempo do que se previa elevou significativamente as taxas de juros longas nos EUA. Quando isso acontece, há maior transferência de fundos de mercados de risco, entre eles os de moeda de mercados emergentes, para os títulos seguros do Tesouro norte-americano. O gráfico mostra que a maioria das moedas se depreciou frente ao dólar (moveram-se para cima). E o real depreciou-se mais quase todo o tempo.
Mais recentemente, com a queda das taxas de
juros longas nos EUA, mercê da percepção de que as perspectivas da inflação por
lá estão mais alvissareiras, várias moedas devolveram parte da depreciação
acumulada. Mesmo assim, o real foi o que mais se depreciou no período.
Determinar exatamente o que causou movimentos
nas taxas de câmbio é sempre difícil, mesmo quando tratamos de períodos
passados. O que dirá então tentar estabelecer as causas de movimentos
contemporâneos do câmbio. Não obstante, parece haver duas causas principais,
uma externa e outra interna. A externa, já mencionada, é a força atratora do
dólar quando sobem os juros nos EUA. A interna são as turbulências domésticas,
envolvendo as políticas fiscal e monetária, que impactam as perspectivas da
inflação e dos juros por aqui.
O passar do tempo vem evidenciando as enormes
e previsíveis dificuldades que a equipe econômica vem enfrentando para cumprir
as metas fiscais prometidas. A perspectiva de déficits e dívida pública maiores
assustou os mercados, fazendo com que investidores externos e internos
alterassem suas alocações entre títulos estrangeiros e brasileiros, em
detrimento dos últimos. Tal movimento exacerbou a perda de valor do real frente
ao dólar.
Além das dificuldades da política fiscal, a
política monetária vem preocupando cada vez mais os investidores. É certo que
uma política fiscal descontrolada, que leve a dívida pública a crescimento
explosivo, inviabiliza a capacidade da política monetária de manter a inflação
sob controle. Mas uma política monetária frouxa aceleraria a inflação.
Como se sabe, a sucessão do presidente do BC
(e de mais dois diretores) se dará no início de 2025, daqui a menos de seis
meses. Em junho, o presidente Lula retomou seus ataques virulentos ao atual
presidente do BC. Essa conjunção de fatores levou a temores de que quem vier a
ser nomeado para o próximo mandato de presidente do BC possa vir a ser leniente
com a inflação, pois não subiria juros caso isso se faça necessário para manter
a inflação na meta.
A perspectiva de combinação de política
fiscal expansionista com juro baixo, num contexto de pleno emprego como o
atual, fatalmente aceleraria a inflação. E não chega a ser surpreendente que
tal cenário induza fuga de investimentos do Brasil, acirrando o movimento de
depreciação do real.
Alguns fatores técnicos foram também
arrolados para tentar explicar a depreciação exacerbada do real. Como os
mercados de câmbio no Brasil estão entre os mais líquidos e profundos, quando
há um movimento conjunto de venda de moedas emergentes, como se verificou,
especuladores que tinham posições compradas em tais moedas tendem a recorrer à
venda de reais, como forma de protegerem suas posições. Não há, tanto quanto eu
saiba, estimativa da importância quantitativa deste mecanismo.
Durante a subida do dólar, houve quem
clamasse por intervenções no mercado de câmbio. Basicamente, são dois os
mecanismos de intervenções cambiais que foram usados desde o Plano Real:
intervenções cambiais esterilizadas (que não alteram a taxa de juros) e
controles de capitais.
Controles de capitais para diminuir
depreciação cambial teriam que diminuir a saída de capitais. Os controles de
capitais que foram implementados desde o Plano Real, contudo, foram controles
de entrada de capitais. Estes são inclusive referendados pelo FMI em algumas
situações de excesso de entrada de capitais especulativos. Obviamente, não é
caso atual. Seria muito ruim recorrer a controles de saída de capitais, como os
que já tivemos no passado. Sendo o Brasil um país de poupança baixa, influxos
de capital estrangeiro continuam a ser fundamentais para alavancar o
crescimento econômico. Controles de saída de capitais afetariam fortemente a
atração de capitais para o Brasil.
Quanto às intervenções esterilizadas, estas
tampouco parecem ter sido necessárias, como se comprovou com a apreciação
recente. Ao contrário, se o BC tivesse intervindo, poderia ter passado a
impressão de que estaria tentando combater a inflação via contenção da taxa de
câmbio, para evitar uma elevação dos juros. É justamente o temor de que o BC de
2025 possa ter cerceada sua capacidade de gerir a política monetária que ajuda
a pressionar a taxa de câmbio.
Malgrado a piora das condições externas, a situação do Brasil é relativamente confortável dentre os mercados emergentes. Durante procelosa tempestade, em 2002, Lula soube levar o barco a bom porto. Esperamos que não seja diferente desta vez.
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