O Globo
Problemas exigem que os governantes dos entes
federados abandonem quaisquer veleidades independentistas
Existem, do ponto de vista estrutural, duas
formas de Estado: os unitários e os compostos. Os primeiros têm um único
governo e não apresentam divisões internas, salvo para fins administrativos.
Como regra, têm pequenas dimensões demográficas ou territoriais e são étnica e
culturalmente homogêneos.
Os Estados compostos, em geral, são
representados pelos estados federais, subdivididos em unidades política e
administrativamente autônomas. Ocorrem em países de grande expressão
territorial ou demográfica e até com expressiva diversidade étnica ou cultural.
A Federação é um fenômeno recente. Surgiu da união das 13 ex-colônias britânicas da América do Norte, que se transformaram em Estados soberanos em 1776, após sua independência da Inglaterra. Em 1787, adotaram uma Constituição comum, abdicando de sua soberania, embora mantivessem considerável grau de autonomia.
Trata-se de uma forma de Estado que assegura
a seus membros as vantagens da unidade, preservando os benefícios da
diversidade. E mais: com o tempo, ela também passou a ser adotada como
instrumento para o aperfeiçoamento da democracia, ensejando não só a desconcentração
do poder político, como maior proximidade do povo com os governantes.
O Brasil, com o fim da Monarquia, adotou a
forma federativa na primeira Constituição republicana de 1891, inspirando-se
nos Estados
Unidos da América. Mas aqui, em vez de surgir da união de
Estados soberanos, a Federação teve origem no desmembramento de um Estado
unitário, fato que alguns estudiosos chamam de “pecado original”. Por isso as
antigas províncias, subitamente transformadas em estados, tiveram de se
contentar com as parcas competências e rendas que lhes foram então atribuídas,
situação que sobrevive até os dias que correm.
Alguns, porém, a partir das Constituições
locais que adotaram, se autodenominaram soberanos, legislaram sobre comércio
interestadual, celebraram tratados com outros países, mantiveram legações
diplomáticas e contraíram dívidas externas, sem autorização do Congresso, além
de outras bizarrices que perduraram por muito tempo.
Desde então, o federalismo brasileiro passou
por momentos de enorme concentração de competências e rendas no nível da União,
como sucedeu durante a ditadura getulista, entre 1937 e 1945, quando o país,
praticamente, se transformou num Estado unitário, com a predominância absoluta
do governo central. Esses períodos foram sucedidos por outros de grande
desconcentração de poderes em favor dos estados e municípios, como ocorreu sob
a Constituição democrática de 1946.
Com a promulgação da “Constituição cidadã” de
1988, adotou-se o “federalismo cooperativo”, em que, ao lado das tradicionais
competências privativas e rendas exclusivas, próprias do modelo tradicional,
outorgaram-se aos estados competências concorrentes em matérias de interesse
comum.
Além disso, ampliaram-se as receitas dos
entes federados, quer pela atribuição de novos tributos, quer pela instituição
dos fundos de participação. Isso não significou, contudo, que os estados
passaram a ser soberanos, como alguns pretendiam na República Velha e, ainda
hoje, surpreendentemente, parecem pretender certos governadores.
Acontece que o mundo mudou radicalmente.
Atualmente, os problemas suscitados pela globalização econômica, pela
emergência climática e pela criminalidade transnacional, dentre outros, exigem
que os governantes dos entes federados abandonem quaisquer veleidades
independentistas ou diferenças político-partidárias e se unam para resolvê-los
de forma cooperativa e civilizada.
*Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça e Segurança Pública e professor sênior da Universidade de São Paulo, presidiu o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior Eleitoral e o Conselho Nacional de Justiça
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