Valor Econômico
Por determinação constitucional e oportunismo, classe política já se movimenta para mudar as regras para a eleição do ano que vem
Começou a segunda metade do governo Lula 3 e
são muitas as indefinições no horizonte. A começar pela batalha relativa às
emendas orçamentárias, que mobiliza a cúpula dos Três Poderes, passando pelas
dúvidas quanto à sustentabilidade do arcabouço fiscal e o teste da autonomia do
Banco Central com uma diretoria alinhada ao presidente num cenário de juros em
elevação, e finalmente chegando às movimentações para a corrida presidencial de
2026, o ano promete fortes emoções.
A única certeza que temos, porém, é que até o dia 4 de outubro o Congresso aprovará uma nova lei que mudará as regras do processo eleitoral brasileiro. Trata-se de um fenômeno tão certo quanto os ciclos lunares, uma vez que a nossa Constituição possui um dispositivo determinando que qualquer lei que altere as regras eleitorais só entra em vigor um ano após a sua publicação (CF, art. 16). O fato de ser uma norma constitucional não quer dizer nada - haja vista a quantidade de comandos de nossa Carta Magna que sequer foram regulamentados e aqueles que, mesmo o sendo, são simplesmente ignorados pelo poder público.
O que garante que tenhamos mudança nas
condições de disputa eleitoral neste ano são o oportunismo e o autointeresse.
Em cada ano ímpar os políticos tratam de mudar a legislação eleitoral para
aumentar as suas chances de obter um novo mandato no pleito do exercício
seguinte.
Em 2021, por exemplo, a “minirreforma
eleitoral” autorizou que os partidos pudessem se associar em federações,
contornando a proibição das coligações. Naquele ano também se permitiu que
parlamentares mudem de partido sem a perda de mandato, desde que tenham a
anuência de sua legenda original.
Quatro anos antes foi criado o Fundo Especial
de Financiamento de Campanha, o famoso fundão, que na época determinou a
alocação de R$ 1,7 bilhão para substituir as doações de empresas. Hoje o
montante já beira os R$ 5 bilhões, e sabe-se lá para quanto os congressistas
elevarão neste ano.
Nem sempre, porém, as reformas eleitorais dos
anos ímpares são ruins. No mesmo ano de 2017, o Congresso aprovou a Emenda
Constitucional nº 97, que vedou a formação de coligações para as eleições
proporcionais (vereadores, deputados estaduais e federais) e também estabeleceu
a cláusula que condiciona o acesso aos recursos do fundo partidário e ao
horário eleitoral “gratuito” apenas às agremiações que atingirem um certo
desempenho nas urnas.
Essas medidas contribuíram para conter a
expansão no número de partidos no Brasil: de 35 siglas registradas em 2017,
hoje são 29 - sendo que, dessas, apenas 21 têm representação na Câmara dos
Deputados. Mas naquele ano vivíamos os efeitos devastadores da Lava-Jato sobre
a classe política, e essas medidas saneadoras responderam a um instinto de
preservação da espécie - a tendência, em geral, responde ao cálculo do
benefício pessoal.
Poderíamos fazer uma arqueologia das mudanças
no Código Eleitoral e na Lei das Eleições (Lei nº 9.504) nos anos que antecedem
votações. O que interessa, contudo, é o que se discute visando ao pleito de
2026.
Até o momento duas propostas estão à
espreita, aguardando a formação de um clima político favorável para sua
aprovação. Não são nenhuma novidade, visto que sempre são lançadas como balões
de ensaio, e algumas já estiveram muito próximas de serem aprovadas em ciclos
recentes: o distritão e a volta das doações de empresas.
Permitir a volta das doações de empresas
interessa à maioria dos partidos, pois a distribuição do bolo do fundão é
desigual, seguindo a lógica do desempenho nas urnas na disputa anterior (no
caso, 2022). Em 2024, enquanto o PL recebeu R$ 886,9 milhões e o PT, R$ 619,9
milhões, o PSD, por exemplo, ficou com “apenas” R$ 421 milhões e o MDB com
“somente” R$ 404 milhões. Permitir a volta das contribuições empresariais,
portanto, pode “nivelar” o jogo, aumentando as chances de ampliação das
bancadas das legendas médias e pequenas com conexões com os meios empresariais.
Já o distritão é um sonho antigo, sobretudo
das siglas menores. Definir o preenchimento das cadeiras segundo o critério do
maior número de votos por candidato enfraquece os partidos com melhor estrutura
e conexão com o eleitorado, além de favorecer os postulantes mais ricos e as
celebridades ou lideranças religiosas, militares ou de categorias
profissionais.
Faz tempo que o dinheiro é determinante para
conseguir um cargo eletivo no Brasil. Com a ampliação do fundão eleitoral e a
proliferação das emendas impositivas, nas eleições de 2022 o número de
deputados federais reeleitos (290) foi 15% superior ao da votação anterior
(252).
Em vez de medidas voltadas para atender ao
interesse próprio dos políticos, a sociedade deveria exigir um sistema
eleitoral que barateasse as campanhas, fortalecendo os partidos e melhorando a
conexão com os eleitores.
Se é para alterar as regras para as eleições
de 2026, que seja pela adoção de listas fechadas ou do voto distrital. Qualquer
coisa diferente disso é oportunismo eleitoral.
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