terça-feira, 30 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais/Opiniões

Brasil precisa denunciar farsa eleitoral de Maduro

O Globo

Em nenhum momento o processo na Venezuela inspirou confiança. As irregularidades foram constantes

O Brasil e as demais democracias latino-americanas não podem ser coniventes com a farsa montada por Nicolás Maduro para permanecer no poder na Venezuela, usando eleições nada transparentes, cujos resultados são contestados pela oposição. Na madrugada desta segunda-feira, quando 80% dos votos tinham sido contados, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão controlado por Maduro, anunciou que o atual presidente foi o vencedor do pleito realizado no domingo, com 51,2% dos votos, contra 44,2% obtidos pelo candidato da oposição, o ex-embaixador Edmundo González Urrutia. Os Estados Unidos e a União Europeia mostraram preocupação com as suspeitas de irregularidades. Em pronunciamento, o presidente chileno, Gabriel Boric, expressou a opinião da comunidade internacional ao declarar que os resultados oficiais “são difíceis de acreditar”.

Durante a votação, zonas eleitorais em redutos da oposição não abriram no horário previsto. Para o regime, as filas longas no calor serviriam como desestímulo ao voto. Após o encerramento do pleito, os oposicionistas não tiveram acesso às atas das seções eleitorais em vários locais. Sem elas, não há como saber o que foi transmitido ao centro de contagem. A medida é empregada para dificultar ou impossibilitar a checagem da tabulação oficial. Seguindo um modus operandi conhecido, o Ministério Público acusou a oposição de um ataque hacker que teria tentado atrapalhar a transmissão de votos.

Em nota, o governo brasileiro não reconheceu o resultado e disse aguardar a publicação dos dados desagregados por mesa de votação. De Caracas, o assessor internacional da Presidência, Celso Amorim, criticou a divulgação do vencedor, “sem ter a transparência, a disponibilidade das atas”. Diplomatas de sete países latino-americanos que questionaram o resultado foram expulsos da Venezuela por ordem expressa de Maduro.

A missão brasileira a Caracas afirma confiar no trabalho do Centro Carter, instituição fundada pelo ex-presidente americano Jimmy Carter e convidada pelo CNE para acompanhar o pleito. Porém isso deve ser feito com cuidado. Como declarou o centro antes da eleição, “dado o tamanho e o alcance limitado, a missão não realizará uma avaliação integral dos processos de votação, contagem e tabulação”. Maduro tomou todas as medidas para evitar uma análise independente. Observadores da União Europeia (UE) cancelaram viagem depois de seu convite de acompanhamento ser revogado. Tentar culpar a UE pela falta de acordo, como sugeriu Amorim, é ecoar o chavismo.

Como em eleições passadas, as irregularidades ocorreram antes, durante e depois do pleito. A principal candidata da oposição, a ex-deputada María Corina Machado, foi inabilitada para exercer cargos públicos por 15 anos pela Justiça. A única alternativa passou a ser confiar numa estratégia de transferência de votos. Apesar de obstáculos em série, a oposição se articulou em torno de González. Mesmo desprovido de qualquer carisma e sendo um desconhecido, ele despontou em pesquisas de opinião independentes.

A comunidade internacional está certa ao pedir a transparência dos números da votação. Será um dado numa longa lista. Independentemente da avaliação, não mudará o quadro geral. Levando em conta todo o processo eleitoral, não há como reconhecer a declaração de vitória de Maduro.

Crise fiscal exigirá ações mais duras para país fechar 2024 com déficit zero

O Globo

Rombo nas contas públicas no primeiro semestre foi de R$ 68,6 bilhões, o terceiro pior desde 1997

O tamanho da dívida brasileira é elevado, cresce a cada ano e exige mudança na gestão das contas públicas. Enquanto o governo gastar mais do que arrecada, o problema não desaparecerá. Sem uma solução, a economia seguirá a tendência de baixo crescimento, com a inflação pressionada para cima. Mesmo com um aumento das receitas da ordem de 9%, o primeiro semestre fechou com um rombo de R$ 68,6 bilhões, devido ao aumento em ritmo maior dos gastos. Foi o terceiro pior resultado da série histórica iniciada em 1997. Para cumprir as promessas de ajuste, o governo precisará se dedicar mais à tarefa de cortar despesas.

