segunda-feira, 15 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Numa democracia, a violência não pode ter espaço

O Globo

Atentado contra Trump é um alerta sobre riscos da radicalização política e um ataque ao regime democrático

Os tiros disparados contra o ex-presidente americano Donald Trump neste sábado num comício em Bulder, na Pensilvânia — um dos estados críticos na eleição de novembro —, puseram a violência no centro da campanha eleitoral. Um integrante do público morreu, mas Trump felizmente sofreu apenas ferimentos leves. As manifestações unânimes de chefes de Estado e governo mundo afora, entre eles o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, traduzem uma indignação mais que justa contra o atentado. Num momento de forte pressão para a desistência do democrata Joe Biden em razão de suas repetidas demonstrações de declínio cognitivo, os olhos se voltam agora para o republicano Trump e para a convenção que, a partir desta segunda-feira, deverá sagrá-lo candidato.

Nos últimos anos, os atentados contra presidentes ou candidatos à Presidência nos Estados Unidos se tornaram menos frequentes. Um levantamento do Congresso elencou 15 tentativas de assassinato ao longo da História, cinco delas bem sucedidas. Dos 46 presidentes americanos, dez foram alvo de ataques e quatro foram mortos no cargo — Abraham Lincoln, James Garfield, William McKinley e John Kennedy. As últimas tentativas frustradas alvejaram George W. Bush (uma granada que não explodiu em 2005), Bill Clinton (tiros contra a Casa Branca que não o atingiram em 1994) e Ronald Reagan (ferido a bala em 1981, sobreviveu).

Atos de violência que pareciam arrefecer ganharam novo ímpeto com a polarização que tomou conta do país, agravados pelo acesso fácil a armas como o fuzil AR-15 usado no atentado. A demonização de ambos os candidatos no discurso dos adversários acaba por alimentar a radicalização e funciona como chamado à violência. Numa pesquisa realizada no mês passado, 10% dos entrevistados consideraram justificável o uso da força para evitar um novo mandato de Trump. As investigações ainda confirmarão, mas, nesse ambiente inflamável, a varredura da área pelo serviço secreto para coibir o atentado falhou.. E basta um atentado do tipo para interferir num cenário eleitoral ainda incerto (foi o caso da facada que Jair Bolsonaro sofreu na campanha de que saiu vitorioso em 2018 no Brasil).

É ocioso dizer, mas sempre necessário repetir: a violência não pode ter nenhum espaço num regime democrático. A democracia é, por definição, o sistema em que conflitos são resolvidos por meio do debate, do diálogo e da negociação. Em suma, por meio da palavra e do voto, de acordo com regras claras, aceitas e respeitadas por todos – jamais à bala. A principal dessas regras diz respeito às eleições. Um atentado contra qualquer candidato representa um ataque à democracia.

Não há dúvida de que o próprio Trump representa riscos para o regime democrático. Ao contestar os resultados legítimos da eleição que pôs Biden no poder, ao disseminar mentiras repulsivas sobre o sistema eleitoral e todo tipo de teoria conspiratória, ele alimenta a espiral de ódio que divide o país ao meio. Que ele próprio tenha se tornado uma vítima involuntária dessa espiral serve de alerta sobre a necessidade de moderação no discurso político. Adversários numa eleição não são inimigos a abater numa guerra. É um recado que vale não apenas para os americanos, mas para o mundo todo.

Previdência de militares é propícia a mudanças na próxima reforma

O Globo

Maior aumento de despesas e maior contribuição proporcional para o déficit no setor público são da caserna

Sistemas previdenciários são reféns da demografia. O envelhecimento da população, conjugado à propensão das famílias a ter menos filhos, torna inevitáveis medidas impopulares, mas necessárias, como aumento de tempo e alíquotas de contribuição. Na última reforma da Previdência, em 2019, os militares obtiveram uma situação privilegiada em comparação aos demais assalariados, mesmo aos demais funcionários públicos. Isso faz do sistema previdenciário destinado à caserna um campo natural de estudo para a próxima e inevitável reforma.

As despesas com o Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas chegaram a R$ 58,8 bilhões no ano passado, crescimento de 85% em dez anos — taxa elevada, mesmo considerando o efeito da inflação. Os servidores públicos civis receberam R$ 94 bilhões, com aumento de 46% no mesmo período. O déficit da Previdência militar, considerando as pensões, foi no ano passado de R$ 49,7 bilhões, aumento de 67,8% em dez anos. O dos servidores civis chegou a R$ 54,8 bilhões, crescimento de 47% na mesma década.

