Numa democracia, a violência não pode ter espaço
O Globo
Atentado contra Trump é um alerta sobre
riscos da radicalização política e um ataque ao regime democrático
Os tiros disparados contra o ex-presidente
americano Donald Trump neste sábado num comício em Bulder, na Pensilvânia — um
dos estados críticos na eleição de novembro —, puseram a violência no centro da
campanha eleitoral. Um integrante do público morreu, mas Trump felizmente
sofreu apenas ferimentos leves. As manifestações unânimes de chefes de Estado e
governo mundo afora, entre eles o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva,
traduzem uma indignação mais que justa contra o atentado. Num momento de forte
pressão para a desistência do democrata Joe Biden em razão de suas repetidas
demonstrações de declínio cognitivo, os olhos se voltam agora para o
republicano Trump e para a convenção que, a partir desta segunda-feira, deverá
sagrá-lo candidato.
Nos últimos anos, os atentados contra presidentes ou candidatos à Presidência nos Estados Unidos se tornaram menos frequentes. Um levantamento do Congresso elencou 15 tentativas de assassinato ao longo da História, cinco delas bem sucedidas. Dos 46 presidentes americanos, dez foram alvo de ataques e quatro foram mortos no cargo — Abraham Lincoln, James Garfield, William McKinley e John Kennedy. As últimas tentativas frustradas alvejaram George W. Bush (uma granada que não explodiu em 2005), Bill Clinton (tiros contra a Casa Branca que não o atingiram em 1994) e Ronald Reagan (ferido a bala em 1981, sobreviveu).
Atos de violência que pareciam arrefecer
ganharam novo ímpeto com a polarização que tomou conta do país, agravados pelo
acesso fácil a armas como o fuzil AR-15 usado no atentado. A demonização de
ambos os candidatos no discurso dos adversários acaba por alimentar a
radicalização e funciona como chamado à violência. Numa pesquisa realizada no
mês passado, 10% dos entrevistados consideraram justificável o uso da força
para evitar um novo mandato de Trump. As investigações ainda confirmarão, mas,
nesse ambiente inflamável, a varredura da área pelo serviço secreto para coibir
o atentado falhou.. E basta um atentado do tipo para interferir num cenário
eleitoral ainda incerto (foi o caso da facada que Jair Bolsonaro sofreu na
campanha de que saiu vitorioso em 2018 no Brasil).
É ocioso dizer, mas sempre necessário
repetir: a violência não pode ter nenhum espaço num regime democrático. A
democracia é, por definição, o sistema em que conflitos são resolvidos por meio
do debate, do diálogo e da negociação. Em suma, por meio da palavra e do voto,
de acordo com regras claras, aceitas e respeitadas por todos – jamais à bala. A
principal dessas regras diz respeito às eleições. Um atentado contra qualquer
candidato representa um ataque à democracia.
Não há dúvida de que o próprio Trump
representa riscos para o regime democrático. Ao contestar os resultados
legítimos da eleição que pôs Biden no poder, ao disseminar mentiras repulsivas
sobre o sistema eleitoral e todo tipo de teoria conspiratória, ele alimenta a
espiral de ódio que divide o país ao meio. Que ele próprio tenha se tornado uma
vítima involuntária dessa espiral serve de alerta sobre a necessidade de
moderação no discurso político. Adversários numa eleição não são inimigos a
abater numa guerra. É um recado que vale não apenas para os americanos, mas
para o mundo todo.
Previdência de militares é propícia a
mudanças na próxima reforma
O Globo
Maior aumento de despesas e maior
contribuição proporcional para o déficit no setor público são da caserna
Sistemas previdenciários são reféns da
demografia. O envelhecimento da população, conjugado à propensão das famílias a
ter menos filhos, torna inevitáveis medidas impopulares, mas necessárias, como
aumento de tempo e alíquotas de contribuição. Na última reforma da Previdência,
em 2019, os militares obtiveram uma situação privilegiada em comparação aos
demais assalariados, mesmo aos demais funcionários públicos. Isso faz do
sistema previdenciário destinado à caserna um campo natural de estudo para a
próxima e inevitável reforma.
