Brasil precisa denunciar farsa eleitoral de Maduro
O Globo
Em nenhum momento o processo na
Venezuela inspirou confiança. As irregularidades foram constantes
O Brasil e as demais democracias latino-americanas não podem ser coniventes com a farsa montada por Nicolás Maduro para permanecer no poder na Venezuela, usando eleições nada transparentes, cujos resultados são contestados pela oposição. Na madrugada desta segunda-feira, quando 80% dos votos tinham sido contados, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão controlado por Maduro, anunciou que o atual presidente foi o vencedor do pleito realizado no domingo, com 51,2% dos votos, contra 44,2% obtidos pelo candidato da oposição, o ex-embaixador Edmundo González Urrutia. Os Estados Unidos e a União Europeia mostraram preocupação com as suspeitas de irregularidades. Em pronunciamento, o presidente chileno, Gabriel Boric, expressou a opinião da comunidade internacional ao declarar que os resultados oficiais “são difíceis de acreditar”.
Durante a votação, zonas eleitorais em
redutos da oposição não abriram no horário previsto. Para o regime, as filas
longas no calor serviriam como desestímulo ao voto. Após o encerramento do
pleito, os oposicionistas não tiveram acesso às atas das seções eleitorais em
vários locais. Sem elas, não há como saber o que foi transmitido ao centro de
contagem. A medida é empregada para dificultar ou impossibilitar a checagem da
tabulação oficial. Seguindo um modus operandi conhecido, o Ministério Público
acusou a oposição de um ataque hacker que teria tentado atrapalhar a
transmissão de votos.
Em nota, o governo brasileiro não reconheceu
o resultado e disse aguardar a publicação dos dados desagregados por mesa de
votação. De Caracas, o assessor internacional da Presidência, Celso
Amorim, criticou a divulgação do vencedor, “sem ter a transparência, a
disponibilidade das atas”. Diplomatas de sete países latino-americanos que
questionaram o resultado foram expulsos da Venezuela por ordem expressa de
Maduro.
A missão brasileira a Caracas afirma confiar
no trabalho do Centro Carter, instituição fundada pelo ex-presidente americano
Jimmy Carter e convidada pelo CNE para acompanhar o pleito. Porém isso deve ser
feito com cuidado. Como declarou o centro antes da eleição, “dado o tamanho e o
alcance limitado, a missão não realizará uma avaliação integral dos processos
de votação, contagem e tabulação”. Maduro tomou todas as medidas para evitar
uma análise independente. Observadores da União Europeia (UE) cancelaram viagem
depois de seu convite de acompanhamento ser revogado. Tentar culpar a UE pela
falta de acordo, como sugeriu Amorim, é ecoar o chavismo.
Como em eleições passadas, as irregularidades
ocorreram antes, durante e depois do pleito. A principal candidata da oposição,
a ex-deputada María Corina Machado, foi inabilitada para exercer cargos
públicos por 15 anos pela Justiça. A única alternativa passou a ser confiar
numa estratégia de transferência de votos. Apesar de obstáculos em série, a
oposição se articulou em torno de González. Mesmo desprovido de qualquer
carisma e sendo um desconhecido, ele despontou em pesquisas de opinião
independentes.
A comunidade internacional está certa ao
pedir a transparência dos números da votação. Será um dado numa longa lista.
Independentemente da avaliação, não mudará o quadro geral. Levando em conta
todo o processo eleitoral, não há como reconhecer a declaração de vitória de
Maduro.
Crise fiscal exigirá ações mais duras para
país fechar 2024 com déficit zero
O Globo
Rombo nas contas públicas no primeiro
semestre foi de R$ 68,6 bilhões, o terceiro pior desde 1997
O tamanho da dívida brasileira é elevado,
cresce a cada ano e exige mudança na gestão das contas
públicas. Enquanto o governo gastar mais do que arrecada, o problema
não desaparecerá. Sem uma solução, a economia seguirá a tendência de baixo
crescimento, com a inflação pressionada para cima. Mesmo com um aumento das
receitas da ordem de 9%, o primeiro semestre fechou com um rombo de R$ 68,6
bilhões, devido ao aumento em ritmo maior dos gastos. Foi o terceiro pior
resultado da série histórica iniciada em 1997. Para cumprir as promessas de
ajuste, o governo precisará se dedicar mais à tarefa de cortar despesas.