Na Previdência do setor público como um todo, a maior contribuição proporcional para o déficit é dada pelo sistema da caserna. Embora o número de aposentados e pensionistas civis beneficiários (707.902) ultrapasse em 73% o de militares (407.386), o déficit previdenciário do funcionalismo civil é apenas 10% superior ao do militar.

Pela projeção dos técnicos do governo, a Previdência dos militares já tem um gasto contratado para as próximas décadas de R$ 856 bilhões, ante R$ 1,4 trilhão para os civis. Embora essa despesa contratada com militares corresponda a 60% da prevista para civis, o total de contribuintes militares (769.974) — ativos e inativos — é apenas pouco mais da metade dos civis (1.465.861).

Os militares foram especialmente beneficiados no governo passado. Os R$ 150 mil que generais recebiam ao passar para a reserva, sob o argumento de não ter Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) como os funcionários de empresas privadas, dobraram para R$ 300 mil. Esse gasto precisa ser bancado pelo Tesouro Nacional, pois não é coberto pelo recolhimento dos militares para financiar seus pensionistas. Com base no entendimento de que os militares na reserva podem ser convocados em caso de guerra, o benefício nem é considerado previdenciário. Mera questão de nomenclatura, pois quem paga tudo é o Tesouro. Não vai demorar para o país precisar fazer nova reforma na Previdência. Equilibrar as regras de aposentadoria entre militares e servidores civis estará na agenda.

Para FMI, país já cresce mais, mas fiscal é ponto negativo

Valor Econômico

Se o presidente Lula apoiar um jogo mais sério na questão fiscal e impulsionar as reformas o país poderá deixar para trás seus números indigentes de crescimento e dispensar as muletas fiscais que os propiciaram

O relatório sobre a situação da economia brasileira feita pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), uma rotina anual, é um tom mais otimista do que os economistas domésticos nas questões do crescimento e um tom menos pessimista que as previsões sobre o quadro fiscal. O staff do Fundo elevou o crescimento potencial da economia a 2,5% e para ele não há dúvida que o hiato do produto hoje seja positivo - as atividades estão se expandindo a um ritmo acima da capacidade, embora isto não tenha impedido a inflação de cair. Este avanço de curto prazo se deve a generosos impulsos fiscais. Quanto ao déficit, o relatório aponta que o governo precisa fazer um esforço maior para melhorar sua trajetória.

Entre os fatores de risco negativos para a economia brasileira, o único ao qual é atribuído alta chance diz respeito ao cenário fiscal. Pelas estimativas, para atingir a meta de déficit zero em 2025 serão necessárias medidas adicionais para obter 0,7% do PIB. Pelos cálculos do Fundo, o déficit primário em 2024 chegará a 0,6% do PIB - uma redução de 0,7 ponto percentual no balanço primário estrutural, se considerado o resultado negativo de 2023, de -2,4% PIB. Obter mais receitas será desafiador, de acordo com o FMI, porque as já aprovadas somaram 1,1% do PIB e a contribuição esperada das transações tributárias e outras estão abaixo das expectativas, enquanto que os gastos estão subindo.

O relatório recomenda um esforço fiscal mais ambicioso, porque embora o risco para a sustentabilidade da dívida seja visto como moderado, sua trajetória “permanece altamente sensível a choques no custo do dinheiro e do crescimento real do PIB”. Ainda assim, o Brasil tem “algum espaço fiscal para responder a choques temporários” e pode fazer a consolidação de seu endividamento gradualmente no médio prazo, graças ao fato de que a dívida é quase que toda doméstica, a dívida externa é baixa e há um enorme colchão de proteção feito pelo Tesouro.

Uma âncora fiscal boa exigiria que a meta de déficit zero fosse cumprida em 2025 e fosse seguida por avanços de 0,5 ponto percentual do PIB nos exercícios seguintes, para que se atinja um superávit de 2,5% do PIB em 2030. Para atingir isso, o staff do FMI recomenda várias receitas que não são do agrado do Planalto: desindexar do salário mínimo alguns itens de gastos e mudar os pisos para educação e saúde que estão hoje vinculados a receitas. Seguem-se outras recomendações clássicas da instituição, como reforma da administração pública, para reduzir a alta diferença entre os salários públicos e os privados e revisão das carreiras, uma reforma da previdência que alinhe os regimes especiais com o regime geral e a busca de maior eficiência nos programas sociais.

