Folha de S. Paulo
Pessimismo com economia cresce no Brasil,
Argentina tolera perda brutal de renda
A animação dos brasileiros com a economia esteve
no nível mais alto de Lula 3
no trimestre final de 2023. Não era grande animação. Em setembro daquele ano,
35% dos entrevistados pelo Datafolha achavam
que "a situação econômica do país" havia melhorado "nos últimos
meses"; para 35%, havia piorado. Um saldo de zero. Desde então, o humor
foi piorando. Na pesquisa de dezembro de 2024, para 22%, a situação havia
melhorado; para 45%, piorado. Um saldo negativo de 23 pontos.
Como tanto já se escreveu nesta coluna, o relativo e crescente desânimo é intrigante.
As comparações são difíceis, situação
anterior e expectativas são muito diferentes, mas intriga também que, na Argentina em
catástrofe social, o prestígio de Javier Milei esteja
bem.
No ano de 2024, até novembro, Milei cortara o
gasto do governo em 27% em relação a 2023 (em termos reais: descontada a
inflação). O valor médio de aposentadorias e outros benefícios previdenciários
baixou 17%. A folha de salários de servidores, em 19%. O investimento em obras
etc., caiu mais de 77%.
No setor privado, o salário médio do
trabalhador informal era, em outubro de 2024, 2,9% menor do que em outubro de
2023 (as perdas acumuladas no ano foram ainda maiores), nas contas deste
jornalista. No setor informal, 2,2% maiores. O salário médio em 2023 era 26%
menor do que em 2013 (dados Fundar-Argendata).
Em dezembro, a nota de Milei andava em 53,2%
do total de pontos, apenas 7,5% abaixo de um ano atrás. Ao final do primeiro
ano de governo, era nota melhor do que a dos governos Cristina
Kirchner 1 e 2, de Mauricio
Macri e de Alberto Fernandez.
Para este jornalista, a popularidade de Milei
cairia com o arrocho terrível. Mas, no fundo de um poço de mais de década, os
argentinos na média têm outra ideia. Parecem aceitar a pancada em troca de
esperança e mudança.
Afora outros horrores de Milei, a Argentina
precisa ainda lidar com o peso artificialmente valorizado, controles cambiais,
reservas internacionais no vermelho, dívida enorme e ora impagável com o FMI,
com o fato de não ter mercado de dívida pública e uma longa lista de problemas
profundos. Mas o arrocho saiu barato, por ora (PIB caindo
de 3% a 3,5% em 2024). O salário médio deve logo voltar ao azul (em relação a
2023). O PIB de 2025 talvez recupere a perda de 2024. Ainda assim, a reação
argentina é intrigante.
No Brasil, a renda (PIB) per capita em 2024
foi a maior desde sempre, depois de uma década de depressão. O salário médio
será o maior. O nível de pobreza será o mínimo histórico. O consumo médio por
pessoa será igual ao do recorde de 2013.
Mas 33% dos brasileiros achavam, em dezembro,
que a situação econômica do país iria melhorar. Em outubro de 2022, quando Lula
foi eleito, eram 62%.
A expectativa de que a inflação aumentaria
era de 39% em fins de 2022. Foi a 54% em setembro de 2023 (mesmo com inflação
anual de alimentos indo então a zero). Subiu a 60% em março de 2024 (quando a
inflação anual baixara a 3,9%). Em dezembro, subiu a 67%.
A "polarização" explica o nível de
desânimo. Em dezembro passado, 52% dos eleitores de Lula achavam que a economia
iria melhorar; para os eleitores de Jair
Bolsonaro, 15%. No entanto, essa "polarização" de voto não
explica a piora média das expectativas, que contrasta com melhoras muito
concretas.
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