Está claro que o congelamento de R$ 15
bilhões determinado no Orçamento deste ano não será suficiente para fechar 2024
com déficit zero. Com apenas essa medida, o governo acabaria 2024 com um rombo
de R$ 28,8 bilhões. O montante está na margem de tolerância da regra fiscal,
que permite uma variação de 0,25% do PIB para mais ou para menos. Mas mirar
esse objetivo confirmaria a impressão de que o governo está mais preocupado em
gastar do que em estancar o crescimento da dívida pública. Pela credibilidade do
novo arcabouço fiscal, é preciso que busque o centro da meta. Se falhar já no
primeiro ano, será muito mais árduo conquistar a confiança em 2025 e 2026.
Em pronunciamento em cadeia de rádio e TV, o
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva voltou a afirmar que não abrirá mão da responsabilidade fiscal. Embora
positiva, a declaração teve pouco efeito. De agora ao final de dezembro, a
atenção estará em anúncios concretos de cortes. O ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, tem sido o fiador de políticas destinadas a equilibrar as
contas. Depois de participar no Rio de encontro do G20, Haddad disse que a
decisão sobre novos contingenciamentos será divulgada a cada avaliação
bimestral das contas públicas.
Alguns planos foram anunciados para atacar
problemas específicos, como é o caso do Benefício de Prestação Continuada
(BPC), um salário mínimo mensal para a população de baixa renda com idade igual
ou superior a 65 anos ou para quem tem alguma deficiência. Como no primeiro
semestre o BPC distribuiu um valor muito superior ao do mesmo período de 2023,
o governo decidiu recadastrar os beneficiários. Precisa fazer o mesmo com
outros programas, mas é improvável que tais revisões sejam suficientes para
tapar o buraco.
A situação exige decisões mais corajosas. É
urgente mudar a regra que vincula o aumento das despesas em saúde e educação ao
crescimento das receitas. Outra medida é desvincular os benefícios
previdenciários do salário mínimo, agora com reajustes acima da inflação. Há
fatores demográficos em ação. Com o envelhecimento da população, crescem o
número de aposentados e as despesas do INSS. Uma resposta mais duradoura deve
incluir uma nova reforma previdenciária.
Venezuela, depois de eleição denunciada,
ficará mais isolada
Valor Econômico
Sem provas de transparência eleitoral, o Brasil, para ser coerente com a posição pública do Itamaraty, não poderá considerar legítima a reeleição de Nicolás Maduro
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro,
chancelado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), no qual o governo tem
maioria, ganhou mais um mandato de 6 anos em uma eleição em que a oposição
afirma que ocorreram fraudes em massa. Maduro, que, como seu antecessor Hugo
Chávez, não gosta de alternância no poder, havia ameaçado com um “banho de
sangue” caso perdesse o pleito. O CNE disse que o resultado final apontou
Maduro em primeiro lugar, com 5,1 milhões de votos (51,2%), à frente de seu
opositor, Edmundo González Urrutia, com 4,445 milhões de votos (44,2%), e os
demais 8 candidatos à Presidência com 462.704 votos. O comparecimento teria
atingido 59%.
Os truques bolivarianos de outras eleições
compareceram novamente no ano eleitoral. A divulgação parcial dos resultados
atrasou por um alegado ataque hacker ao CNE, e a primeira parcial, com 80% das
urnas, foi divulgada com uma burlesca “irreversível” vitória de Maduro quando
faltavam mais de 2 milhões de votos a serem contados. A diferença final a favor
do chavista, sempre de acordo com o CNE, foi de 704.124 votos, ou 7% dos votos.
O aparato de Estado e a máquina de
intimidação chavista foram usados amplamente. O pleito foi marcado para o dia
de aniversário de Hugo Chávez, morto em 2013, e na cédula eleitoral a foto de
Maduro aparece 13 vezes, uma no lugar de cada partido de sua coalizão Grande
Polo Democrático. Bom número de colégios eleitorais no interior foi situado em
locais onde a população recebe recursos dos programas sociais do governo. Ao
lado dos pequenos golpes, outros mais graves vieram.