Está claro que o congelamento de R$ 15 bilhões determinado no Orçamento deste ano não será suficiente para fechar 2024 com déficit zero. Com apenas essa medida, o governo acabaria 2024 com um rombo de R$ 28,8 bilhões. O montante está na margem de tolerância da regra fiscal, que permite uma variação de 0,25% do PIB para mais ou para menos. Mas mirar esse objetivo confirmaria a impressão de que o governo está mais preocupado em gastar do que em estancar o crescimento da dívida pública. Pela credibilidade do novo arcabouço fiscal, é preciso que busque o centro da meta. Se falhar já no primeiro ano, será muito mais árduo conquistar a confiança em 2025 e 2026.

Em pronunciamento em cadeia de rádio e TV, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a afirmar que não abrirá mão da responsabilidade fiscal. Embora positiva, a declaração teve pouco efeito. De agora ao final de dezembro, a atenção estará em anúncios concretos de cortes. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem sido o fiador de políticas destinadas a equilibrar as contas. Depois de participar no Rio de encontro do G20, Haddad disse que a decisão sobre novos contingenciamentos será divulgada a cada avaliação bimestral das contas públicas.

Alguns planos foram anunciados para atacar problemas específicos, como é o caso do Benefício de Prestação Continuada (BPC), um salário mínimo mensal para a população de baixa renda com idade igual ou superior a 65 anos ou para quem tem alguma deficiência. Como no primeiro semestre o BPC distribuiu um valor muito superior ao do mesmo período de 2023, o governo decidiu recadastrar os beneficiários. Precisa fazer o mesmo com outros programas, mas é improvável que tais revisões sejam suficientes para tapar o buraco.

A situação exige decisões mais corajosas. É urgente mudar a regra que vincula o aumento das despesas em saúde e educação ao crescimento das receitas. Outra medida é desvincular os benefícios previdenciários do salário mínimo, agora com reajustes acima da inflação. Há fatores demográficos em ação. Com o envelhecimento da população, crescem o número de aposentados e as despesas do INSS. Uma resposta mais duradoura deve incluir uma nova reforma previdenciária.

Venezuela, depois de eleição denunciada, ficará mais isolada

Valor Econômico

Sem provas de transparência eleitoral, o Brasil, para ser coerente com a posição pública do Itamaraty, não poderá considerar legítima a reeleição de Nicolás Maduro

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, chancelado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), no qual o governo tem maioria, ganhou mais um mandato de 6 anos em uma eleição em que a oposição afirma que ocorreram fraudes em massa. Maduro, que, como seu antecessor Hugo Chávez, não gosta de alternância no poder, havia ameaçado com um “banho de sangue” caso perdesse o pleito. O CNE disse que o resultado final apontou Maduro em primeiro lugar, com 5,1 milhões de votos (51,2%), à frente de seu opositor, Edmundo González Urrutia, com 4,445 milhões de votos (44,2%), e os demais 8 candidatos à Presidência com 462.704 votos. O comparecimento teria atingido 59%.

Os truques bolivarianos de outras eleições compareceram novamente no ano eleitoral. A divulgação parcial dos resultados atrasou por um alegado ataque hacker ao CNE, e a primeira parcial, com 80% das urnas, foi divulgada com uma burlesca “irreversível” vitória de Maduro quando faltavam mais de 2 milhões de votos a serem contados. A diferença final a favor do chavista, sempre de acordo com o CNE, foi de 704.124 votos, ou 7% dos votos.

O aparato de Estado e a máquina de intimidação chavista foram usados amplamente. O pleito foi marcado para o dia de aniversário de Hugo Chávez, morto em 2013, e na cédula eleitoral a foto de Maduro aparece 13 vezes, uma no lugar de cada partido de sua coalizão Grande Polo Democrático. Bom número de colégios eleitorais no interior foi situado em locais onde a população recebe recursos dos programas sociais do governo. Ao lado dos pequenos golpes, outros mais graves vieram.