As despesas com o Sistema de Proteção Social
dos Militares das Forças
Armadas chegaram a R$ 58,8 bilhões no ano passado, crescimento
de 85% em dez anos — taxa elevada, mesmo considerando o efeito da inflação. Os
servidores públicos civis receberam R$ 94 bilhões, com aumento de 46% no mesmo
período. O déficit da Previdência militar, considerando as pensões, foi no ano
passado de R$ 49,7 bilhões, aumento de 67,8% em dez anos. O dos servidores
civis chegou a R$ 54,8 bilhões, crescimento de 47% na mesma década.
Na Previdência do setor público como um todo,
a maior contribuição proporcional para o déficit é dada pelo sistema da
caserna. Embora o número de aposentados e pensionistas civis beneficiários
(707.902) ultrapasse em 73% o de militares (407.386), o déficit previdenciário
do funcionalismo civil é apenas 10% superior ao do militar.
Pela projeção dos técnicos do governo, a Previdência
dos militares já tem um gasto contratado para as próximas décadas de R$ 856
bilhões, ante R$ 1,4 trilhão para os civis. Embora essa despesa
contratada com militares corresponda a 60% da prevista para civis, o total de
contribuintes militares (769.974) — ativos e inativos — é apenas pouco mais da
metade dos civis (1.465.861).
Os militares foram especialmente beneficiados
no governo passado. Os R$ 150 mil que generais recebiam ao passar para a
reserva, sob o argumento de não ter Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS) como os funcionários de empresas privadas, dobraram para R$ 300 mil.
Esse gasto precisa ser bancado pelo Tesouro Nacional, pois não é coberto pelo
recolhimento dos militares para financiar seus pensionistas. Com base no
entendimento de que os militares na reserva podem ser convocados em caso de
guerra, o benefício nem é considerado previdenciário. Mera questão de
nomenclatura, pois quem paga tudo é o Tesouro. Não vai demorar para o país
precisar fazer nova reforma na Previdência. Equilibrar as regras de
aposentadoria entre militares e servidores civis estará na agenda.
Para FMI, país já cresce mais, mas fiscal é
ponto negativo
Valor Econômico
Se o presidente Lula apoiar um jogo mais sério na questão fiscal e impulsionar as reformas o país poderá deixar para trás seus números indigentes de crescimento e dispensar as muletas fiscais que os propiciaram
O relatório sobre a situação da economia
brasileira feita pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), uma rotina anual, é
um tom mais otimista do que os economistas domésticos nas questões do
crescimento e um tom menos pessimista que as previsões sobre o quadro fiscal. O
staff do Fundo elevou o crescimento potencial da economia a 2,5% e para ele não
há dúvida que o hiato do produto hoje seja positivo - as atividades estão se
expandindo a um ritmo acima da capacidade, embora isto não tenha impedido a
inflação de cair. Este avanço de curto prazo se deve a generosos impulsos
fiscais. Quanto ao déficit, o relatório aponta que o governo precisa fazer um
esforço maior para melhorar sua trajetória.
Entre os fatores de risco negativos para a
economia brasileira, o único ao qual é atribuído alta chance diz respeito ao
cenário fiscal. Pelas estimativas, para atingir a meta de déficit zero em 2025
serão necessárias medidas adicionais para obter 0,7% do PIB. Pelos cálculos do
Fundo, o déficit primário em 2024 chegará a 0,6% do PIB - uma redução de 0,7
ponto percentual no balanço primário estrutural, se considerado o resultado
negativo de 2023, de -2,4% PIB. Obter mais receitas será desafiador, de acordo
com o FMI, porque as já aprovadas somaram 1,1% do PIB e a contribuição esperada
das transações tributárias e outras estão abaixo das expectativas, enquanto que
os gastos estão subindo.
