O Globo
Não se faz corte sem afetar programas
sociais, coisa que o presidente Lula não quer. Daí as incertezas
Considerem o MDB,
um dos vencedores nas eleições municipais. Uma ala do partido, pessoal do Norte
e Nordeste, acha que o resultado dá o lugar de vice na chapa de Lula em
2026. Outra ala considera uma candidatura de centro. Uma terceira, caminhando
pela direita, acaba de derrotar o PT de
Lula em capitais importantes como São Paulo e Porto Alegre. Por que não
continuar por aí?
Considerem o PSD, mais conhecido como partido do Kassab, outro vencedor nas últimas eleições. Como o MDB, tem três ministérios no governo Lula. E Kassab como um dos principais articuladores do governador paulista, Tarcísio de Freitas. Como no MDB, uma ala do PSD também acha que tem vaga na vice de Lula. Desde já, os dois partidos entendem que merecem ministérios mais robustos, com mais dinheiro para gastar.
Toda essa conversa circulou nos meios
políticos nesta semana pós-pleito municipal. Na economia, a semana começou com
a expectativa em torno do pacote de corte de gastos a ser anunciado pelo
governo Lula. E terminou do mesmo modo, sem pacote e com muita incerteza.
O que aqueles dois partidos, vitoriosos,
disseram sobre esse que é, de longe, o tema mais importante do momento? Nada.
Mesmo porque, se fossem dizer alguma coisa, seria mais ou menos assim: baita
problema do Haddad e do Lula.
É verdade que a economia tem um lado bom. Há
crescimento, geração de emprego e de renda. Isso até oferece um álibi aos
políticos. Tipo assim: se a economia real vai bem, o resto é especulação do
mercado. Cabe também para o PT. Aliás, a bem da verdade, o PT é o único partido
que se manifestou sobre o corte de gastos: contra.
Mas há muitos sinais de problemas concretos.
O dólar,
que abriu o ano abaixo dos R$ 5, era negociado a R$ 5,87 ontem à tarde. A
bolsa B3,
que chegou a passar dos 137 mil pontos em agosto, rodava ontem nos 128 mil, em
queda há semanas.
Afetando diretamente o bolso das pessoas, a
inflação, que estava em queda na primeira metade do ano, está agora em alta. Se
a discussão ontem era saber quando o IPCA chegaria à meta de 3% ao ano, hoje o
índice ultrapassa o teto da meta, de 4,5%. O dólar caro é uma causa importante
dessa alta.
Afetando diretamente os negócios, os juros,
que estavam em queda no começo deste ano, agora estão em alta. Até julho, o
Banco Central estava em redução da taxa básica de juros. A especulação era
otimista: quando a taxa cairia abaixo de 10%? Hoje, é o contrário. A taxa está
em 10,75% ao ano, e a pergunta que ocupa os meios econômicos é saber quando
passará dos 13%.
Não seria preciso, mas convém dizer: juros
altos limitam investimento e consumo, reduzindo, pois, o ritmo de crescimento.
Portanto não estamos falando de especulação, mas da economia real.
O que houve?
Caiu a ficha. Entre os agentes econômicos
formou-se a expectativa de que o arcabouço fiscal não produzirá o superávit
prometido nas contas públicas. Ao contrário, caminha para déficits em todos os
anos do governo Lula. Não conseguindo pagar suas contas com as receitas, o
governo precisou tomar dinheiro emprestado. Faz isso vendendo títulos do
Tesouro. Problema: a juros cada vez mais caros, o que aumenta o gasto
financeiro.
Como têm notado os economistas — e parece que
são os únicos preocupados —, o Tesouro tem pagado juros reais (acima da
inflação) na casa dos absurdos 7% ao ano. Uma dívida caríssima. E os juros
pagos pelo governo contaminam todo o mercado. Logo, é preciso fazer um programa
de ajuste de gastos, como sabe muito bem a equipe econômica. Ocorre que não se
faz o corte sem afetar programas sociais, coisa que o presidente Lula não quer.
Daí as incertezas. Bem a propósito do que
dizia Jean-Claude Juncker, então presidente da Comissão Europeia: sabemos que
ajuste devemos fazer; o que não sabemos é como ganhar a eleição depois disso.
Tudo considerado, é praticamente impossível
que saia um programa consistente de ajuste das despesas. Faltam condições
políticas. O governo empurrará o problema. Gostaria de ficar sem ajuste para
ganhar as eleições. Pode acumular déficit e derrotas.
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