Após o Acordo de Barbados, no qual os EUA levantaram a maior parte das sanções em troca de eleições livres e transparentes, o governo manobrou para desrespeitá-lo logo nos dias seguintes. Maduro escolheu com quem queria competir. Os mais populares líderes adversários, como Henrique Capriles, Leopoldo López e Maria Corina Machado, já tinham sido punidos e foram considerados inelegíveis. Corina foi escolhida por unanimidade para disputar a eleição, em convenção da Plataforma Democrática, e esperava concorrer, com o novo momento propiciado pelo compromisso de Maduro em Barbados. Mas sua escolha foi invalidada. A oposição indicou então Corina Yoris, que não conseguiu se registrar a tempo por “problemas” no sistema oficial. O escolhido acabou sendo o obscuro diplomata González. Ao longo da campanha, foram presos vários assessores da oposição.

O maior entrave foram as exigências absurdas que impediram que pudessem votar 4,5 milhões dos 7,7 milhões de venezuelanos que deixaram o país para fugir de uma pavorosa e longa crise econômica - só 70 mil foram autorizados a fazê-lo. Em sua grande maioria, esses votos iriam para a oposição.

Não houve incidentes graves no domingo e formalmente a eleição ocorreu em paz. Após o CNE anunciar o trunfo de Maduro, boa parte dos países latino-americanos, os Estados Unidos, a União Europeia e o Carter Center pediram que as atas de votação por urna fossem divulgadas para comprovar a vitória governista. A eles se juntou o Brasil, cujo governo tem simpatia pelo chavismo - Lula chegou a apontar “excesso de democracia” no país vizinho, e seu assessor especial, Celso Amorim, que nele a “democracia estava consolidada”. Em nota nesta segunda-feira, o Itamaraty solicitou corretamente a divulgação de “dados desagregados por mesa de votação (...) passo indispensável para a transparência, credibilidade e legitimidade do resultado do pleito”. É fundamental que o Brasil não legitime uma eleição cercada de polêmicas.

É muito provável que os pedidos ao governo venezuelano não sejam atendidos. Ontem, em discurso no CNE, Maduro disse que a oposição preparava um golpe de Estado, e o procurador geral da República, Tarek Saab, acusou Maria Corina, Leopoldo López e Lester Toledo, oposicionistas, de envolvimento no alegado ataque hacker que teria atrasado a divulgação dos resultados. Os papéis então se inverteram: a oposição, que via chances reais de sucesso, estaria interessada em fraudar o resultado. A manobra judicial é peça para incriminar a oposição e dizer que ela, sim, não queria de fato eleições limpas, que teriam sido garantidas pelo governo.

O desfecho do episódio eleitoral não está concluído. Sem mostrar atas e provar que venceu, a Venezuela ficará ainda mais isolada que antes. Algumas sanções dos EUA foram restabelecidas. Uruguai, Paraguai e Argentina, parceiros do Mercosul, não permitirão o retorno do país ao bloco. Sem provas de transparência eleitoral, o Brasil, para ser coerente com a posição pública do Itamaraty, não poderá considerar legítima a reeleição de Nicolás Maduro, que desdenhou das preocupações do presidente Lula sobre suas ameaças de “banho de sangue”.

Os presidentes petistas se empenharam em fazer vistas grossas à destruição progressiva da democracia venezuelana, para, em tese, manter seu poder de influência e impedir desvarios chavistas. O que se conseguiu nesse sentido até hoje não é digno de nota. A Venezuela se tornou uma ditadura, com um governo incapaz de impedir a gigantesca derrocada econômica do país com a maior reserva de petróleo do mundo - desde que Maduro assumiu o poder, há dez anos, o PIB encolheu 69%.