O relatório recomenda um esforço fiscal mais
ambicioso, porque embora o risco para a sustentabilidade da dívida seja visto
como moderado, sua trajetória “permanece altamente sensível a choques no custo
do dinheiro e do crescimento real do PIB”. Ainda assim, o Brasil tem “algum
espaço fiscal para responder a choques temporários” e pode fazer a consolidação
de seu endividamento gradualmente no médio prazo, graças ao fato de que a
dívida é quase que toda doméstica, a dívida externa é baixa e há um enorme colchão
de proteção feito pelo Tesouro.
Uma âncora fiscal boa exigiria que a meta de
déficit zero fosse cumprida em 2025 e fosse seguida por avanços de 0,5 ponto
percentual do PIB nos exercícios seguintes, para que se atinja um superávit de
2,5% do PIB em 2030. Para atingir isso, o staff do FMI recomenda várias
receitas que não são do agrado do Planalto: desindexar do salário mínimo alguns
itens de gastos e mudar os pisos para educação e saúde que estão hoje
vinculados a receitas. Seguem-se outras recomendações clássicas da instituição,
como reforma da administração pública, para reduzir a alta diferença entre os
salários públicos e os privados e revisão das carreiras, uma reforma da
previdência que alinhe os regimes especiais com o regime geral e a busca de
maior eficiência nos programas sociais.
O Fundo elogia o trabalho do Banco Central na
condução da política monetária e avaliza a interrupção do ciclo de queda dos
juros, indicando que a desancoragem das expectativas “possivelmente reflita
incertezas sobre a trajetória da consolidação fiscal assim como a da composição
da diretoria do BC após a troca de três de seus membros cujos mandatos se
encerram em dezembro”.
Se acredita que o balanço de riscos para o
Brasil ainda pende para o lado negativo, o staff do FMI acredita que a economia
brasileira aumentou sua capacidade de crescer desde 2017, impulsionada “pelo
aumento da produtividade total dos fatores”, com contribuições de reformas
feitas, em especial a trabalhista - uma premissa que vários economistas
brasileiros reputam de prematura ou não existente. Pelos cálculos do Fundo,
apenas a redução muito significativa dos litígios na Justiça nas firmas
intensivas em mão de obra teria propiciado desde 2017 um aumento de
produtividade de 17%. No todo, a reforma trabalhista teria acrescido entre 0,3
a 0,5 ponto percentual ao crescimento potencial. Isso será pouco ainda se
consideradas as simulações feitas pelos técnicos para os efeitos futuros da
reforma tributária a caminho. Elas oscilam entre uma elevação de 6% a 11% do
PIB durante o período de transição, principalmente pelo fim da cumulatividade
de impostos nas cadeias de produção - a variação dos resultados decorre da magnitude
que se atribua à informalidade, que reduz o efeito.
Há grande contribuição da produção de
petróleo para a capacidade de crescimento. Ela deverá aumentar 56% entre 2023 e
2031, elevando o PIB em 0,2 ponto percentual anuais até lá. Outro fator
promissor apontado é a transição para uma economia descarbonizada, que tem
grande potencial para ampliar a capacidade produtiva. O FMI cita estimativas
que mostram que o mercado de créditos de carbono proposto, que levará cinco
anos até entrar em operação, poderia atingir R$ 100 bilhões até 2030 (perto de
1% do PIB), gerando 0,3% do PIB de receitas fiscais adicionais anualmente.
Há um bom cenário para a economia pela frente, com nuvens cinzas se concentrando na questão fiscal e na pilha de gastos tributários de 4,3% do PIB que precisaria ser desbastada. Se o presidente Lula apoiar um jogo mais sério na questão fiscal e impulsionar as reformas o país poderá deixar para trás seus números indigentes de crescimento e dispensar as muletas fiscais que os propiciaram.