Após o Acordo de Barbados, no qual os EUA
levantaram a maior parte das sanções em troca de eleições livres e
transparentes, o governo manobrou para desrespeitá-lo logo nos dias seguintes.
Maduro escolheu com quem queria competir. Os mais populares líderes
adversários, como Henrique Capriles, Leopoldo López e Maria Corina Machado, já
tinham sido punidos e foram considerados inelegíveis. Corina foi escolhida por
unanimidade para disputar a eleição, em convenção da Plataforma Democrática, e
esperava concorrer, com o novo momento propiciado pelo compromisso de Maduro em
Barbados. Mas sua escolha foi invalidada. A oposição indicou então Corina
Yoris, que não conseguiu se registrar a tempo por “problemas” no sistema
oficial. O escolhido acabou sendo o obscuro diplomata González. Ao longo da
campanha, foram presos vários assessores da oposição.
O maior entrave foram as exigências absurdas
que impediram que pudessem votar 4,5 milhões dos 7,7 milhões de venezuelanos
que deixaram o país para fugir de uma pavorosa e longa crise econômica - só 70
mil foram autorizados a fazê-lo. Em sua grande maioria, esses votos iriam para
a oposição.
Não houve incidentes graves no domingo e
formalmente a eleição ocorreu em paz. Após o CNE anunciar o trunfo de Maduro,
boa parte dos países latino-americanos, os Estados Unidos, a União Europeia e o
Carter Center pediram que as atas de votação por urna fossem divulgadas para
comprovar a vitória governista. A eles se juntou o Brasil, cujo governo tem
simpatia pelo chavismo - Lula chegou a apontar “excesso de democracia” no país
vizinho, e seu assessor especial, Celso Amorim, que nele a “democracia estava
consolidada”. Em nota nesta segunda-feira, o Itamaraty solicitou corretamente a
divulgação de “dados desagregados por mesa de votação (...) passo indispensável
para a transparência, credibilidade e legitimidade do resultado do pleito”. É
fundamental que o Brasil não legitime uma eleição cercada de polêmicas.
É muito provável que os pedidos ao governo
venezuelano não sejam atendidos. Ontem, em discurso no CNE, Maduro disse que a
oposição preparava um golpe de Estado, e o procurador geral da República, Tarek
Saab, acusou Maria Corina, Leopoldo López e Lester Toledo, oposicionistas, de
envolvimento no alegado ataque hacker que teria atrasado a divulgação dos
resultados. Os papéis então se inverteram: a oposição, que via chances reais de
sucesso, estaria interessada em fraudar o resultado. A manobra judicial é peça
para incriminar a oposição e dizer que ela, sim, não queria de fato eleições
limpas, que teriam sido garantidas pelo governo.
O desfecho do episódio eleitoral não está
concluído. Sem mostrar atas e provar que venceu, a Venezuela ficará ainda mais
isolada que antes. Algumas sanções dos EUA foram restabelecidas. Uruguai,
Paraguai e Argentina, parceiros do Mercosul, não permitirão o retorno do país
ao bloco. Sem provas de transparência eleitoral, o Brasil, para ser coerente
com a posição pública do Itamaraty, não poderá considerar legítima a reeleição
de Nicolás Maduro, que desdenhou das preocupações do presidente Lula sobre suas
ameaças de “banho de sangue”.
Os presidentes petistas se empenharam em fazer vistas grossas à destruição progressiva da democracia venezuelana, para, em tese, manter seu poder de influência e impedir desvarios chavistas. O que se conseguiu nesse sentido até hoje não é digno de nota. A Venezuela se tornou uma ditadura, com um governo incapaz de impedir a gigantesca derrocada econômica do país com a maior reserva de petróleo do mundo - desde que Maduro assumiu o poder, há dez anos, o PIB encolheu 69%.
Fraude eleitoral de Maduro não pode ficar
impune
Folha de S. Paulo
Há indícios de manipulação do pleito;
simpático ao ditador, governo Lula precisa insistir na cobrança por
transparência
Após meses de mau comportamento, o
ditador Nicolás
Maduro cumpriu a profecia autorrealizável da eleição
presidencial venezuelana no domingo (28), declarando-se
vencedor com 51,2% dos votos, ante 44% de Edmundo González.