Fraude eleitoral de Maduro não pode ficar impune

Folha de S. Paulo

Há indícios de manipulação do pleito; simpático ao ditador, governo Lula precisa insistir na cobrança por transparência

Após meses de mau comportamento, o ditador Nicolás Maduro cumpriu a profecia autorrealizável da eleição presidencial venezuelana no domingo (28), declarando-se vencedor com 51,2% dos votos, ante 44% de Edmundo González.

Abundam evidências de fraude. Seções eleitorais em redutos de oposição ficaram abertas por pouco tempo, enquanto áreas chavistas tiveram votação estendida. Houve um blecaute informativo por mais de seis horas entre o fechamento das urnas e a unção de Maduro, que desencadeou protestos nas ruas e panelaços.

A opacidade em torno da apuração, atribuída ao ataque hacker de um país inimigo, tornou-se o centro da contestação ao pleito.

A oposição, que escolheu o diplomata González como candidato após a impugnação de duas concorrentes pela manipulada Comissão Nacional Eleitoral, disse que venceu por 70% a 30%, como indicavam pesquisas independentes.

Nove países da região, liderados pelos parceiros do Brasil no Mercosul ArgentinaUruguai e Paraguai, solicitaram reunião de emergência à Organização dos Estados Americanos (OEA), na capital americana, denunciando o cenário farsesco.

Duas nações com governos de esquerda, Chile e Colômbia, questionaram o pleito. Ficaram em cima do muro os principais fiadores do processo eleitoral, Brasil e EUA.

Washington foi rápida, exigindo a publicação detalhada dos dados mesa a mesa de votação, e expressou preocupação com a situação. A crítica direta está pronta para ser feita, dado que por óbvio nunca surgirão números críveis.

O Brasil, com Lula (PT) sempre relutante em questionar ditaduras de esquerda, demorou horas para se pronunciar. Quando o fez, quis dar tempo aos acontecimentos, evitou reconhecer a vitória de Maduro e, em um tom mais ameno que o dos EUA, pediu a divulgação de dados eleitorais completos.

Agora, é imperativo que Brasília se mantenha firme nisso. Se o fará, é duvidoso, pois tal atitude colocaria Lula ante a indesejada realidade de que Maduro é um ditador.

O Acordo de Barbados, montado por Brasil e EUA, retirou as sanções americanas ao setor petrolífero da Venezuela com a condição de que o sucessor de Hugo Chávez (1954-2013) aceitasse uma eventual vitória de seus adversários.

No entanto o que se viu foi uma sucessão de violações dos termos pelo regime. O caudilho, recebido com honras por Lula no início de 2023, chegou ao pleito com opositores presos ou coagidos pela Justiça.

Maduro, como a crise em torno da região guianense de Essequibo e o fluxo de refugiados venezuelanos ao Brasil provam, pode ser perigoso. Deixá-lo sapatear sobre regras acordadas é inaceitável.

Saldo sangrento

Folha de S. Paulo

Após um ano, Justiça ainda não puniu responsáveis por mortes na Operação Escudo

No dia 27 de julho, completou-se exato um ano do assassinado do policial Patrick Bastos Reis em Guarujá, no litoral paulista. O evento trágico fez com que a Segurança Pública de São Paulo deflagrasse na região a Operação Escudo, que gerou um resultado sangrento.

Mesmo assim, a Justiça protela a punição dos responsáveis. Até a semana passada, só um cabo e um capitão da PM foram denunciados.

Dados oficiais indicam 93 mortos pelas forças de segurança —110, caso sejam contabilizadas todas as mortes por policiais na Baixada Santista desde julho de 2023, até por agentes de folga. E parte considerável desses óbitos possui características de execução sumária.

As ações foram motivadas por vingança, tanto por assassinatos de policiais quanto pela lentidão das investigações desses crimes.

Retaliação, contudo, não é justificativa aceitável para mobilizar o aparato policial do Estado. Operações devem ser planejadas com inteligência, a partir de diagnósticos precisos e observância de protocolos de segurança. Caso contrário, vidas de civis e também dos agentes são colocadas em risco.