Governo Lula avança no assédio à Petrobras
Folha de S. Paulo
Reajuste de preços mostra os limites do
populismo, mas há riscos no uso da empresa para estimular a indústria naval
O reajuste de preços da gasolina e do gás de
cozinha, promovido pela Petrobras na
semana que passou, é um sinal importante de que o governo petista e a nova
direção da companhia reconhecem ser limitado o espaço para desvios em relação
às cotações internacionais. Há limites, por o que se vê, ao intervencionismo
populista.
Os aumentos
de 7,1% e 9,8% para os dois produtos, respectivamente, favorecem a
rentabilidade e a boa gestão operacional da estatal.
A correção ainda não elimina a defasagem ante
os preços externos, que permanece em torno de 10% no caso da gasolina e de 8%
no diesel.
Ainda assim, não se chega a repetir o controle artificial imposto em governos
passados, sobretudo sob Dilma
Rousseff (PT).
Naquela ocasião, a empresa foi forçada a
vender combustíveis abaixo do custo, com enormes prejuízos, um dos motivos para
a disparada de seu endividamento. Desde então houve sensíveis melhorias na
governança, e hoje o estatuto da Petrobras proíbe subsídios sem que haja
aprovação em lei e compensação por meio de recursos do Orçamento federal.
O tema, contudo, é apenas uma das
preocupações envolvendo a companhia. Ainda está em aberto a volta de aventuras
perdulárias do passado, casos de refinarias inacabadas e de investimentos em
tecnologias arriscadas, como a geração eólica em alto mar.
Um sinal disso é a retomada da aquisição de
embarcações para transportes de combustíveis, em vez de afretá-las de
terceiros. A construção de navios-sonda foi objeto de escândalos e prejuízos,
como na Sete Brasil.
A Petrobras lançou edital para a contratação
de quatro deles por meio de sua subsidiaria Transpetro, notória por casos
passados de corrupção. Até aqui, ao menos, não há a exigência de conteúdo
local, o que ocasionaria custos maiores.
As contratações fazem parte de um programa
para adquirir 25 embarcações com custo de até US$ 2,5 bilhões. Ainda há grande
pressão para que sejam resgatadas as preferências locais, uma repetição das
muitas tentativas frustradas de viabilizar estaleiros nacionais.
Outro risco é a abertura da atual gestão a
indicações políticas e sindicais, que vão sendo colocadas em cargos
importantes, como a gerência de campos de exploração.
É típico de processos desse tipo que leve
algum tempo até que as novas influências consigam suplantar as regras de
governança, mas o passado petista não autoriza otimismo a esse respeito.
Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) persiste no objetivo de fazer novamente da Petrobras o
principal veículo de investimentos politicamente dirigidos. Em que
pesem a evolução das normas internas e a atenção maior dos órgãos de controle,
todo cuidado é pouco.
Benesses sem fim
Folha de S. Paulo
Adicional retroativo a juízes é mais um gasto
obsceno com elite do funcionalismo
Reportagem desta Folha revelou que,
desde 2020, os magistrados federais brasileiros receberam em
média R$ 145 mil na forma de remunerações retroativas. Nos últimos
quatro anos, as benesses chegaram a exorbitantes R$ 332 milhões.
Tal farra de penduricalhos tem origem numa
decisão de 2022 do Conselho da Justiça Federal (CJF), que repôs à categoria o
adicional por tempo de serviço relativo ao período de 2006 a 2022.
Os dados são públicos, mas as razões para
cada pagamento não são informadas pelos tribunais. Tal opacidade contrasta com
a missão da instituição de cumprir a lei de forma imparcial e justificada.
Espanta, ainda, que as prebendas decorram no geral de ações de órgãos do
próprio Judiciário.
O CJF alegou que seria necessário estender
aos juízes federais benefícios pagos a outras categorias, argumento que
estimula o uso desmedido de recursos públicos.
O valor obsceno das benesses evidencia a
captura do Estado pela cúpula do funcionalismo togado. De acordo com
levantamento de dados do IBGE feito
pelo economista Bruno Imaizumi, juízes lideram uma lista de 427 ocupações mais
bem pagas do país.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça, o gasto
do Judiciário em 2023 foi de R$ 132,8 bilhões, maior valor desde
2009, início da série histórica. Desse total, 90% corresponde a despesa com
pessoal.