Abundam evidências de fraude. Seções
eleitorais em redutos de oposição ficaram abertas por pouco tempo, enquanto
áreas chavistas tiveram votação estendida. Houve um blecaute informativo por
mais de seis horas entre o fechamento das urnas e a unção de Maduro, que desencadeou
protestos nas ruas e panelaços.
A opacidade em torno da apuração, atribuída
ao ataque hacker de um país inimigo, tornou-se o centro da contestação ao
pleito.
A oposição, que escolheu o diplomata González
como candidato após a impugnação de duas concorrentes pela manipulada Comissão
Nacional Eleitoral, disse que venceu por 70% a 30%, como indicavam pesquisas
independentes.
Nove países da região, liderados pelos
parceiros do Brasil no Mercosul Argentina, Uruguai e Paraguai,
solicitaram reunião de emergência à Organização dos Estados Americanos (OEA),
na capital americana, denunciando o cenário farsesco.
Duas nações com governos de esquerda, Chile e
Colômbia, questionaram o pleito. Ficaram em cima do muro os principais fiadores
do processo eleitoral, Brasil e EUA.
Washington foi rápida, exigindo a publicação
detalhada dos dados mesa a mesa de votação, e expressou preocupação com a
situação. A crítica direta está pronta para ser feita, dado que por óbvio nunca
surgirão números críveis.
O Brasil, com Lula (PT) sempre relutante em
questionar ditaduras de esquerda, demorou horas para se pronunciar. Quando o
fez, quis dar tempo aos acontecimentos, evitou reconhecer a vitória de Maduro
e, em um tom mais ameno que o dos EUA, pediu a divulgação de dados eleitorais
completos.
Agora, é imperativo que Brasília se mantenha
firme nisso. Se o fará, é duvidoso, pois tal atitude colocaria Lula ante a
indesejada realidade de que Maduro é um ditador.
O Acordo de Barbados, montado por Brasil e
EUA, retirou as sanções americanas ao setor petrolífero da Venezuela com
a condição de que o sucessor de Hugo Chávez (1954-2013) aceitasse uma eventual
vitória de seus adversários.
No entanto o que se viu foi uma sucessão
de violações dos
termos pelo regime. O caudilho, recebido com honras por Lula no
início de 2023, chegou ao pleito com opositores presos ou coagidos pela
Justiça.
Maduro, como a crise em torno da região
guianense de Essequibo e o fluxo de refugiados venezuelanos ao Brasil provam,
pode ser perigoso. Deixá-lo sapatear sobre regras acordadas é inaceitável.
Saldo sangrento
Folha de S. Paulo
Após um ano, Justiça ainda não puniu
responsáveis por mortes na Operação Escudo
No dia 27 de julho, completou-se exato um ano
do assassinado do policial Patrick Bastos Reis em Guarujá,
no litoral
paulista. O evento trágico fez com que a Segurança Pública de São
Paulo deflagrasse na região a Operação Escudo, que gerou um
resultado sangrento.
Mesmo assim, a Justiça protela a punição dos
responsáveis. Até a semana passada, só um cabo e
um capitão da PM foram denunciados.
Dados oficiais indicam 93 mortos pelas forças
de segurança —110, caso sejam contabilizadas todas as mortes por policiais
na Baixada
Santista desde julho de 2023, até por agentes de folga. E parte
considerável desses óbitos possui características de execução sumária.
As ações foram motivadas por vingança, tanto
por assassinatos de policiais quanto pela lentidão das investigações desses
crimes.
Retaliação, contudo, não é justificativa
aceitável para mobilizar o aparato policial do Estado. Operações devem ser
planejadas com inteligência, a partir de diagnósticos precisos e observância de
protocolos de segurança. Caso contrário, vidas de civis e também dos agentes
são colocadas em risco.
Se as investigações sobre as mortes de PMs no
litoral paulista não encontraram ainda desfecho oficial, os processos sobre os
quase cem mortos pelas forças de segurança avançaram muito menos.
