O Globo
O ponto de partida é ignorar que o candidato
precise ter um mínimo de empatia e conexão com o eleitorado
A arte de ganhar uma eleição não é nenhum
mistério: basta convencer a maioria dos eleitores de que seu candidato seja a
pessoa certa para o cargo. Perder uma eleição é mais complicado: requer
empenho, prática e habilidade.
Como no caso dos aviões — que têm o hábito de não permitir que um erro sozinho os derrube —, candidaturas só se esborracham nas urnas por uma combinação de fatores. Alguns podem parecer aleatórios, mas a maioria é cultivada com afinco — não apenas, de forma ostensiva, durante a campanha, mas também na surdina, na trégua entre um pleito e outro.
O ponto de partida é ignorar que o candidato
precise ter um mínimo de empatia e conexão com o eleitorado e insistir naqueles
com alta rejeição. (Na falta de um candidato com alta rejeição, pode-se
substituí-lo por outro com rejeição altíssima, que isso não altera a receita.)
Cultue seu líder como se ele fosse o caminho,
a verdade e a vida; faça o possível e o impossível para regular os meios de
comunicação; seja obcecado com organizações trabalhistas e com o controle total
da economia — mas não hesite em afirmar que fascistas são os outros. Em vez de
procurar saber o que querem os trabalhadores, enfie-lhes sindicatos (e
impostos) goela abaixo — os autoritários nunca somos “nós”. Separe as pessoas
pela cor da pele — e insista que os racistas são “eles”. Viva uma ideologia morta
— mas dispare a pecha de “retrógrado” a torto e a direito. Em suma, passe a
campanha demonizando os eleitores do adversário — afinal, quem precisa dos
votos deles?
Na véspera de uma disputa apertada ou de um
eventual segundo turno, sirva bolo, fale manso, deixe de lado a superioridade
moral (sim, você consegue!) e exercite a condescendência. Mesmo morando
no Leblon ou
na Savassi, tente persuadir os paulistas a votar em quem você tem certeza de
que seria o melhor prefeito para eles (não, ninguém notará que você não sabe a
diferença entre paulista e paulistano). Torça para que tenham memória fraca e
não se lembrem de nada do que foi dito enquanto você achava que a vitória era
certa.
Se alguém sugerir prudência e autocrítica,
dobre a meta e proponha radicalizar o discurso. Esqueça os rappers (“Tem que
falar para uma multidão que precisa ser conquistada, senão vamos cair no
abismo”) — eles não entendem de povo nem de periferia — e ouça os antropólogos
(“Acho justo esse tensionamento para que a esquerda se coloque mais à
esquerda”). Quem garante que, quando o bacalhau está intragavelmente salgado,
não é um pouco mais de sal que vá resolver?
Tenha em mente que o conceito de “frente
ampla” é como escrita em árabe, hebraico, japonês: sempre da direita para a
esquerda — e só vale se for para receber apoios, nunca para apoiar.
Uma vez que tenha sido derrotado, abandone
aquele discurso sobre democracia, soberania popular, desejo da maioria: xingue
os vencedores. Deseje que morram afogados na próxima enchente, que passem
quatro anos nas trevas (reais e metafóricas). Afinal, eles nunca mais votarão,
certo?
Seja a resistência sempre que a vontade
expressa nas urnas não for a sua. (Quando o outro lado resistir a um resultado
legítimo, chame de “golpe”.)
Continue assim, e a derrota em 2026 (contra
quem quer que seja) está no papo.
Um comentário:
Nada promissor o futuro do país - e da humanidade - nas mãos de fanáticos donos da verdade suprema, seja de direita ou de esquerda.
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