O Globo
Eles compartilham rumores e informações
falsas pelo simples desejo de ver o circo pegar fogo
Um artigo acadêmico publicado no ano passado na prestigiosa revista de ciência política American Political Science Review causou grande alvoroço entre os estudiosos da polarização política e do extremismo. Uma equipe liderada pelo professor Michael Petersen, da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, demonstrou que uma parcela pequena, mas relevante, da população americana tem o que o estudo chamou de “necessidade de caos”, um impulso de destruição da sociedade causado pela combinação de disposição agressiva e sentimento de perda de status. Esse impulso leva 5% dos adultos, algo como 10 milhões de americanos, a compartilhar rumores e informações falsas pelo simples desejo de ver o circo pegar fogo. Não se sabe exatamente que outras consequências políticas são capazes de advir dessa necessidade de caos, mas muitos suspeitam que ela pode ser um componente relevante da atual crise das democracias liberais.
O estudo teve grande impacto não apenas
porque trouxe um elemento novo ao debate, mas pela sofisticação metodológica.
Primeiro, a equipe consolidou uma escala que avalia a disposição psicológica
destrutiva em relação à ordem social. Ela é medida pelo grau de concordância
com afirmações como “Eu preciso de caos ao meu redor” e “Às vezes, só quero
destruir coisas bonitas”. Segundo o estudo, 5% da população americana tem
pontuação alta nessa escala.
Em seguida, o estudo mostrou que essas
pessoas são mais propensas a compartilhar rumores políticos, em alguns casos,
duas ou três vezes mais do que as demais. Enquanto, em geral, adeptos da
esquerda são mais propensos a compartilhar rumores que prejudicam a direita, e
vice-versa, quem pontua alto na escala de necessidade de caos é propenso a
compartilhar rumores independentemente da orientação política. Quando
questionados sobre motivos, respondem que não fazem isso por acreditar no rumor
ou por achar que sua consequência é grave; compartilham para “mobilizar contra
elites corruptas”, porque gostam “de causar desconforto” ou porque se divertem
“quando as pessoas se chocam”.
Os pesquisadores investigaram as causas dessa
disposição. A partir de duas escalas psicométricas, descobriram que quem sente
necessidade de caos tem uma combinação de orientação para alcançar status
social por meio da dominância — intimidação e imposição — e um sentimento de
perda de status. Em outras palavras, buscam prestígio social por meios mais
coercivos e, ao mesmo tempo, se ressentem de ter perdido status. O caos é visto
como oportunidade de subverter hierarquias sociais que julgam injustas.
Finalmente, o estudo mostra a surpreendente
demografia de quem tem necessidade de caos. O leitor pode supor que os traços
de personalidade coercivos e ressentidos sugerem que tal necessidade está
concentrada nos homens brancos que reagiram às mudanças sociais trazidas pelo
movimento negro ou pelo feminismo. Porém a demografia que pontua mais na escala
de necessidade de caos são os homens negros, seguidos pelas mulheres negras,
logo depois por homens brancos e mulheres brancas.
O estudo investiga esse sentimento de perda
de status entre os que têm necessidade de caos e se ele é relativo a status
pessoal ou grupal. Enquanto os negros sentem ter perdido status enquanto grupo,
os brancos têm o sentimento de perda individual. A explicação provável é que
negros com necessidade de caos se sentem rebaixados enquanto grupo em relação a
expectativas de justiça social frustradas, enquanto os brancos, sobretudo os de
baixa escolaridade, sentem que perderam objetivamente status social em relação
a um momento anterior.
A identificação e a caracterização precisa
dessa disposição niilista e destrutiva parecem jogar luz sobre fenômenos mais
amplos do que aqueles que o artigo foi capaz de sugerir. Uma parcela
relativamente pequena, mas socialmente pulverizada, de pessoas que adotam
comportamentos politicamente destrutivos pode explicar mais que a difusão de
rumores e notícias falsas.
3 comentários:
Excelente coluna.
Faz sentido. O conjunto de ambições e frustrações moldam o comportamento humano em todas as áreas (política, trabalho, relacionamentos...).
Será que "a equipe liderada pelo professor Michael Petersen, da Universidade de Aarhus, na Dinamarca," seria capaz de explicar a mitomania de Trump?
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