O custo mensal médio por magistrado no ano
passado foi de R$ 68,1 mil —muito acima do teto constitucional do funcionalismo
(R$ 44.008,52 mensais) por incluir penduricalhos, que estão fora do teto. Já o
dos demais funcionários do setor foi de R$ 20,1 mil.
Em que pese a importância do Judiciário, nada
justifica o descompasso com os salários da maioria dos trabalhadores
brasileiros.
Cabe ao Congresso evitar a constitucionalização de penduricalhos, rejeitando a PEC do Quinquênio. O teto do funcionalismo precisa ser regulamentado de modo a conter a proliferação dos penduricalhos, que favorecem sobretudo uma categoria que já é de elite num Estado altamente deficitário.
Entropia americana
O Estado de S. Paulo
Atentado contra Trump representa uma
dramática escalada da violência política que tem marcado os EUA desde que o
ex-presidente incitou a invasão do Capitólio no 6 de Janeiro
O terrível atentado contra a vida de Donald
Trump, ocorrido no sábado passado durante um comício do republicano na cidade
de Butler, na Pensilvânia, representa uma dramática escalada da violência
política que tem marcado os EUA nos últimos anos. Nesse sentido, o crime de que
Trump foi vítima há de ser vigorosamente condenado. Contudo, não se pode dizer
que era imprevisível em um contexto no qual o recurso à força das armas tem
sido estimulado pelo próprio ex-presidente como meio de afirmação política desde
o fatídico dia 6 de janeiro de 2021.
Sim, Trump sofreu uma tentativa de homicídio.
Por milagre não morreu, como atestaram as imagens que correram o mundo. Porém,
não se pode perder de vista, sob o risco de faltar com a verdade histórica, que
o ex-presidente é o grande responsável por essa radicalização da política
americana desde que chegou à Casa Branca, em 2017. Depois de ter sido derrotado
em sua tentativa de reeleição, Trump incitou a invasão do Capitólio por uma
horda de apoiadores radicais que, fortemente armados e em seu nome, tentaram subverter
o legítimo resultado das urnas em 2020.
Aqueles liberticidas que tomaram de assalto o
prédio símbolo da democracia nos EUA sempre foram tratados por Trump como
“patriotas”, não como os criminosos que são. E foi a eles que Trump se dirigiu
logo após ser atingido, ainda no palanque. “Lutem! Lutem!”, bradou o
ex-presidente, de punho cerrado e com sangue correndo pelo rosto. O cálculo
político estava feito. A imagem que decerto marcará sua campanha eleitoral
daqui para a frente estava registrada – uma declaração de guerra a uma parte do
povo americano. E justo no momento em que os EUA clamam por gestos de
pacificação de seus líderes.
O impacto dessa primeira reação de Trump não
pode ser subestimado, não só nos rumos da campanha eleitoral, ainda
desconhecidos, mas sobretudo no convívio social. Quando um líder político
popular como ele toma uma violência sofrida como meio para galvanizar e
radicalizar sua base, o resultado não há de ser outro senão a erosão da
confiança dos cidadãos entre si e destes nas instituições democráticas.
Esse roteiro foi traçado por Trump logo após
o tiro que o atingiu de raspão. A utilização daquela violência como sua
principal bandeira de campanha a partir de agora – substrato para toda sorte de
teorias da conspiração – reflete a disposição do candidato republicano de
manipular as emoções do eleitorado para fins políticos. A ela se somarão as
reiteradas mentiras que Trump dissemina sobre o processo eleitoral e a
imparcialidade do sistema de Justiça dos EUA, um discurso que tem levado muitos
americanos a empunhar armas para se contrapor a instituições que acreditam
estar corrompidas.