Famílias das vítimas têm realizado
diligências por conta própria, como busca por testemunhas, dado que
somente uma pequena parcela dos policiais usava câmeras corporais durante as
operações.
Há um padrão observado nas mortes por
agentes. As cenas de crime não são preservadas e os corpos são retirados dos
locais das ocorrências, o que dificulta a realização de perícias; câmeras,
quando utilizadas, têm as imagens borradas. Ademais, familiares das vítimas são
intimidados por policiais, até mesmo com entrada em domicílio sem mandato.
Cabe à gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos) punir esse comportamento com rigor. O judiciário e órgãos de controle interno e externo da polícia não podem se amedrontar na busca pela verdade. No estado de direito, não há espaço para a vingança.
É assim que funciona uma ditadura
O Estado de S. Paulo
Oposição jamais teve a chance de derrotar
Nicolás Maduro no voto. Do início ao fim, o ditador fraudou o processo
eleitoral e intimidou os venezuelanos para se aferrar ainda mais ao poder
Para surpresa de ninguém, o Conselho Nacional
Eleitoral (CNE), um simulacro de Justiça Eleitoral na Venezuela que há anos se
submete às ordens do Palácio de Miraflores, declarou a vitória de Nicolás
Maduro na eleição presidencial de domingo passado. Segundo o órgão chavista, o
ditador teria recebido 51,2% dos votos válidos, ante 44,2% dados ao
oposicionista Edmundo González Urrutia. Qualquer número poderia ter sido
chutado, pois a eleição, evidentemente, foi uma fraude.
Maduro não sobreviveria politicamente se
fosse exposto ao ar das liberdades individuais e da soberania da vontade
popular. Ciente disso, mais uma vez, o caudilho exerceu seu controle total
sobre o Estado e suas instituições na Venezuela. Do início ao fim, o processo
eleitoral foi conspurcado. Nesse sentido, a oposição jamais teve a chance real,
por mínima que fosse, de derrotar Maduro nas urnas. É assim, afinal, que
funciona uma ditadura.
O grande mérito de Urrutia e María Corina
Machado – hoje a principal líder da oposição ao chavismo, a mulher que teria
enfrentado Maduro caso não tivesse sido cassada pelo regime sob a falsa
alegação de corrupção – foi ter reafirmado para o povo venezuelano e para o
mundo, tal como uma anticandidatura, que a assim chamada “democracia” na
Venezuela é uma farsa. “Todas as regras foram violadas”, afirmou Urrutia ainda
na noite de domingo. Maduro não demorou para se autoproclamar oficialmente o
vencedor, em clara demonstração de desdém com as preocupações da comunidade
internacional.
A fim de não correr o menor risco de ser
defenestrado do poder pela força das urnas, o que teria acontecido não fosse o
recurso à fraude, Maduro cometeu uma pletora de arbitrariedades ao longo dos
últimos meses, a começar pela cassação sumária de todas as candidaturas que, em
dado momento da campanha eleitoral, cresceram como uma ameaça real a seus
interesses.
Diversos oposicionistas foram presos – e os
que não foram sofreram a brutal intimidação do regime antes, durante e depois
do pleito. No dia da eleição, as temidas Milícias Bolivarianas, conhecidas como
“Coletivos”, circularam em suas motos pelas seções eleitorais de Caracas
armadas até os dentes, mostrando aos eleitores até onde ia, de fato, sua
liberdade de escolha. Cerca de 4,5 milhões de venezuelanos exilados e aptos a
votar no exterior foram impedidos por Maduro de exercer seus direitos
políticos.
Jamais se tratou de uma eleição justa na
Venezuela, em que pese a demonstração de união das forças de oposição ao regime
ter representado a melhor chance de derrotar o chavismo nos últimos 25 anos. A
rigor, Maduro se proclamou vitorioso em uma eleição na qual foi derrotado.
Não surpreende que o CNE tenha resistido a
fornecer as atas de votação das seções eleitorais à oposição e aos escassos
observadores internacionais presentes na Venezuela. Esses documentos, que
poderiam atestar que Urrutia foi o grande vencedor das urnas, talvez jamais
vejam a luz do dia.
