quarta-feira, 17 de julho de 2024

Fernando Exman - Um dia de teste para o juízo fiscal do governo

Valor Econômico

Na segunda-feira (22), governo apresentará mais um relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas

O senador Jefferson Péres (PDT-AM) subiu à tribuna no dia 11 de abril de 2000 reclamando da dispersão no plenário. Cobrava atenção, inclusive da imprensa, para a matéria que seria aprovada em instantes após longos debates e poderia ser fundamental para garantir o equilíbrio das contas públicas.

Seu corpo franzino enganava aqueles que não conheciam a postura combativa que marcou o seu mandato. Exibia sempre o semblante fechado.

Em 2003, ele renunciou de forma ruidosa a uma vaga no Conselho de Ética do Senado por discordar dos encaminhamentos do colegiado. Em outros momentos da carreira, defendeu o afastamento da cúpula do próprio partido depois de denúncias de malfeitos. Antes de morrer, em 2008, discursou afirmando que não tinha medo da cobiça internacional em relação à Amazônia, mas sim da ganância nacional. Na sua opinião, esta envolvia ações de pecuaristas e madeireiros na região. Foi o seu último pronunciamento na Casa.

Mas naquela terça-feira, anos antes, Péres discursava na tentativa de abrir caminho para a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Relator da matéria, o pedetista enfrentava as duras críticas do PT ao projeto em pauta.

Eram dias conturbados. O meio político, e os jornalistas, só comentavam o brutal embate verbal que ocorrera na semana anterior entre o presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), e seu arqui-inimigo Jader Barbalho (PMDB-PA). A troca de acusações, episódio classificado depois por Barbalho como um “striptease moral”, também gerava forte instabilidade na base de sustentação do governo Fernando Henrique Cardoso.

Jefferson Péres apelou. Iniciou o discurso citando o texto de um senador de outra época, Rui Barbosa, que em 1890 apontava que faltava ao recém-criado governo republicano “coroar a sua obra com a mais importante providência que uma sociedade política bem constituída pode exigir de seus representantes”: a necessidade de tornar o Orçamento uma instituição inviolável e soberana, em sua missão de prover as necessidades públicas mediante o menor sacrifício dos contribuintes e escudada contra todos “que ousem perturbar-lhe o curso traçado”.

“Nenhuma instituição é mais relevante, para o movimento regular do mecanismo administrativo e político de um povo, do que a Lei Orçamentária”, disse Péres, ainda citando Rui Barbosa, para então prosseguir com as próprias palavras.

Para ele, o Congresso estava aprovando a lei defendida pelo intelectual baiano com 110 anos de atraso. “É por isso, senhor presidente, para que o Brasil deixe de ser um hospício financeiro, para que a gestão fiscal deixe de ser uma zorra, que tomei a decisão política, desde o início, de rejeitar todas as emendas, independentemente de serem meritórias ou não, a fim de que este projeto não retorne à Câmara, porque é preciso que ele entre em vigor imediatamente”, destacou o senador do Amazonas.

A Lei de Responsabilidade Fiscal seria sancionada poucos dias depois. De lá para cá, tornou-se um dos pilares da gestão orçamentária. E não seria exagero dizer que ela será colocada à prova novamente nos próximos dias: mais especificamente, na segunda-feira (22), quando o governo apresentará mais um relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas.

A LRF determina a divulgação desse documento. O Poder Executivo precisa fazê-lo com o objetivo de garantir o acompanhamento do cumprimento da meta fiscal fixada para cada ano. Por meio do relatório, o governo também define eventuais contingenciamentos de despesas do Orçamento Geral da União, quando a receita projetada não viabilizar o cumprimento das metas estabelecidas.

Justamente por isso que a segunda-feira (22) será um dia crucial. O relatório deixará evidente se o governo está realmente comprometido com o cumprimento do novo arcabouço fiscal.

Nas últimas semanas, o governo teve a chance de comprovar os efeitos positivos de reduzir os ruídos em relação à política econômica. A cotação do dólar caiu após a reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a equipe econômica realizada no dia 3 de julho, convocada justamente para demonstrar o engajamento do governo em direção à meta fiscal de déficit primário zero. Na ocasião, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, concedeu entrevista coletiva no Palácio do Planalto assegurando que o arcabouço fiscal seria cumprido por determinação do presidente.

Hoje, avalia-se na área econômica que foi bom o Banco Central (BC) não intervir no câmbio em meio às turbulências daqueles dias. A medida poderia turvar o entendimento, dentro e fora do Executivo, do impacto positivo no mercado do anúncio de que R$ 25,9 bilhões de despesas obrigatórias seriam cortadas do Orçamento de 2025.

Deve-se considerar a reunião de 3 de julho de Lula com seus auxiliares mais próximos um ponto de inflexão, um dia em que Lula deu respaldo público à equipe econômica para perseguir as metas fiscais e o arcabouço. Mas a divulgação de eventuais cortes no Orçamento deste ano pode reforçar ou fragilizar essa visão.

Segundo o Valor revelou, a equipe econômica já estimou que um eventual bloqueio mais contingenciamento de gastos deveria chegar a R$ 10 bilhões. Esse seria o número necessário para que o arcabouço fiscal seja cumprido, a despeito da insatisfação da ala política do governo e dirigentes do PT. O mercado diz que é mais, e o número final precisará da chancela de Lula. A cifra dirá, segundo as palavras de Jefferson Péres, se a gestão fiscal atual pode ser considerada uma “zorra” ou não.

 

Um comentário:

Anônimo disse...

Péres tinha razão ao afirmar que "não tinha medo da cobiça internacional em relação à Amazônia, mas sim da ganância nacional."
4 anos do DESgoverno Bolsonaro escancaram a cumplicidade entre o GENOCIDA (abandonou os ianomâmis à própria sorte) e seu ministro criminoso do Meio Ambiente (atual deputado por SP, Ricardo Salles), com os grileiros de terras indígenas e públicas, os pecuaristas incendiários da Amazônia e os garimpeiros ilegais de terras indígenas. A fiscalização do Ibama e do ICMBio foi quase impedida de atuar, muitos fiscais eram PERSEGUIDOS pelos diretores corruptos destes órgãos nomeados por Bolsonaro, a mata amazônica queimou como nunca, e só a pressão INTERNACIONAL foi capaz de frear um pouco a sanha bolsonarista e de seus cúmplices armados e violentos na região. Ainda assim, um jornalista internacional, um indigenista muito respeitado e milhares de indígenas foram vítimas fatais da política bolsonarista para o meio ambiente amazônico.