Se as investigações sobre as mortes de PMs no litoral paulista não encontraram ainda desfecho oficial, os processos sobre os quase cem mortos pelas forças de segurança avançaram muito menos.

Famílias das vítimas têm realizado diligências por conta própria, como busca por testemunhas, dado que somente uma pequena parcela dos policiais usava câmeras corporais durante as operações.

Há um padrão observado nas mortes por agentes. As cenas de crime não são preservadas e os corpos são retirados dos locais das ocorrências, o que dificulta a realização de perícias; câmeras, quando utilizadas, têm as imagens borradas. Ademais, familiares das vítimas são intimidados por policiais, até mesmo com entrada em domicílio sem mandato.

Cabe à gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos) punir esse comportamento com rigor. O judiciário e órgãos de controle interno e externo da polícia não podem se amedrontar na busca pela verdade. No estado de direito, não há espaço para a vingança.

É assim que funciona uma ditadura

O Estado de S. Paulo

Oposição jamais teve a chance de derrotar Nicolás Maduro no voto. Do início ao fim, o ditador fraudou o processo eleitoral e intimidou os venezuelanos para se aferrar ainda mais ao poder

Para surpresa de ninguém, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), um simulacro de Justiça Eleitoral na Venezuela que há anos se submete às ordens do Palácio de Miraflores, declarou a vitória de Nicolás Maduro na eleição presidencial de domingo passado. Segundo o órgão chavista, o ditador teria recebido 51,2% dos votos válidos, ante 44,2% dados ao oposicionista Edmundo González Urrutia. Qualquer número poderia ter sido chutado, pois a eleição, evidentemente, foi uma fraude.

Maduro não sobreviveria politicamente se fosse exposto ao ar das liberdades individuais e da soberania da vontade popular. Ciente disso, mais uma vez, o caudilho exerceu seu controle total sobre o Estado e suas instituições na Venezuela. Do início ao fim, o processo eleitoral foi conspurcado. Nesse sentido, a oposição jamais teve a chance real, por mínima que fosse, de derrotar Maduro nas urnas. É assim, afinal, que funciona uma ditadura.

O grande mérito de Urrutia e María Corina Machado – hoje a principal líder da oposição ao chavismo, a mulher que teria enfrentado Maduro caso não tivesse sido cassada pelo regime sob a falsa alegação de corrupção – foi ter reafirmado para o povo venezuelano e para o mundo, tal como uma anticandidatura, que a assim chamada “democracia” na Venezuela é uma farsa. “Todas as regras foram violadas”, afirmou Urrutia ainda na noite de domingo. Maduro não demorou para se autoproclamar oficialmente o vencedor, em clara demonstração de desdém com as preocupações da comunidade internacional.

A fim de não correr o menor risco de ser defenestrado do poder pela força das urnas, o que teria acontecido não fosse o recurso à fraude, Maduro cometeu uma pletora de arbitrariedades ao longo dos últimos meses, a começar pela cassação sumária de todas as candidaturas que, em dado momento da campanha eleitoral, cresceram como uma ameaça real a seus interesses.

Diversos oposicionistas foram presos – e os que não foram sofreram a brutal intimidação do regime antes, durante e depois do pleito. No dia da eleição, as temidas Milícias Bolivarianas, conhecidas como “Coletivos”, circularam em suas motos pelas seções eleitorais de Caracas armadas até os dentes, mostrando aos eleitores até onde ia, de fato, sua liberdade de escolha. Cerca de 4,5 milhões de venezuelanos exilados e aptos a votar no exterior foram impedidos por Maduro de exercer seus direitos políticos.

Jamais se tratou de uma eleição justa na Venezuela, em que pese a demonstração de união das forças de oposição ao regime ter representado a melhor chance de derrotar o chavismo nos últimos 25 anos. A rigor, Maduro se proclamou vitorioso em uma eleição na qual foi derrotado.

Não surpreende que o CNE tenha resistido a fornecer as atas de votação das seções eleitorais à oposição e aos escassos observadores internacionais presentes na Venezuela. Esses documentos, que poderiam atestar que Urrutia foi o grande vencedor das urnas, talvez jamais vejam a luz do dia.