O Fundo elogia o trabalho do Banco Central na condução da política monetária e avaliza a interrupção do ciclo de queda dos juros, indicando que a desancoragem das expectativas “possivelmente reflita incertezas sobre a trajetória da consolidação fiscal assim como a da composição da diretoria do BC após a troca de três de seus membros cujos mandatos se encerram em dezembro”.

Se acredita que o balanço de riscos para o Brasil ainda pende para o lado negativo, o staff do FMI acredita que a economia brasileira aumentou sua capacidade de crescer desde 2017, impulsionada “pelo aumento da produtividade total dos fatores”, com contribuições de reformas feitas, em especial a trabalhista - uma premissa que vários economistas brasileiros reputam de prematura ou não existente. Pelos cálculos do Fundo, apenas a redução muito significativa dos litígios na Justiça nas firmas intensivas em mão de obra teria propiciado desde 2017 um aumento de produtividade de 17%. No todo, a reforma trabalhista teria acrescido entre 0,3 a 0,5 ponto percentual ao crescimento potencial. Isso será pouco ainda se consideradas as simulações feitas pelos técnicos para os efeitos futuros da reforma tributária a caminho. Elas oscilam entre uma elevação de 6% a 11% do PIB durante o período de transição, principalmente pelo fim da cumulatividade de impostos nas cadeias de produção - a variação dos resultados decorre da magnitude que se atribua à informalidade, que reduz o efeito.

Há grande contribuição da produção de petróleo para a capacidade de crescimento. Ela deverá aumentar 56% entre 2023 e 2031, elevando o PIB em 0,2 ponto percentual anuais até lá. Outro fator promissor apontado é a transição para uma economia descarbonizada, que tem grande potencial para ampliar a capacidade produtiva. O FMI cita estimativas que mostram que o mercado de créditos de carbono proposto, que levará cinco anos até entrar em operação, poderia atingir R$ 100 bilhões até 2030 (perto de 1% do PIB), gerando 0,3% do PIB de receitas fiscais adicionais anualmente.

Há um bom cenário para a economia pela frente, com nuvens cinzas se concentrando na questão fiscal e na pilha de gastos tributários de 4,3% do PIB que precisaria ser desbastada. Se o presidente Lula apoiar um jogo mais sério na questão fiscal e impulsionar as reformas o país poderá deixar para trás seus números indigentes de crescimento e dispensar as muletas fiscais que os propiciaram.

Governo Lula avança no assédio à Petrobras

Folha de S. Paulo

Reajuste de preços mostra os limites do populismo, mas há riscos no uso da empresa para estimular a indústria naval

O reajuste de preços da gasolina e do gás de cozinha, promovido pela Petrobras na semana que passou, é um sinal importante de que o governo petista e a nova direção da companhia reconhecem ser limitado o espaço para desvios em relação às cotações internacionais. Há limites, por o que se vê, ao intervencionismo populista.

Os aumentos de 7,1% e 9,8% para os dois produtos, respectivamente, favorecem a rentabilidade e a boa gestão operacional da estatal.

A correção ainda não elimina a defasagem ante os preços externos, que permanece em torno de 10% no caso da gasolina e de 8% no diesel. Ainda assim, não se chega a repetir o controle artificial imposto em governos passados, sobretudo sob Dilma Rousseff (PT).

Naquela ocasião, a empresa foi forçada a vender combustíveis abaixo do custo, com enormes prejuízos, um dos motivos para a disparada de seu endividamento. Desde então houve sensíveis melhorias na governança, e hoje o estatuto da Petrobras proíbe subsídios sem que haja aprovação em lei e compensação por meio de recursos do Orçamento federal.

O tema, contudo, é apenas uma das preocupações envolvendo a companhia. Ainda está em aberto a volta de aventuras perdulárias do passado, casos de refinarias inacabadas e de investimentos em tecnologias arriscadas, como a geração eólica em alto mar.

Um sinal disso é a retomada da aquisição de embarcações para transportes de combustíveis, em vez de afretá-las de terceiros. A construção de navios-sonda foi objeto de escândalos e prejuízos, como na Sete Brasil.

A Petrobras lançou edital para a contratação de quatro deles por meio de sua subsidiaria Transpetro, notória por casos passados de corrupção. Até aqui, ao menos, não há a exigência de conteúdo local, o que ocasionaria custos maiores.