A resposta de Trump ao ataque que ele sofreu
não deveria ser a escalada de sua retórica inflamável e divisiva, mas um apelo
ao diálogo como forma de resgate da tradição política da maior democracia das
Américas. A despeito da violência praticada contra presidentes e candidatos à
presidência que, lamentavelmente, marcaram o passado dos EUA, o país só se
tornou a potência que é porque, ao longo de quase dois séculos e meio de
história, a união dos americanos em torno de objetivos comuns foi muito mais
marcante do que suas eventuais divergências.
Ao invés de capitalizar politicamente o
atentado, como fez, Trump deveria fazer de seu renascimento uma oportunidade
para refletir sobre o impacto de suas ações e palavras sobre o comportamento
dos cidadãos que ele pretende liderar mais uma vez. Afinal, um líder genuíno
busca a união, não a discórdia. Ademais, a democracia americana, farol para o
chamado mundo livre, não guarda espaço para que a violência se torne um método
aceitável de participação no processo político.
Mas é ocioso esperar que Trump reavalie um
comportamento nefasto que, em última análise, foi exatamente o que lhe garantiu
o maior triunfo de sua vida. Resta aos eleitores americanos refletir e evitar
que prevaleça a sede de vingança e o atentado se torne o prenúncio de uma
tragédia ainda maior.
Bolsonaro e a política como pirraça
O Estado de S. Paulo
O ex-presidente lidera o maior partido do
País e, nessa condição, poderia orientá-lo para aprovar uma reforma tributária
melhor, mas seu único interesse era prejudicar os ‘amigos de Lula’
O Partido Liberal (PL) é de longe o maior
partido do Brasil. Tem 93 deputados na Câmara, bancada que supera com folga,
por exemplo, os 80 da federação liderada pelo PT, partido do presidente Lula da
Silva. É, portanto, um partido com força suficiente para, se quisesse,
influenciar decisivamente os rumos do País. O problema é que o PL está entregue
aos desígnios do ex-presidente Jair Bolsonaro, o que já foi afirmado com todas
as letras pelo dono da agremiação, Valdemar Costa Neto. Como Jair Bolsonaro não
tem nem nunca teve o menor interesse pelo destino do Brasil, e sim apenas por
suas pendengas pessoais, o PL se tornou uma espécie de vanguarda da
irresponsabilidade bolsonarista, como ficou mais uma vez provado durante a
recente votação da regulamentação da reforma tributária.
Consta que Bolsonaro havia orientado a
bancada de seu partido, o PL, a votar contra a proposta de incluir proteína
animal na cesta básica para isentá-la de imposto. A lógica, segundo soube, é
que a inclusão beneficiaria a JBS, empresa dos irmãos Joesley e Wesley Batista,
o que seria considerado inaceitável por Bolsonaro, já que os irmãos são “amigos
de Lula”.
Ou seja, em nenhum momento o grande líder do
maior partido do Brasil levou em consideração as eventuais consequências, para
o País, da isenção de impostos sobre a proteína animal. Sua única preocupação
era impedir que a reforma beneficiasse os “amigos de Lula”.
Nenhuma surpresa, pois já se sabe há décadas
que Bolsonaro nada entende de política, mas é especialista em pirraça,
sobretudo em relação ao PT e a Lula. Em julho do ano passado, quando o PL
discutia como se posicionar sobre a reforma tributária, Bolsonaro pressionou a
bancada a votar contra, e ficou furioso quando o governador de São Paulo,
Tarcísio de Freitas, argumentou, corretamente, que a reforma tributária é uma
pauta naturalmente defendida pela direita. Bolsonaro o atalhou e ditou:
“Pessoal, se o PL estiver unido, não aprova nada”.
Para Bolsonaro, a coisa toda é muito simples:
nada do que venha do PT ou de Lula, seja o que for, deve ter apoio do PL. Não
se discutem os méritos das propostas. A rejeição é liminar. Em outubro do ano
passado, o ex-presidente reafirmou sua oposição ao projeto de reforma
tributária porque, segundo ele, “tudo o que vem do PT você tem que desconfiar”,
porque “só tem incompetente e bandido” no partido de Lula. “Pode esperar o que
dessa turma? Se não conseguiu entender: é do PT, vote ‘não’; PT encaminha ‘não’,
vote ‘sim’. A chance de você errar é zero.”
