Folha de S. Paulo
Suspeito é aquele que passa pela frente, e
tome gás de pimenta, tiro pelas costas ou voar da ponte
Confira se essa descrição se aplica a alguma cidade que você conheça. Apesar do luxo de seus quarteirões abastados, ela abriga 2.000 favelas. Nelas, os moradores vivem em casas improvisadas, com puxadinho de tijolo aparente, alugadas do dono do pedaço. As ruas não têm calçamento, o correio não chega, e a luz é fornecida por "gatos". Não há rede de esgotos. Muita gente boa mora ali, mas suas visitas não lhe batem à porta com três dedos —já entram com o pé na porta. Cada favela é controlada por uma facção. Se às vezes a chapa esquenta, com tiros e granadas, é porque esse controle está sendo disputado por outra facção, pela milícia ou pela polícia.
Aos seus jovens habitantes, sem escola, sem
emprego e sem qualquer interesse, resta o manejo de armas, a venda de cocaína e
o progresso na hierarquia do tráfico. Não leem nada. São individualistas,
"empreendedores" e esforçados. Seu vínculo é com a facção a que
pertencem, mas, como variação, sustentam-se como motoboys de restaurantes,
choferes de mototáxi, segurança dos bacanas locais e, agora, operadores de
apostas online. Tudo clandestino —nunca terão carteira assinada nem pagarão
impostos. Por serem tidos como atraentes, promoverão uma ou outra prostituição
na comunidade, usando as meninas que os admiram.
Se você pensou no Rio, onde essas zonas de
conflito estão à mostra, acertou. Se pensou em São Paulo,
onde elas não estão, acertou também. Mas os parágrafos acima são do repórter
americano John Lee Anderson, num número recente da revista The New
Yorker, sobre o presidente argentino Javier Milei.
A cidade que ele descreve é Buenos Aires.
As nossas são parecidas, mas, por causa da
polícia, talvez mais excitantes. Nelas, os tiras têm uma noção particular de
suspeito —é todo aquele que se move na frente deles. Com tão vasto leque de
opções, aspergem gás de pimenta em passantes, agridem senhoras de idade, matam
pelas costas, jogam suspeitos da ponte ou fuzilam carros na presunção de que pais de família
desarmados, jovens bonitas ou bebês a bordo são criminosos.
Com uma polícia dessas para que bandidos?
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