As contratações fazem parte de um programa para adquirir 25 embarcações com custo de até US$ 2,5 bilhões. Ainda há grande pressão para que sejam resgatadas as preferências locais, uma repetição das muitas tentativas frustradas de viabilizar estaleiros nacionais.

Outro risco é a abertura da atual gestão a indicações políticas e sindicais, que vão sendo colocadas em cargos importantes, como a gerência de campos de exploração.

É típico de processos desse tipo que leve algum tempo até que as novas influências consigam suplantar as regras de governança, mas o passado petista não autoriza otimismo a esse respeito.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) persiste no objetivo de fazer novamente da Petrobras o principal veículo de investimentos politicamente dirigidos. Em que pesem a evolução das normas internas e a atenção maior dos órgãos de controle, todo cuidado é pouco.

Benesses sem fim

Folha de S. Paulo

Adicional retroativo a juízes é mais um gasto obsceno com elite do funcionalismo

Reportagem desta Folha revelou que, desde 2020, os magistrados federais brasileiros receberam em média R$ 145 mil na forma de remunerações retroativas. Nos últimos quatro anos, as benesses chegaram a exorbitantes R$ 332 milhões.

Tal farra de penduricalhos tem origem numa decisão de 2022 do Conselho da Justiça Federal (CJF), que repôs à categoria o adicional por tempo de serviço relativo ao período de 2006 a 2022.

Os dados são públicos, mas as razões para cada pagamento não são informadas pelos tribunais. Tal opacidade contrasta com a missão da instituição de cumprir a lei de forma imparcial e justificada. Espanta, ainda, que as prebendas decorram no geral de ações de órgãos do próprio Judiciário.

O CJF alegou que seria necessário estender aos juízes federais benefícios pagos a outras categorias, argumento que estimula o uso desmedido de recursos públicos.

O valor obsceno das benesses evidencia a captura do Estado pela cúpula do funcionalismo togado. De acordo com levantamento de dados do IBGE feito pelo economista Bruno Imaizumi, juízes lideram uma lista de 427 ocupações mais bem pagas do país.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça, o gasto do Judiciário em 2023 foi de R$ 132,8 bilhões, maior valor desde 2009, início da série histórica. Desse total, 90% corresponde a despesa com pessoal.

O custo mensal médio por magistrado no ano passado foi de R$ 68,1 mil —muito acima do teto constitucional do funcionalismo (R$ 44.008,52 mensais) por incluir penduricalhos, que estão fora do teto. Já o dos demais funcionários do setor foi de R$ 20,1 mil.

Em que pese a importância do Judiciário, nada justifica o descompasso com os salários da maioria dos trabalhadores brasileiros.

Cabe ao Congresso evitar a constitucionalização de penduricalhos, rejeitando a PEC do Quinquênio. O teto do funcionalismo precisa ser regulamentado de modo a conter a proliferação dos penduricalhos, que favorecem sobretudo uma categoria que já é de elite num Estado altamente deficitário.

Entropia americana

O Estado de S. Paulo

Atentado contra Trump representa uma dramática escalada da violência política que tem marcado os EUA desde que o ex-presidente incitou a invasão do Capitólio no 6 de Janeiro

O terrível atentado contra a vida de Donald Trump, ocorrido no sábado passado durante um comício do republicano na cidade de Butler, na Pensilvânia, representa uma dramática escalada da violência política que tem marcado os EUA nos últimos anos. Nesse sentido, o crime de que Trump foi vítima há de ser vigorosamente condenado. Contudo, não se pode dizer que era imprevisível em um contexto no qual o recurso à força das armas tem sido estimulado pelo próprio ex-presidente como meio de afirmação política desde o fatídico dia 6 de janeiro de 2021.

Sim, Trump sofreu uma tentativa de homicídio. Por milagre não morreu, como atestaram as imagens que correram o mundo. Porém, não se pode perder de vista, sob o risco de faltar com a verdade histórica, que o ex-presidente é o grande responsável por essa radicalização da política americana desde que chegou à Casa Branca, em 2017. Depois de ter sido derrotado em sua tentativa de reeleição, Trump incitou a invasão do Capitólio por uma horda de apoiadores radicais que, fortemente armados e em seu nome, tentaram subverter o legítimo resultado das urnas em 2020.