Por meio de nota, o governo brasileiro saudou o “caráter pacífico da jornada eleitoral” na Venezuela, de resto um teatro para iludir incautos de que a reeleição de Maduro teria transcorrido dentro da mais absoluta normalidade democrática. Mas ao menos cobrou a publicação das atas de votação, gesto classificado pelo Itamaraty como “um passo indispensável para a transparência, credibilidade e legitimidade do resultado do pleito”. Já é alguma coisa, sobretudo em se tratando do governo de Lula da Silva, aquele para quem há “excesso de democracia” na Venezuela chavista.

Enquanto o Brasil tenta se equilibrar entre suas obrigações constitucionais de defesa da democracia e os compromissos ideológicos de Lula com o chavismo, outros governos foram muito mais firmes. Os EUA, por exemplo, manifestaram “sérias preocupações de que o resultado anunciado não reflita a vontade ou os votos do povo venezuelano”. E o insuspeito presidente do Chile, Gabriel Boric, que é de esquerda, disse que “é difícil de acreditar” na vitória de Maduro. Quem preza verdadeiramente a democracia também não acredita.

Pressão desabrida sobre a Eletrobras

O Estado de S. Paulo

Após tentar influenciar a sucessão da Vale, governo Lula constrange Eletrobras a ceder vagas no conselho e prova por que Brasil não é confiável aos olhos de investidores estrangeiros

Pressionada pelo governo Lula da Silva, a Eletrobras deve aumentar o número de vagas reservadas à União em seu Conselho de Administração. Segundo o Estadão, a companhia estaria disposta a ceder 3 assentos ao governo, que hoje conta com apenas 1, e elevar o número de membros dos atuais 9 para 10 ou 11.

O acordo seria a forma que a Eletrobras encontrou para encerrar uma pendenga judicial iniciada por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF). Nela, a Advocacia-Geral da União (AGU) questiona trechos da lei que permitiu a privatização da estatal e cobra o restabelecimento do poder de voto da União, uma vez que continua a ser a principal acionista da companhia.

A tese é inacreditável. De maneira marota, o governo não enfrenta a privatização em si nem a aprovação da proposta pela Câmara e pelo Senado. Contrapõe-se, entretanto, a um dos pilares do modelo escolhido para capitalizar a Eletrobras.

Tudo foi feito para garantir que a Eletrobras se tornaria uma corporation, ou seja, uma companhia sem dono, com o controle pulverizado entre vários acionistas. Para assegurar a perenidade do modelo, o poder de voto de cada acionista foi limitado em 10%, independentemente da quantidade de ações detidas – condição definida expressamente na lei.

Com o limite de voto, a companhia estaria protegida de uma eventual oferta de um concorrente privado que tentasse assumir o controle da companhia para formar um oligopólio. Também não estaria mais sujeita à mão pesada do Executivo. Caso um governo eleito após a capitalização tentasse reassumir a companhia, ele teria de pagar o triplo do valor das ações para reestatizá-la, conforme o estatuto.

Não se trata de uma invenção brasileira, mas de um modelo consagrado e adotado por algumas das principais empresas do mundo. Mas, como diria o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, no Brasil até o passado é incerto, e a lei que garantiu a privatização da Eletrobras, proposta pelo Executivo e aprovada pelo Congresso, parece que já não vale mais.

Isso porque o STF, em vez de rejeitar de pronto a ação da AGU, aceitou a sugestão da Procuradoria-Geral da União (PGU) e encaminhou o caso à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF) para que União e Eletrobras tentassem chegar a um acordo. O caso, agora, se encaminha para uma solução evidentemente controversa.

Em maio de 2023, por meio de fato relevante, a Eletrobras sustentava que o processo de privatização havia sido conduzido em conformidade com a lei e a Constituição. Por isso, não ofertaria vagas no Conselho de Administração a qualquer acionista, inclusive o governo, mesmo porque seu estatuto não permitia.

