segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Consequências econômicas de Trump 2.0 - Simon Johnson*

Valor Econômico

Trump está herdando uma economia forte, mas suas políticas mais emblemáticas farão quase nada de positivo pelos trabalhadores menos escolarizados ou melhorarão significativamente a vida da maioria dos americanos

O segundo governo de Donald Trump começa ao meio-dia de 20 de janeiro. Sua campanha eleitoral ininterrupta desde que perdeu para Joe Biden em 2020 sugere uma reformulação mais bem organizada de seu primeiro mandato, com o mesmo foco nos cortes de impostos para estimular a economia, tarifas mais altas para reformular o comércio dos EUA com o mundo, e a deportação do maior número possível de imigrantes para gerar mais oportunidades para os trabalhadores americanos. Mas os tempos mudaram e é improvável que a realidade corresponda à retórica.

Em 2016, quando Trump conquistou a presidência pela primeira vez, os EUA experimentavam um período prolongado de inflação baixa. O Federal Reserve (Fed) manteve as taxas de juros próximas de zero ao longo de todo o seu governo. Mas desta vez, é bem diferente. A inflação disparou durante a pandemia, e o Fed ainda está em guarda contra um ressurgimento - daí as taxas de juros permanecerem relativamente altas. Os cortes de impostos propostos por Trump implicam um estímulo fiscal para uma economia com baixo nível de desemprego. Qualquer sinal de superaquecimento será enfrentado por uma política monetária ainda mais apertada.

Trump fez barulho sobre mudar a liderança do Fed, mas ele não pode demitir seu presidente, Jerome Powell, sem arriscar incorrer em taxas de juros de longo prazo mais altas e inflação mais alta. Haverá corte de impostos em 2025, principalmente para as pessoas ricas, e a consequente perda de receitas vai minar a sustentabilidade fiscal de longo prazo. Déficits maiores manterão os juros mais altos do que de outra forma eles seriam, e o dólar poderá se fortalecer, criando dificuldades para os exportadores americanos e para os países que têm empréstimos em dólares.

Sobre as tarifas, os líderes mundiais (e os mercados financeiros) entenderam que Trump fala alto e carrega um porrete bem pequeno. Ele sem dúvida imporá ruidosamente algumas tarifas de alto perfil, mas os interesses das empresas americanas começarão a procurar brechas e fazer lobby por exceções. Líderes estrangeiros farão peregrinações a Mar-a-Lago, jogarão golfe e negociarão exceções mútuas (não taxaremos seu bourbon, se você não taxará nosso conhaque, e compraremos mais sistemas de defesa aérea dos EUA).

Trump poderá ignorar todos esses apelos e insistir em tarifas mais altas em todos os setores. Mas isso resultaria em mais retaliações e mais protestos de grandes empresas que hoje o apoiam. A última coisa que Trump quer é causar perdas de empregos em casa, o que poderá acontecer se empresas baseadas nos EUA tiverem que pagar mais pelas importações e perder competitividade nos mercados exportadores. Se os líderes estrangeiros não o fizerem parecer mal no campo de golfe e enfatizar os empregos que suas empresas criam nos EUA (especialmente nos Estados controlados pelos republicanos), tudo estará aberto a uma discussão razoável.

O que os eleitores americanos realmente se importam é com bons empregos e com o custo de vida baixo. Mas a agenda “populista” do presidente eleito - um programa de ilusão sustentado pelo medo de inimigos imaginários - é um fracasso anunciado

Sobre a imigração ilegal, Trump certamente terá impacto. O “muro da fronteira” é uma ilusão sem significado real. Mas Trump já ameaça punir o México e outros países (até mesmo o Canadá) com tarifas elevadas e outras medidas, a menos que eles contenham os imigrantes, e isso terá algum efeito. Trump poderá também ser inteligente o suficiente para relaxar as sanções dos EUA contra a Venezuela, permitindo mais petróleo no mercado mundial e também ajudando a economia venezuelana. Isso reduziria a pressão sobre os venezuelanos para emigrar, ao mesmo tempo em que pressionaria o Irã e a Rússia (ambos dependentes das vendas de petróleo para financiar compras de componentes eletrônicos da China para uso em armas).

Trump poderá ir mais longe e reunir e deportar milhões de pessoas que estão nos EUA ilegalmente. Mas uma deportação em massa prejudicaria grandes setores da economia (como o agrícola e o da construção), alimentaria uma enorme perturbação social e levaria seus aliados empresariais a cortar seus investimentos (e a criação de empregos). Mais uma vez, devemos esperar ver grandiloquência política e manchetes sensacionalistas, mas a realidade não mudará muito (a imigração ilegal já caiu).

Então, o que Trump realmente fará? Ele comprará a Groenlândia (ou o Canada!), ou de alguma forma readquirirá o controle sobre o Canal do Panamá ou reduzirá o apoio dos EUA à Otan? Nenhuma das declarações recentes de Trump sobre esses assuntos é sem sentido, mas elas também não devem ser levadas ao pé da letra. Mais uma vez, Trump quer obter o que ele considera (e o que ele pode retratar como) um acordo “melhor” para os EUA. Se ele não disser o que isso significa agora, significa apenas que ele está aberto a sugestões - ou ele pode simplesmente definir o que quer que seja o ponto final como uma vitória estratégica.

Foi o que aconteceu durante o primeiro governo Trump, quando o Nafta foi renegociado com o México e o Canadá. Trump inicialmente ameaçou rasgá-lo “no primeiro dia”. Mas ele acabou se contentando com pequenas modificações (incluindo a alteração das regras de origem de uma maneira que fosse aceitável para todas as partes) e um rebranding que o transformou no USMCA.

Uma reformulação mais ampla do mundo está em andamento, mas isso não tem nada a ver com o novo governo, que provavelmente não responderá de forma eficaz. Por exemplo, Trump ainda usa uma linguagem belicosa sobre confrontar a China e o Irã, mas ambos já se encontram em más condições econômicas e dificilmente representariam uma ameaça à ordem regional - muito menos à paz internacional. E, como fez em seu primeiro governo, Trump promete se retirar de intervenções estrangeiras (Afeganistão e Iraque antes; Ucrânia agora). Mas a necessidade que a Rússia tem de drones e mísseis para lançar contra a Ucrânia tornou o presidente Vladimir Putin totalmente subserviente à China. Será que Trump (e o Congresso republicano) realmente querem dar a um enfraquecido presidente Xi Jinping uma vitória ilegítima e sangrenta na Ucrânia?

O que os eleitores americanos realmente se importam é com bons empregos e com o custo de vida. Mas a agenda “populista” de Trump - um programa de ilusão sustentado pelo medo de inimigos imaginários - é um fracasso anunciado. Trump está herdando uma economia forte, mas suas políticas mais emblemáticas farão quase nada de positivo pelos trabalhadores menos escolarizados ou melhorarão significativamente a vida da maioria dos americanos. Em vez disso, os ricos ficarão mais ricos, os bilionários ficarão muito mais ricos, e todos os outros provavelmente enfrentarão uma inflação mais alta, cortes nos serviços públicos e os efeitos de uma desregulamentação descontrolada. (Tradução de Mário Zamarian)

*Simon Johnson, Nobel de Economia de 2024 e ex-economista-chefe do FMI, é professor na MIT Sloan School of Management e coautor (com Daron Acemoglu) de “Poder e progresso: Uma luta de mil anos entre a tecnologia e a prosperidade”. 

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