Aqueles liberticidas que tomaram de assalto o prédio símbolo da democracia nos EUA sempre foram tratados por Trump como “patriotas”, não como os criminosos que são. E foi a eles que Trump se dirigiu logo após ser atingido, ainda no palanque. “Lutem! Lutem!”, bradou o ex-presidente, de punho cerrado e com sangue correndo pelo rosto. O cálculo político estava feito. A imagem que decerto marcará sua campanha eleitoral daqui para a frente estava registrada – uma declaração de guerra a uma parte do povo americano. E justo no momento em que os EUA clamam por gestos de pacificação de seus líderes.

O impacto dessa primeira reação de Trump não pode ser subestimado, não só nos rumos da campanha eleitoral, ainda desconhecidos, mas sobretudo no convívio social. Quando um líder político popular como ele toma uma violência sofrida como meio para galvanizar e radicalizar sua base, o resultado não há de ser outro senão a erosão da confiança dos cidadãos entre si e destes nas instituições democráticas.

Esse roteiro foi traçado por Trump logo após o tiro que o atingiu de raspão. A utilização daquela violência como sua principal bandeira de campanha a partir de agora – substrato para toda sorte de teorias da conspiração – reflete a disposição do candidato republicano de manipular as emoções do eleitorado para fins políticos. A ela se somarão as reiteradas mentiras que Trump dissemina sobre o processo eleitoral e a imparcialidade do sistema de Justiça dos EUA, um discurso que tem levado muitos americanos a empunhar armas para se contrapor a instituições que acreditam estar corrompidas.

A resposta de Trump ao ataque que ele sofreu não deveria ser a escalada de sua retórica inflamável e divisiva, mas um apelo ao diálogo como forma de resgate da tradição política da maior democracia das Américas. A despeito da violência praticada contra presidentes e candidatos à presidência que, lamentavelmente, marcaram o passado dos EUA, o país só se tornou a potência que é porque, ao longo de quase dois séculos e meio de história, a união dos americanos em torno de objetivos comuns foi muito mais marcante do que suas eventuais divergências.

Ao invés de capitalizar politicamente o atentado, como fez, Trump deveria fazer de seu renascimento uma oportunidade para refletir sobre o impacto de suas ações e palavras sobre o comportamento dos cidadãos que ele pretende liderar mais uma vez. Afinal, um líder genuíno busca a união, não a discórdia. Ademais, a democracia americana, farol para o chamado mundo livre, não guarda espaço para que a violência se torne um método aceitável de participação no processo político.

Mas é ocioso esperar que Trump reavalie um comportamento nefasto que, em última análise, foi exatamente o que lhe garantiu o maior triunfo de sua vida. Resta aos eleitores americanos refletir e evitar que prevaleça a sede de vingança e o atentado se torne o prenúncio de uma tragédia ainda maior.

Bolsonaro e a política como pirraça

O Estado de S. Paulo

O ex-presidente lidera o maior partido do País e, nessa condição, poderia orientá-lo para aprovar uma reforma tributária melhor, mas seu único interesse era prejudicar os ‘amigos de Lula’

O Partido Liberal (PL) é de longe o maior partido do Brasil. Tem 93 deputados na Câmara, bancada que supera com folga, por exemplo, os 80 da federação liderada pelo PT, partido do presidente Lula da Silva. É, portanto, um partido com força suficiente para, se quisesse, influenciar decisivamente os rumos do País. O problema é que o PL está entregue aos desígnios do ex-presidente Jair Bolsonaro, o que já foi afirmado com todas as letras pelo dono da agremiação, Valdemar Costa Neto. Como Jair Bolsonaro não tem nem nunca teve o menor interesse pelo destino do Brasil, e sim apenas por suas pendengas pessoais, o PL se tornou uma espécie de vanguarda da irresponsabilidade bolsonarista, como ficou mais uma vez provado durante a recente votação da regulamentação da reforma tributária.

Consta que Bolsonaro havia orientado a bancada de seu partido, o PL, a votar contra a proposta de incluir proteína animal na cesta básica para isentá-la de imposto. A lógica, segundo soube, é que a inclusão beneficiaria a JBS, empresa dos irmãos Joesley e Wesley Batista, o que seria considerado inaceitável por Bolsonaro, já que os irmãos são “amigos de Lula”.