Nesse caso, pouco importa que o projeto da
reforma tributária não “veio do PT” (recorde-se: a Proposta de Emenda
Constitucional foi apresentada em 2019 pelo deputado Baleia Rossi, do MDB, e
foi relatada pelo deputado Aguinaldo Ribeiro, do PP, e pelo senador Eduardo
Braga, do MDB). O que interessa, no discurso bolsonarista, é que a proposta
teve apoio do governo e isso, por si só, bastaria para desmoralizá-la.
Obviamente, nada disso tem a ver com política.
A reconstituição do episódio envolvendo
Bolsonaro na quarta-feira passada é didática a esse respeito. O PL avaliava
apresentar destaque para isentar de impostos a proteína animal, conforme
demanda da bancada ruralista. O presidente da Câmara, Arthur Lira, que era
contrário à inclusão da isenção, foi ao encontro de Bolsonaro para pedir que
trabalhasse contra o destaque. O ex-presidente concordou em fazê-lo, porque a
desoneração ajudaria a empresa dos “amigos do Lula”. Mas então um grupo de
deputados do PL foi a Bolsonaro para lhe dizer que, se o objetivo era
atrapalhar os “amigos do Lula”, então o certo seria apoiar a desoneração,
porque o imposto sobre as carnes prejudicaria muito mais os concorrentes
menores da JBS. Bolsonaro então se convenceu a apoiar a desoneração e o
destaque foi apresentado pelo PL no início da noite.
Em nenhum momento das conversas, portanto,
Bolsonaro se preocupou com os efeitos abrangentes e de longo prazo da
desoneração da proteína animal. E esses efeitos serão duros: a manobra fará com
que o novo IVA seja um dos mais altos do mundo. Essa estripulia recairá sobre
todos os brasileiros, principalmente os mais pobres, enquanto os irmãos
Batista, com a inimizade de Bolsonaro ou a amizade de Lula, seguirão fazendo
bons negócios.
Inconcebível meta naval da Petrobras
O Estado de S. Paulo
Programa para construção de 25 navios reativa
modelo com final previsível: o fracasso
A licitação anunciada de 4 navios, de um
total de 25 que a subsidiária de transporte e logística da Petrobras pretende
mandar construir, dá início a uma nova e inconcebível empreitada do governo
federal de incentivo à indústria naval. Com ligeiras modificações, a Transpetro
segue um esquema já bastante conhecido de subsídio aos estaleiros nacionais,
com taxas decrescentes à medida que aumenta o conteúdo local dos equipamentos.
As mais atrativas exigem índice de nacionalização de 65%.
Desde o desastroso projeto de fabricar no
Brasil 28 navios-sondas para o pré-sal – que teve apenas 4 deles entregues –, a
indústria naval não recebe encomendas de grande porte, como navios e
plataformas. Num emaranhado que somou corrupção a um cenário de deficiências
tecnológicas, baixa produtividade e qualificação insuficiente de mão de obra, a
promessa das primeiras gestões petistas de transformar o País num polo naval
global foi um fiasco.
Mapeamento feito pelo Instituto Brasileiro de
Petróleo (IBP) mostra que seis estaleiros foram desativados e outros dez estão
sem nenhuma demanda, como o Atlântico Sul, uma das grandes apostas da gestão
petista, que está em recuperação judicial. Os dados reunidos pelo IBP indicam
43 estaleiros ainda em atividade (14 grandes e 29 de pequeno porte), o que
inclui os que estão sem encomendas, os dedicados apenas a reparos e 3 em
recuperação judicial.