No espaço de pouco mais de um ano, a companhia mudou radicalmente de ideia. Não se sabe o que teria acontecido nesse período, mas se desconfia, haja vista a pressão desmedida que o governo tem exercido sobre a Vale.

Afinal, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, nem disfarça sua intenção de influenciar no processo de sucessão da presidência da mineradora. Na semana passada, Silveira disse que não descarta aplicar medidas e sanções mais duras para combater o que ele considera ser uma “arrogância” por parte da empresa.

Não é coincidência que Vale e Eletrobras estejam na mira do governo. Ambas estão entre as maiores empresas do País, ambas são corporation e ambas já foram companhias controladas pela União. E, embora não sejam mais estatais, as duas dependem de decisões governamentais, de atos de agências reguladoras e da manutenção de marcos regulatórios estáveis para tocar seus negócios. Ceder às pressões do governo pode ser o caminho mais fácil, pois o governo sabe como pode atrapalhar – e muito.

O mais absurdo é que essa investida se dá sobre empresas genuinamente brasileiras, que acumulam décadas de atuação no País e que são líderes nos mercados em que operam. É por essas e outras que a imagem do Brasil perante investidores estrangeiros é tão ruim.

O direito de ofender políticos

O Estado de S. Paulo

Há limites, mas a democracia exige das autoridades públicas maior tolerância a críticas

A Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou o deputado Nikolas Ferreira por crime contra a honra do presidente Lula da Silva. Em discurso na ONU, Ferreira disse que Lula é um “ladrão que deveria estar na prisão”.

Ferreira pode ser um demagogo, mas é um demagogo com imunidade parlamentar. Reza o art. 53 da Constituição que “deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. “Quaisquer”, sem adversativas, restrições ou qualificações. Não bastasse a prerrogativa parlamentar, a denúncia agride a liberdade de expressão mesmo de cidadãos comuns.

Nas democracias liberais, a jurisprudência garante proteções reforçadas a críticas a autoridades públicas e exige dessas autoridades maior tolerância. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, por exemplo, afirma que “aqueles que têm influência em questões de interesse público expuseram-se voluntariamente a um maior escrutínio público e, consequentemente, correm maior risco de crítica, à medida que as suas atividades saem do domínio da esfera privada e entram na esfera do debate público”.

Críticas ácidas, agressivas ou hiperbólicas, e mesmo impropérios e xingamentos, são parte do debate político. Autores de livros como Honoráveis Bandidos, sobre a gestão Sarney, ou O País dos Petralhas, sobre as gestões petistas, nunca foram condenados ou censurados. O hoje vice-presidente Geraldo Alckmin já disse que Lula desejava “voltar à cena do crime” e ministros da Suprema Corte falaram em “quadrilha” a propósito da corrupção em gestões do PT.

“O direito à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis”, disse num voto na Suprema Corte em 2018 ninguém menos que Alexandre de Moraes, enfatizando que a crítica à pessoa pública, “por mais dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos de personalidade”, pois, “em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica”.

Por óbvio, essa excludente não é absoluta. O ex-deputado Daniel Silveira foi condenado à prisão, mas não por proferir “opiniões, palavras e votos”, e sim por tentativa de impedir o livre exercício dos Poderes e coação no curso do processo. Políticos podem ser vítimas de calúnia. Seria o caso, por exemplo, de alguém que acusasse Lula de ser mandante do assassinato de Celso Daniel. Mas acusações genéricas são, para usar a linguagem popular, parte do jogo.

Lula, mesmo quando não tinha mandato, acusou e ainda acusa o ex-presidente Jair Bolsonaro de “genocida”. Ele e seus bate-paus correram o mundo acusando o ex-presidente Michel Temer de urdir um “golpe de Estado” com o Parlamento, sob a cumplicidade de um Judiciário cooptado pelas “elites” e pelos pérfidos “estadunidenses”. Será que a PGR vai se valer do mesmo rigor contra acusações de crimes muito graves ou o seu zelo é seletivo?

 

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