Ou seja, em nenhum momento o grande líder do maior partido do Brasil levou em consideração as eventuais consequências, para o País, da isenção de impostos sobre a proteína animal. Sua única preocupação era impedir que a reforma beneficiasse os “amigos de Lula”.

Nenhuma surpresa, pois já se sabe há décadas que Bolsonaro nada entende de política, mas é especialista em pirraça, sobretudo em relação ao PT e a Lula. Em julho do ano passado, quando o PL discutia como se posicionar sobre a reforma tributária, Bolsonaro pressionou a bancada a votar contra, e ficou furioso quando o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, argumentou, corretamente, que a reforma tributária é uma pauta naturalmente defendida pela direita. Bolsonaro o atalhou e ditou: “Pessoal, se o PL estiver unido, não aprova nada”.

Para Bolsonaro, a coisa toda é muito simples: nada do que venha do PT ou de Lula, seja o que for, deve ter apoio do PL. Não se discutem os méritos das propostas. A rejeição é liminar. Em outubro do ano passado, o ex-presidente reafirmou sua oposição ao projeto de reforma tributária porque, segundo ele, “tudo o que vem do PT você tem que desconfiar”, porque “só tem incompetente e bandido” no partido de Lula. “Pode esperar o que dessa turma? Se não conseguiu entender: é do PT, vote ‘não’; PT encaminha ‘não’, vote ‘sim’. A chance de você errar é zero.”

Nesse caso, pouco importa que o projeto da reforma tributária não “veio do PT” (recorde-se: a Proposta de Emenda Constitucional foi apresentada em 2019 pelo deputado Baleia Rossi, do MDB, e foi relatada pelo deputado Aguinaldo Ribeiro, do PP, e pelo senador Eduardo Braga, do MDB). O que interessa, no discurso bolsonarista, é que a proposta teve apoio do governo e isso, por si só, bastaria para desmoralizá-la. Obviamente, nada disso tem a ver com política.

A reconstituição do episódio envolvendo Bolsonaro na quarta-feira passada é didática a esse respeito. O PL avaliava apresentar destaque para isentar de impostos a proteína animal, conforme demanda da bancada ruralista. O presidente da Câmara, Arthur Lira, que era contrário à inclusão da isenção, foi ao encontro de Bolsonaro para pedir que trabalhasse contra o destaque. O ex-presidente concordou em fazê-lo, porque a desoneração ajudaria a empresa dos “amigos do Lula”. Mas então um grupo de deputados do PL foi a Bolsonaro para lhe dizer que, se o objetivo era atrapalhar os “amigos do Lula”, então o certo seria apoiar a desoneração, porque o imposto sobre as carnes prejudicaria muito mais os concorrentes menores da JBS. Bolsonaro então se convenceu a apoiar a desoneração e o destaque foi apresentado pelo PL no início da noite.

Em nenhum momento das conversas, portanto, Bolsonaro se preocupou com os efeitos abrangentes e de longo prazo da desoneração da proteína animal. E esses efeitos serão duros: a manobra fará com que o novo IVA seja um dos mais altos do mundo. Essa estripulia recairá sobre todos os brasileiros, principalmente os mais pobres, enquanto os irmãos Batista, com a inimizade de Bolsonaro ou a amizade de Lula, seguirão fazendo bons negócios.

Inconcebível meta naval da Petrobras

O Estado de S. Paulo

Programa para construção de 25 navios reativa modelo com final previsível: o fracasso

A licitação anunciada de 4 navios, de um total de 25 que a subsidiária de transporte e logística da Petrobras pretende mandar construir, dá início a uma nova e inconcebível empreitada do governo federal de incentivo à indústria naval. Com ligeiras modificações, a Transpetro segue um esquema já bastante conhecido de subsídio aos estaleiros nacionais, com taxas decrescentes à medida que aumenta o conteúdo local dos equipamentos. As mais atrativas exigem índice de nacionalização de 65%.

Desde o desastroso projeto de fabricar no Brasil 28 navios-sondas para o pré-sal – que teve apenas 4 deles entregues –, a indústria naval não recebe encomendas de grande porte, como navios e plataformas. Num emaranhado que somou corrupção a um cenário de deficiências tecnológicas, baixa produtividade e qualificação insuficiente de mão de obra, a promessa das primeiras gestões petistas de transformar o País num polo naval global foi um fiasco.