Por meio de nota, o governo brasileiro saudou
o “caráter pacífico da jornada eleitoral” na Venezuela, de resto um teatro para
iludir incautos de que a reeleição de Maduro teria transcorrido dentro da mais
absoluta normalidade democrática. Mas ao menos cobrou a publicação das atas de
votação, gesto classificado pelo Itamaraty como “um passo indispensável para a
transparência, credibilidade e legitimidade do resultado do pleito”. Já é
alguma coisa, sobretudo em se tratando do governo de Lula da Silva, aquele para
quem há “excesso de democracia” na Venezuela chavista.
Enquanto o Brasil tenta se equilibrar entre
suas obrigações constitucionais de defesa da democracia e os compromissos
ideológicos de Lula com o chavismo, outros governos foram muito mais firmes. Os
EUA, por exemplo, manifestaram “sérias preocupações de que o resultado
anunciado não reflita a vontade ou os votos do povo venezuelano”. E o
insuspeito presidente do Chile, Gabriel Boric, que é de esquerda, disse que “é
difícil de acreditar” na vitória de Maduro. Quem preza verdadeiramente a
democracia também não acredita.
Pressão desabrida sobre a Eletrobras
O Estado de S. Paulo
Após tentar influenciar a sucessão da Vale,
governo Lula constrange Eletrobras a ceder vagas no conselho e prova por que
Brasil não é confiável aos olhos de investidores estrangeiros
Pressionada pelo governo Lula da Silva, a
Eletrobras deve aumentar o número de vagas reservadas à União em seu Conselho
de Administração. Segundo o Estadão, a companhia estaria disposta a ceder
3 assentos ao governo, que hoje conta com apenas 1, e elevar o número de
membros dos atuais 9 para 10 ou 11.
O acordo seria a forma que a Eletrobras
encontrou para encerrar uma pendenga judicial iniciada por meio de uma Ação
Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF). Nela,
a Advocacia-Geral da União (AGU) questiona trechos da lei que permitiu a
privatização da estatal e cobra o restabelecimento do poder de voto da União,
uma vez que continua a ser a principal acionista da companhia.
A tese é inacreditável. De maneira marota, o
governo não enfrenta a privatização em si nem a aprovação da proposta pela
Câmara e pelo Senado. Contrapõe-se, entretanto, a um dos pilares do modelo
escolhido para capitalizar a Eletrobras.
Tudo foi feito para garantir que a Eletrobras
se tornaria uma corporation, ou seja, uma companhia sem dono, com o
controle pulverizado entre vários acionistas. Para assegurar a perenidade do
modelo, o poder de voto de cada acionista foi limitado em 10%,
independentemente da quantidade de ações detidas – condição definida expressamente
na lei.
Com o limite de voto, a companhia estaria
protegida de uma eventual oferta de um concorrente privado que tentasse assumir
o controle da companhia para formar um oligopólio. Também não estaria mais
sujeita à mão pesada do Executivo. Caso um governo eleito após a capitalização
tentasse reassumir a companhia, ele teria de pagar o triplo do valor das ações
para reestatizá-la, conforme o estatuto.
Não se trata de uma invenção brasileira, mas
de um modelo consagrado e adotado por algumas das principais empresas do mundo.
Mas, como diria o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, no Brasil até o passado é
incerto, e a lei que garantiu a privatização da Eletrobras, proposta pelo
Executivo e aprovada pelo Congresso, parece que já não vale mais.
Isso porque o STF, em vez de rejeitar de
pronto a ação da AGU, aceitou a sugestão da Procuradoria-Geral da União (PGU) e
encaminhou o caso à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal
(CCAF) para que União e Eletrobras tentassem chegar a um acordo. O caso, agora,
se encaminha para uma solução evidentemente controversa.
Em maio de 2023, por meio de fato relevante,
a Eletrobras sustentava que o processo de privatização havia sido conduzido em
conformidade com a lei e a Constituição. Por isso, não ofertaria vagas no
Conselho de Administração a qualquer acionista, inclusive o governo, mesmo
porque seu estatuto não permitia.
No espaço de pouco mais de um ano, a
companhia mudou radicalmente de ideia. Não se sabe o que teria acontecido nesse
período, mas se desconfia, haja vista a pressão desmedida que o governo tem
exercido sobre a Vale.
