sábado, 2 de novembro de 2024

Falta base política para o ajuste – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Não se faz corte sem afetar programas sociais, coisa que o presidente Lula não quer. Daí as incertezas

Considerem o MDB, um dos vencedores nas eleições municipais. Uma ala do partido, pessoal do Norte e Nordeste, acha que o resultado dá o lugar de vice na chapa de Lula em 2026. Outra ala considera uma candidatura de centro. Uma terceira, caminhando pela direita, acaba de derrotar o PT de Lula em capitais importantes como São Paulo e Porto Alegre. Por que não continuar por aí?

Considerem o PSD, mais conhecido como partido do Kassab, outro vencedor nas últimas eleições. Como o MDB, tem três ministérios no governo Lula. E Kassab como um dos principais articuladores do governador paulista, Tarcísio de Freitas. Como no MDB, uma ala do PSD também acha que tem vaga na vice de Lula. Desde já, os dois partidos entendem que merecem ministérios mais robustos, com mais dinheiro para gastar.

Toda essa conversa circulou nos meios políticos nesta semana pós-pleito municipal. Na economia, a semana começou com a expectativa em torno do pacote de corte de gastos a ser anunciado pelo governo Lula. E terminou do mesmo modo, sem pacote e com muita incerteza.

O que aqueles dois partidos, vitoriosos, disseram sobre esse que é, de longe, o tema mais importante do momento? Nada. Mesmo porque, se fossem dizer alguma coisa, seria mais ou menos assim: baita problema do Haddad e do Lula.

É verdade que a economia tem um lado bom. Há crescimento, geração de emprego e de renda. Isso até oferece um álibi aos políticos. Tipo assim: se a economia real vai bem, o resto é especulação do mercado. Cabe também para o PT. Aliás, a bem da verdade, o PT é o único partido que se manifestou sobre o corte de gastos: contra.

Mas há muitos sinais de problemas concretos. O dólar, que abriu o ano abaixo dos R$ 5, era negociado a R$ 5,87 ontem à tarde. A bolsa B3, que chegou a passar dos 137 mil pontos em agosto, rodava ontem nos 128 mil, em queda há semanas.

Afetando diretamente o bolso das pessoas, a inflação, que estava em queda na primeira metade do ano, está agora em alta. Se a discussão ontem era saber quando o IPCA chegaria à meta de 3% ao ano, hoje o índice ultrapassa o teto da meta, de 4,5%. O dólar caro é uma causa importante dessa alta.

Afetando diretamente os negócios, os juros, que estavam em queda no começo deste ano, agora estão em alta. Até julho, o Banco Central estava em redução da taxa básica de juros. A especulação era otimista: quando a taxa cairia abaixo de 10%? Hoje, é o contrário. A taxa está em 10,75% ao ano, e a pergunta que ocupa os meios econômicos é saber quando passará dos 13%.

Não seria preciso, mas convém dizer: juros altos limitam investimento e consumo, reduzindo, pois, o ritmo de crescimento. Portanto não estamos falando de especulação, mas da economia real.

O que houve?

Caiu a ficha. Entre os agentes econômicos formou-se a expectativa de que o arcabouço fiscal não produzirá o superávit prometido nas contas públicas. Ao contrário, caminha para déficits em todos os anos do governo Lula. Não conseguindo pagar suas contas com as receitas, o governo precisou tomar dinheiro emprestado. Faz isso vendendo títulos do Tesouro. Problema: a juros cada vez mais caros, o que aumenta o gasto financeiro.

Como têm notado os economistas — e parece que são os únicos preocupados —, o Tesouro tem pagado juros reais (acima da inflação) na casa dos absurdos 7% ao ano. Uma dívida caríssima. E os juros pagos pelo governo contaminam todo o mercado. Logo, é preciso fazer um programa de ajuste de gastos, como sabe muito bem a equipe econômica. Ocorre que não se faz o corte sem afetar programas sociais, coisa que o presidente Lula não quer.

Daí as incertezas. Bem a propósito do que dizia Jean-Claude Juncker, então presidente da Comissão Europeia: sabemos que ajuste devemos fazer; o que não sabemos é como ganhar a eleição depois disso.

Tudo considerado, é praticamente impossível que saia um programa consistente de ajuste das despesas. Faltam condições políticas. O governo empurrará o problema. Gostaria de ficar sem ajuste para ganhar as eleições. Pode acumular déficit e derrotas.

 

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