Mapeamento feito pelo Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP) mostra que seis estaleiros foram desativados e outros dez estão sem nenhuma demanda, como o Atlântico Sul, uma das grandes apostas da gestão petista, que está em recuperação judicial. Os dados reunidos pelo IBP indicam 43 estaleiros ainda em atividade (14 grandes e 29 de pequeno porte), o que inclui os que estão sem encomendas, os dedicados apenas a reparos e 3 em recuperação judicial.

Os presidentes da Transpetro, Sérgio Bacci, e da Petrobras, Magda Chambriard, afinaram discursos, alegando que a aquisição de petroleiros vai reduzir custos de frete. Mas, por óbvio, a opção de construir os navios passou longe de uma estratégia comercial da empresa. Até os guindastes de estaleiros desativados sabem que essa é uma decisão política, praticamente uma obsessão do presidente Lula da Silva, em busca dos dividendos eleitorais que os prometidos milhares de empregos da indústria naval podem lhe conferir, ainda que por pouco tempo.

Magda, levada à presidência da Petrobras com essa missão, acelerou o processo em curso desde o início do terceiro governo petista. Entre os rumores que acompanharam a queda de Jean Paul Prates, seu antecessor, estava a demora nas encomendas aos estaleiros. Prates chegou a apontar a grande discrepância de competitividade da indústria nacional para justificar a dificuldade. Bacci, da Transpetro, veio do Sinaval, o sindicato que reúne os estaleiros, e defende entusiasticamente a política de conteúdo local, como não poderia deixar de ser.

É um projeto cercado de desconfiança, por tudo o que ocorreu na fracassada política petista: da dependência exclusiva da Petrobras à ausência de qualificação profissional prévia. Os empregos desaparecem com a mesma facilidade com que foram criados.

Não se trata de coincidência que o lançamento do primeiro dos quatro navios licitados esteja previsto para junho de 2026, dois meses antes do início oficial da campanha presidencial. O navio estará ainda inacabado, com apenas o casco pronto, que será entregue com toda a pompa.

A importância da formação dos professores

Correio Braziliense

A observação da prática pedagógica — e não só do conteúdo teórico de cada área – pode representar avanços importantes

Melhorar a educação é uma meta a ser perseguida no Brasil. Nesse sentido, medidas que possibilitem conquistas, em diversos âmbitos, são fundamentais. No intenso e rápido movimento do mundo atual, o ensino precisa se reinventar para acompanhar as demandas pessoais e sociais. Atitudes que contribuam para a qualidade do estudo devem ser prioridade. O Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes das Licenciaturas (Enade das Licenciaturas) é um exemplo de iniciativa positiva.

Instituído pelo Ministério da Educação (MEC), o teste é voltado especificamente aos cursos que formam professores para atuar no ensino básico. Os novos moldes já valem para a edição deste ano, segundo divulgou o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A partir de agora, o foco será maior na análise das competências dos docentes do que nos conteúdos disciplinares. A periodicidade da avaliação também mudou: será anual, em vez de a cada três anos.

A observação da prática pedagógica — e não só do conteúdo teórico de cada área — pode representar avanços importantes. Identificar possíveis problemas e defasagens na formação dos futuros professores significa solucionar questões que refletem na vida escolar dos estudantes dos anos iniciais.

Mas também é necessário levar em consideração que o Enade não acarreta efeito direto aos formandos, o que, de certa forma, desestimula desempenhos melhores nas provas. O que não se pode ignorar é a importância da procura por caminhos que levem ao aprimoramento profissional de quem ensina.

Uma formação de professores adequada serve como alicerce na construção de escolas, cidadãos e profissionais mais competentes e éticos. As instituições de ensino são ambientes para o desenvolvimento do senso crítico individual e, por consequência, da sociedade. Além disso, são o espaço de conhecimento e de aprimoramento de técnicas específicas de cada matéria. Nesse contexto, os educadores que vão orientar crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos dentro da sala de aula têm valor inestimável.

Daí, a relevância de se analisar os programas dos cursos de forma a garantir que os professores estejam sempre bem preparados e atualizados, pensando numa capacitação de qualidade e que não se restrinja a aspectos tecnológicos ou formais. Esse é um dos passos primordiais para que o Brasil atinja o nível de excelência em carreiras. É claro que outros aspectos precisam ser levados em consideração com igual peso para avaliar o preparo dos docentes. Porém, um Enade bem aplicado pode possibilitar conclusões expressivas e gerar ações que acompanhem as mudanças na sociedade e no mercado de trabalho.

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