O Globo
Se as ameaças se concretizarem, um próximo
alvo pode ser nossa vizinha Venezuela
Uma série de declarações recentes de Donald
Trump sugere que, na nova administração, os Estados
Unidos podem se engajar em preocupante expansão territorial. O
movimento deve preocupar o Brasil porque, se as ameaças efetivamente se
concretizarem, um próximo alvo pode ser nossa vizinha Venezuela.
Em novembro, após vencer as eleições, Trump afirmou em postagem nas mídias sociais que imporia aumento de 25% nas tarifas de importação de produtos de Canadá e México, caso esses países não controlassem melhor suas fronteiras com os Estados Unidos. Segundo especialistas, a medida é arbitrária e contrária ao Direito Internacional. Dificilmente uma tarifa discriminatória desse tipo seria reconhecida pela Organização Mundial do Comércio, e ela certamente violaria os termos do acordo de livre-comércio Estados Unidos-México-Canadá, que substituiu o Nafta. Trump, porém, não parece intimidado.
O primeiro-ministro do Canadá, Justin
Trudeau, foi visitar Trump em Mar-a-Lago para discutir o assunto, e Trump
relatou, noutra postagem de mídia social, ter tido uma conversa
produtiva com o “governador do grande estado do Canadá”. A referência jocosa,
rebaixando o Canadá a um estado americano, foi interpretada como muito
desrespeitosa, mas certamente como uma brincadeira. Dias depois, Trump retomou
o assunto, numa terceira postagem, dizendo que achava “uma ótima ideia”
que o Canadá pudesse se tornar o “51º estado americano”, pois “economizariam
enormemente em impostos e proteção militar”.
Se a menção ao Canadá foi vista apenas como
provocação, desrespeitosa e arrogante, o mesmo não pode ser dito de suas
declarações sobre o Panamá e a Groenlândia,
que são levadas muito a sério. Noutra postagem de mídia social, Trump expressou
o claro objetivo de comprar a Groenlândia, um território semiautônomo que faz
parte da Dinamarca.
Segundo Trump, movido por um “propósito de segurança nacional”, “os Estados
Unidos da América sentem que a propriedade e o controle da Groenlândia são uma
necessidade absoluta”.
Ainda mais graves parecem as declarações de
Trump com relação ao Canal do Panamá. O canal que liga o Atlântico ao Pacífico
foi construído inicialmente pelos franceses e concluído em 1914 pelos
americanos, que o exploraram até 1999. Desde 2000, o Panamá assumiu o controle
definitivo, com base num acordo negociado com os Estados Unidos em 1977.
Uma reportagem do jornal americano The Wall
Street Journal havia mostrado que, já no primeiro mandato, Trump cogitara a
ideia de comprar a Groenlândia da Dinamarca, movido por interesses comerciais e
geopolíticos. O primeiro-ministro da Groenlândia respondeu a Trump no Facebook, dizendo que “não estamos e nunca estaremos à venda”.
Também por meio de postagem em mídia social, Trump afirmou que o canal é “um
ativo nacional VITAL [assim mesmo, em maiúsculas], crucial para o comércio e
para o deslocamento rápido da Marinha” e que foi construído com grande custo,
tanto ao Tesouro americano, como em vidas americanas, já que 38 mil americanos
morreram na construção, segundo ele (esse número é bastante exagerado, e as
mortes de trabalhadores no canal foram sobretudo de não americanos).
Trump reclama das tarifas panamenhas,
chamadas de “ridículas”, e critica o ex-presidente Jimmy Carter por ter cedido
“estupidamente” aos panamenhos. Conclui dizendo que essa “exploração do nosso
país [pelo Panamá] vai acabar imediatamente”. O presidente do Panamá respondeu,
por meio de postagem nas
redes sociais, dizendo que o controle do canal pelo Panamá “é
inegociável”.
Como se não bastasse, em pleno Natal, Trump
fez mais uma publicação polêmica, combinando, num único parágrafo, a
acusação, sem evidências, de que “soldados da China” operam ilegalmente o Canal
do Panamá, a afirmação de que a anexação do Canadá reduziria os impostos no
país em 60% e a alegação — também sem fundamento — de que o povo da Groenlândia
deseja a presença dos Estados Unidos no território. Seu filho, Eric
Trump, publicou no X uma imagem simulando uma compra na Amazon
com os itens Canadá, Groenlândia e Canal do Panamá.
Esses diferentes movimentos, em conjunto,
sugerem que o segundo mandato de Trump pode não ser marcado pelo isolacionismo
do primeiro, mas por uma abordagem expansionista. A virada, combinada com a
tentativa de anexação da Ucrânia pela Rússia, dois anos atrás,
aponta para um mundo muito diferente daquele que se consolidou no pós-Segunda
Guerra, onde anexações territoriais se tornaram incomuns. O novo mundo que
surge é mais complicado e mais instável. O Brasil precisa entender que papel
desempenhará. Em particular, deve acompanhar com muita atenção os
desdobramentos na Venezuela, porque, neste novo contexto, a ideia de os Estados
Unidos intervirem naquele país pode deixar de ser apenas especulação.
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