sábado, 28 de dezembro de 2024

Trump insinua expansão territorial – Pablo Ortellando

O Globo

Se as ameaças se concretizarem, um próximo alvo pode ser nossa vizinha Venezuela

Uma série de declarações recentes de Donald Trump sugere que, na nova administração, os Estados Unidos podem se engajar em preocupante expansão territorial. O movimento deve preocupar o Brasil porque, se as ameaças efetivamente se concretizarem, um próximo alvo pode ser nossa vizinha Venezuela.

Em novembro, após vencer as eleições, Trump afirmou em postagem nas mídias sociais que imporia aumento de 25% nas tarifas de importação de produtos de Canadá e México, caso esses países não controlassem melhor suas fronteiras com os Estados Unidos. Segundo especialistas, a medida é arbitrária e contrária ao Direito Internacional. Dificilmente uma tarifa discriminatória desse tipo seria reconhecida pela Organização Mundial do Comércio, e ela certamente violaria os termos do acordo de livre-comércio Estados Unidos-México-Canadá, que substituiu o Nafta. Trump, porém, não parece intimidado.

O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, foi visitar Trump em Mar-a-Lago para discutir o assunto, e Trump relatou, noutra postagem de mídia social, ter tido uma conversa produtiva com o “governador do grande estado do Canadá”. A referência jocosa, rebaixando o Canadá a um estado americano, foi interpretada como muito desrespeitosa, mas certamente como uma brincadeira. Dias depois, Trump retomou o assunto, numa terceira postagem, dizendo que achava “uma ótima ideia” que o Canadá pudesse se tornar o “51º estado americano”, pois “economizariam enormemente em impostos e proteção militar”.

Se a menção ao Canadá foi vista apenas como provocação, desrespeitosa e arrogante, o mesmo não pode ser dito de suas declarações sobre o Panamá e a Groenlândia, que são levadas muito a sério. Noutra postagem de mídia social, Trump expressou o claro objetivo de comprar a Groenlândia, um território semiautônomo que faz parte da Dinamarca. Segundo Trump, movido por um “propósito de segurança nacional”, “os Estados Unidos da América sentem que a propriedade e o controle da Groenlândia são uma necessidade absoluta”.

Ainda mais graves parecem as declarações de Trump com relação ao Canal do Panamá. O canal que liga o Atlântico ao Pacífico foi construído inicialmente pelos franceses e concluído em 1914 pelos americanos, que o exploraram até 1999. Desde 2000, o Panamá assumiu o controle definitivo, com base num acordo negociado com os Estados Unidos em 1977.

Uma reportagem do jornal americano The Wall Street Journal havia mostrado que, já no primeiro mandato, Trump cogitara a ideia de comprar a Groenlândia da Dinamarca, movido por interesses comerciais e geopolíticos. O primeiro-ministro da Groenlândia respondeu a Trump no Facebook, dizendo que “não estamos e nunca estaremos à venda”.

Também por meio de postagem em mídia social, Trump afirmou que o canal é “um ativo nacional VITAL [assim mesmo, em maiúsculas], crucial para o comércio e para o deslocamento rápido da Marinha” e que foi construído com grande custo, tanto ao Tesouro americano, como em vidas americanas, já que 38 mil americanos morreram na construção, segundo ele (esse número é bastante exagerado, e as mortes de trabalhadores no canal foram sobretudo de não americanos).

Trump reclama das tarifas panamenhas, chamadas de “ridículas”, e critica o ex-presidente Jimmy Carter por ter cedido “estupidamente” aos panamenhos. Conclui dizendo que essa “exploração do nosso país [pelo Panamá] vai acabar imediatamente”. O presidente do Panamá respondeu, por meio de postagem nas redes sociais, dizendo que o controle do canal pelo Panamá “é inegociável”.

Como se não bastasse, em pleno Natal, Trump fez mais uma publicação polêmica, combinando, num único parágrafo, a acusação, sem evidências, de que “soldados da China” operam ilegalmente o Canal do Panamá, a afirmação de que a anexação do Canadá reduziria os impostos no país em 60% e a alegação — também sem fundamento — de que o povo da Groenlândia deseja a presença dos Estados Unidos no território. Seu filho, Eric Trump, publicou no X uma imagem simulando uma compra na Amazon com os itens Canadá, Groenlândia e Canal do Panamá.

Esses diferentes movimentos, em conjunto, sugerem que o segundo mandato de Trump pode não ser marcado pelo isolacionismo do primeiro, mas por uma abordagem expansionista. A virada, combinada com a tentativa de anexação da Ucrânia pela Rússia, dois anos atrás, aponta para um mundo muito diferente daquele que se consolidou no pós-Segunda Guerra, onde anexações territoriais se tornaram incomuns. O novo mundo que surge é mais complicado e mais instável. O Brasil precisa entender que papel desempenhará. Em particular, deve acompanhar com muita atenção os desdobramentos na Venezuela, porque, neste novo contexto, a ideia de os Estados Unidos intervirem naquele país pode deixar de ser apenas especulação.

 

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