Os presidentes da Transpetro, Sérgio Bacci, e
da Petrobras, Magda Chambriard, afinaram discursos, alegando que a aquisição de
petroleiros vai reduzir custos de frete. Mas, por óbvio, a opção de construir
os navios passou longe de uma estratégia comercial da empresa. Até os
guindastes de estaleiros desativados sabem que essa é uma decisão política,
praticamente uma obsessão do presidente Lula da Silva, em busca dos dividendos
eleitorais que os prometidos milhares de empregos da indústria naval podem lhe conferir,
ainda que por pouco tempo.
Magda, levada à presidência da Petrobras com
essa missão, acelerou o processo em curso desde o início do terceiro governo
petista. Entre os rumores que acompanharam a queda de Jean Paul Prates, seu
antecessor, estava a demora nas encomendas aos estaleiros. Prates chegou a
apontar a grande discrepância de competitividade da indústria nacional para
justificar a dificuldade. Bacci, da Transpetro, veio do Sinaval, o sindicato
que reúne os estaleiros, e defende entusiasticamente a política de conteúdo
local, como não poderia deixar de ser.
É um projeto cercado de desconfiança, por
tudo o que ocorreu na fracassada política petista: da dependência exclusiva da
Petrobras à ausência de qualificação profissional prévia. Os empregos
desaparecem com a mesma facilidade com que foram criados.
Não se trata de coincidência que o lançamento do primeiro dos quatro navios licitados esteja previsto para junho de 2026, dois meses antes do início oficial da campanha presidencial. O navio estará ainda inacabado, com apenas o casco pronto, que será entregue com toda a pompa.
A importância da formação dos professores
Correio Braziliense
A observação da prática pedagógica — e
não só do conteúdo teórico de cada área – pode representar avanços importantes
Melhorar a educação é uma meta a ser
perseguida no Brasil. Nesse sentido, medidas que possibilitem conquistas, em
diversos âmbitos, são fundamentais. No intenso e rápido movimento do mundo
atual, o ensino precisa se reinventar para acompanhar as demandas pessoais e
sociais. Atitudes que contribuam para a qualidade do estudo devem ser
prioridade. O Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes das Licenciaturas
(Enade das Licenciaturas) é um exemplo de iniciativa positiva.
Instituído pelo Ministério da Educação (MEC),
o teste é voltado especificamente aos cursos que formam professores para atuar
no ensino básico. Os novos moldes já valem para a edição deste ano, segundo
divulgou o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep). A partir de agora, o foco será maior na análise das
competências dos docentes do que nos conteúdos disciplinares. A periodicidade
da avaliação também mudou: será anual, em vez de a cada três anos.
A observação da prática pedagógica — e não só
do conteúdo teórico de cada área — pode representar avanços importantes.
Identificar possíveis problemas e defasagens na formação dos futuros
professores significa solucionar questões que refletem na vida escolar dos
estudantes dos anos iniciais.
Mas também é necessário levar em consideração
que o Enade não acarreta efeito direto aos formandos, o que, de certa forma,
desestimula desempenhos melhores nas provas. O que não se pode ignorar é a
importância da procura por caminhos que levem ao aprimoramento profissional de
quem ensina.
Uma formação de professores adequada serve
como alicerce na construção de escolas, cidadãos e profissionais mais
competentes e éticos. As instituições de ensino são ambientes para o
desenvolvimento do senso crítico individual e, por consequência, da sociedade.
Além disso, são o espaço de conhecimento e de aprimoramento de técnicas
específicas de cada matéria. Nesse contexto, os educadores que vão orientar
crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos dentro da sala de aula têm
valor inestimável.
Daí, a relevância de se analisar os programas dos cursos de forma a garantir que os professores estejam sempre bem preparados e atualizados, pensando numa capacitação de qualidade e que não se restrinja a aspectos tecnológicos ou formais. Esse é um dos passos primordiais para que o Brasil atinja o nível de excelência em carreiras. É claro que outros aspectos precisam ser levados em consideração com igual peso para avaliar o preparo dos docentes. Porém, um Enade bem aplicado pode possibilitar conclusões expressivas e gerar ações que acompanhem as mudanças na sociedade e no mercado de trabalho.
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