Estamos numa batalha que continuará a ser travada no tempo que se abre à nossa frente. A IA não será a única a responder pela construção do futuro
Nunca falamos tanto em
inteligência artificial (IA). Ela avançou extraordinariamente. Ocupa espaços
cada vez maiores em todas as áreas da vida, da economia ao entretenimento, da
educação à saúde, da medicina à climatologia e à cultura. Impulsiona e dá nova
qualidade aos processos de automação, à robotização e à internet das coisas.
Em sentido amplo, a IA é um sistema computacional dotado de máquinas capacitadas para executar múltiplas tarefas. Algoritmos e modelos de machine learning possibilitam que as máquinas processem grandes volumes de dados, aprendam com eles e tomem decisões a partir dessa aprendizagem.
A IA é filha da revolução
digital dos nossos tempos. Faz parte de uma prole extensa, que inclui a
internet e os enormes computadores da metade do século 20, os avanços da
microeletrônica, os smartphones, os tablets, os notebooks poderosos, as redes
sociais.
Por isso a revolução digital
é tão impactante. Fez a vida virar de ponta-cabeça. A evolução da IA representa
uma sequência e uma ampliação disso.
Sua presença avassaladora
faz com que fiquemos em parte pasmos e entusiasmados, em parte receosos e
desconfiados. Como os algoritmos podem mimetizar vozes, rostos e
comportamentos, muitos se perguntam se não estaríamos diante de uma ameaça à
humanidade e aos Sapiens. Há “apocalípticos” por todos os lados, que acreditam
que o avanço das novas tecnologias poderá nos escravizar, assim como
“integrados” que só veem a face boa da IA, suas promessas e possibilidades,
apostando em que os humanos aprenderão a conviver com ela e a fazê-la trabalhar
para eles.
É mais razoável seguirmos
uma via intermediária. Há problemas no modo como a IA entra em nossa vida. Ela
abala o trabalho, a educação, revoluciona a medicina. Desafia todos os setores.
Se chegar, por exemplo, a dominar o centro de sistemas vitais (jurídicos,
políticos, eleitorais), roubará poder de decisão dos humanos e tenderá a se
superpor a eles. Isso, no entanto, somente acontecerá se os Sapiens que a
modelam trabalharem nessa direção. Tal risco não derivaria da tecnologia em si,
mas sim de sua utilização pelos humanos. Há demasiados efeitos colaterais não
previsíveis na evolução da IA.
Uma IA autoconsciente, isto
é, capaz de fazer tudo o que fazemos com maior agilidade e eficiência, capaz de
aprender continuamente, interagir emocionalmente com seus usuários e
ultrapassá-los em sabedoria, ainda é algo que flutua no campo da especulação
teórica. Há uma montanha ética pela frente. Ninguém sabe quais obstáculos a
própria IA terá de superar. Porém, supondo que uma IA autoconsciente possa de
fato se configurar, não é inevitável que escape ao nosso controle. Poderemos,
se soubermos, conviver com ela, evoluindo como Sapiens e criando políticas
públicas que a impeçam de nos controlar.
A IA não pode ser
responsabilizada pelo mau uso que se faz das redes sociais. Por trás de toda IA
há operadores humanos, que podem manipular algoritmos para produzir resultados
maliciosos, desinformação e conteúdos tóxicos. A IA lhes obedece.
Em decorrência disso e da
extraordinária concentração de poder das Big Techs, já não sabemos mais como
selecionar informações. As máquinas, com seus algoritmos, fazem isso por nós,
mobilizando nossas emoções e nos empurrando para viver em tribos de pessoas que
pensam como nós. Forçam-nos a achar que nossa turma é melhor do que as outras,
e ficamos todos a flutuar desconectados da realidade.
Medidas legais que limitem a
utilização predatória e arbitrária da IA, como é o caso do Marco da
Inteligência Artificial em votação no Congresso brasileiro, são oportunas. O
fundamental, porém, é que os humanos aprendam a conviver inteligentemente com
máquinas inteligentes, compreendam seu funcionamento e a maneira como são
treinadas, saibam distinguir informação e desinformação.
Processos educacionais
atravessam gerações. Necessitam de tempo para frutificar. Num contexto de
desigualdades agudas, como no Brasil, a aquisição de conhecimentos também é
desigual e requer recursos políticos e governamentais, assim como empatia
daqueles que possuem muito. O arranjo é complexo, mas não é impossível de ser
alcançado. O poder pode ser democraticamente compartilhado, o conhecimento e a
riqueza podem ser distribuídos, a solidariedade pode frutificar.
Arranjos complexos dependem
de atores com disposição para modelá-los e fazê-los acontecer. Isso vale tanto
na grande política e na democracia quanto no universo das escolas, dos
hospitais, das organizações dedicadas ao meio ambiente e ao clima. Tanto na cultura
quanto na produção, nos serviços e no comércio.
2024 termina com a IA em
afirmação. Ainda não sabemos como lidar com ela e instruí-la conforme nossos
desejos e nossas necessidades. Estamos numa batalha que continuará a ser
travada no tempo que se abre à nossa frente. A IA não será a única a responder pela
construção do futuro.
Meus votos são para que, a
partir de 2025, melhoremos nossa capacidade de assimilar a IA e de expandir a
sabedoria humana.
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