Afinal, o ministro de Minas e Energia,
Alexandre Silveira, nem disfarça sua intenção de influenciar no processo de
sucessão da presidência da mineradora. Na semana passada, Silveira disse que
não descarta aplicar medidas e sanções mais duras para combater o que ele
considera ser uma “arrogância” por parte da empresa.
Não é coincidência que Vale e Eletrobras
estejam na mira do governo. Ambas estão entre as maiores empresas do País,
ambas são corporation e ambas já foram companhias controladas pela
União. E, embora não sejam mais estatais, as duas dependem de decisões
governamentais, de atos de agências reguladoras e da manutenção de marcos
regulatórios estáveis para tocar seus negócios. Ceder às pressões do governo
pode ser o caminho mais fácil, pois o governo sabe como pode atrapalhar – e
muito.
O mais absurdo é que essa investida se dá
sobre empresas genuinamente brasileiras, que acumulam décadas de atuação no
País e que são líderes nos mercados em que operam. É por essas e outras que a
imagem do Brasil perante investidores estrangeiros é tão ruim.
O direito de ofender políticos
O Estado de S. Paulo
Há limites, mas a democracia exige das
autoridades públicas maior tolerância a críticas
A Procuradoria-Geral da República (PGR)
denunciou o deputado Nikolas Ferreira por crime contra a honra do presidente
Lula da Silva. Em discurso na ONU, Ferreira disse que Lula é um “ladrão que
deveria estar na prisão”.
Ferreira pode ser um demagogo, mas é um
demagogo com imunidade parlamentar. Reza o art. 53 da Constituição que
“deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de
suas opiniões, palavras e votos”. “Quaisquer”, sem adversativas, restrições ou
qualificações. Não bastasse a prerrogativa parlamentar, a denúncia agride a
liberdade de expressão mesmo de cidadãos comuns.
Nas democracias liberais, a jurisprudência
garante proteções reforçadas a críticas a autoridades públicas e exige dessas
autoridades maior tolerância. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, por
exemplo, afirma que “aqueles que têm influência em questões de interesse
público expuseram-se voluntariamente a um maior escrutínio público e,
consequentemente, correm maior risco de crítica, à medida que as suas
atividades saem do domínio da esfera privada e entram na esfera do debate
público”.
Críticas ácidas, agressivas ou hiperbólicas,
e mesmo impropérios e xingamentos, são parte do debate político. Autores de
livros como Honoráveis Bandidos, sobre a gestão Sarney, ou O País dos
Petralhas, sobre as gestões petistas, nunca foram condenados ou censurados. O
hoje vice-presidente Geraldo Alckmin já disse que Lula desejava “voltar à cena
do crime” e ministros da Suprema Corte falaram em “quadrilha” a propósito da
corrupção em gestões do PT.
“O direito à liberdade de expressão não se
direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis
ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas,
condenáveis”, disse num voto na Suprema Corte em 2018 ninguém menos que
Alexandre de Moraes, enfatizando que a crítica à pessoa pública, “por mais dura
e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as
limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos de personalidade”,
pois, “em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira
excludente anímica”.
Por óbvio, essa excludente não é absoluta. O
ex-deputado Daniel Silveira foi condenado à prisão, mas não por proferir
“opiniões, palavras e votos”, e sim por tentativa de impedir o livre exercício
dos Poderes e coação no curso do processo. Políticos podem ser vítimas de
calúnia. Seria o caso, por exemplo, de alguém que acusasse Lula de ser mandante
do assassinato de Celso Daniel. Mas acusações genéricas são, para usar a
linguagem popular, parte do jogo.
Lula, mesmo quando não tinha mandato, acusou e ainda acusa o ex-presidente Jair Bolsonaro de “genocida”. Ele e seus bate-paus correram o mundo acusando o ex-presidente Michel Temer de urdir um “golpe de Estado” com o Parlamento, sob a cumplicidade de um Judiciário cooptado pelas “elites” e pelos pérfidos “estadunidenses”. Será que a PGR vai se valer do mesmo rigor contra acusações de crimes muito graves ou o seu zelo é seletivo?
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