sábado, 6 de dezembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Descaso com crise fiscal contamina Orçamento de 2026

Por O Globo

Acordo entre Congresso e governo amplia gastos em ano eleitoral, desprezando custo para o país

O descaso do governo e do Congresso com a crise fiscal ficou flagrante na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026 aprovada nesta semana. É como se, em Brasília, as leis gravitacionais que regem a economia tivessem sido revogadas, e a classe política vivesse num universo paralelo, onde as despesas pudessem subir até a estratosfera, o dinheiro crescesse feito mato em meio à grama da Praça dos Três Poderes, e o contribuinte estivesse sempre disponível para arcar com tudo, sem custo para o crescimento e o desenvolvimento do país.

Os congressistas obtiveram do Executivo o compromisso de pagar até junho R$ 26,5 bilhões dos R$ 40,8 bilhões previstos em emendas parlamentares — ante não mais de R$ 9,2 bilhões nos últimos anos. Também reajustaram o Fundo Partidário já bilionário em até 2,5% acima da inflação. E ainda conseguiram aval para realizar doações de bens mesmo durante o período eleitoral, mediante contrapartidas meramente protocolares.

Em troca, o governo também obteve o que queria: autorização para gastar, fora das regras do arcabouço fiscal, até R$ 10 bilhões além da meta de prejuízo estipulada para as estatais (R$ 6,8 bilhões). E conseguiu aval do Legislativo para, em vez do superávit primário de R$ 34,3 bilhões estipulado na LDO, mirar no superávit zero. Isso mesmo. A meta passou a ser mera fantasia.

A autorização era necessária para satisfazer à exigência que o Tribunal de Contas da União (TCU) criou na semana passada, depois de voltar atrás numa decisão de setembro que constatava o óbvio: o governo precisava mirar no centro da meta, e não no piso. O intervalo de 0,25% do PIB em torno da meta existe para dar uma margem de segurança que acomode imprevistos, e não pode ser usado no planejamento. Ou não podia. Agora, com autorização do Parlamento e aval do TCU, pode.

No universo paralelo de Brasília, o Planalto conta com a complacência do TCU e de um Congresso perdulário, que volta e meia cria exceções para excluir gastos das regras fiscais. Depois das despesas com militares e dos gastos de estatais no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Senado abriu mais uma exceção para gastos temporários em saúde, educação e empréstimos internacionais.

A LDO completou a bondade com mais R$ 10 bilhões para as estatais. Mesmo tal espaço poderá ser insuficiente para cobrir as perdas inacreditáveis previstas para os Correios. De janeiro a setembro, o resultado negativo somou R$ 6,1 bilhões, quase o triplo do registrado em 2024. A previsão é que o prejuízo alcance R$ 10 bilhões neste ano. Depois do fracasso da tentativa de tomar R$ 20 bilhões emprestados no mercado para sanear a empresa, a ideia agora é o próprio Tesouro injetar recursos na estatal, daí a necessidade do alívio orçamentário. Graças a uma alquimia jurídica referendada por decreto presidencial, o governo poderá fazer isso sem transformar os Correios oficialmente em estatal dependente do Tesouro, embora a situação seja idêntica.

O governo perde tempo e desperdiça dinheiro do contribuinte na tentativa irracional de manter os Correios sob o controle do Estado. Para quem vive no mundo real, é evidente que a empresa precisa de um forte ajuste para ser privatizada. No universo paralelo de Brasília, porém, sempre é possível dar uma nova pirueta para fingir que os gastos podem subir ainda mais — até o dia da queda inevitável e fulminante.

É urgente conter avanço do crime organizado sobre território do Rio

Por O Globo

Um terço da população da Região Metropolitana está sob o jugo de milícias ou facções, constata estudo

É cada vez mais preocupante o avanço do crime organizado sobre o território do Estado. Na Região Metropolitana do Rio, cerca de 4 milhões de moradores viviam em 2024 sob controle ou influência de grupos armados como milícias e facções criminosas — ou mais de um terço da população e 18% da área urbanizada, segundo levantamento do Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF) e do Instituto Fogo Cruzado. Desde 2007, o contingente de cidadãos sob o jugo do crime aumentou 59,4%, e a superfície dominada cresceu 130%.

Quando se considera apenas a capital fluminense, os números são ainda mais assustadores. No ano passado, 42,4% da população e 31,6% da superfície urbana estavam sob domínio de grupos armados. Pesquisadores afirmam que ao menos 36,3% dos cidadãos estavam submetidos a um “controle efetivo”, em que a organização criminosa extrai recursos econômicos de atividades ilegais e dita normas de conduta ou padrões de comportamento. Nesses bairros e comunidades, os criminosos achacam moradores, cobram taxas sobre serviços essenciais, impõem monopólio sobre sinais de TV e internet pirateados, barram a entrada de concessionárias, adotam leis marciais com “tribunais” próprios e chegam a criar normas de vestuário. O Estado não pode tolerar isso. Não é aceitável que a população viva sob as regras dos bandidos.

Combater esses grupos criminosos se tornou um desafio enorme em decorrência do impressionante poderio bélico das quadrilhas e da extensão das áreas ocupadas. Mas o Estado não tem outra alternativa a não ser enfrentá-los. Embora tenham a missão constitucional de combate ao crime, sozinhos, os governos estaduais não darão conta da tarefa. É imprescindível não apenas a ajuda, mas o protagonismo do governo federal, uma vez que as facções atuam em todo o país e até no exterior.

É positivo que o governo fluminense tenha posto em prática um plano para derrubar as barricadas erguidas por traficantes na Região Metropolitana delimitando seus domínios e impedindo a entrada da polícia. Mas, sem ajuda das forças federais, essas operações tendem a ter efeito limitado para acuar os bandidos. E ainda falta um plano consistente de reocupação do território, com melhorias urbanas e oferta de serviços públicos.

Também é essencial modernizar a legislação, que não dá conta de reprimir esses grupos sanguinários. É fundamental acelerar a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança e do Projeto de Lei Antifacção, ambos no Congresso. A PEC amplia a participação do governo federal no combate ao crime organizado e propõe maior integração entre as diversas forças. O PL prevê penas mais duras para os crimes cometidos por integrantes de facções. O flagelo das organizações criminosas não atinge apenas o Rio, é problema que afeta todo o país. Diante da eloquência dos números, mudanças na legislação e ações contra os grupos criminosos devem ser tratadas como prioridade absoluta.

Juro alto expõe ilusão do crescimento com gastança

Por Folha de S. Paulo

PIB teve expansão com despesa pública, reduzindo pobreza, mas desacelera devido ao aperto monetário para conter inflação

Para avançar de modo sustentável, país precisa de reforma orçamentária, melhoria educacional e boa regulação do ambiente de negócios

Apenas em 2024 o PIB per capita brasileiro ultrapassou, e por pouco, o valor até então recorde registrado no longínquo 2013. A partir de 2022, a economia entrou em trajetória de recuperação surpreendente.

O impulso da atividade e o aumento dos benefícios assistenciais e previdenciários acabaram por reduzir a pobreza no ano passado às menores taxas registradas na Síntese de Indicadores Sociais do IBGE com início em 2012. De lá para cá, o rendimento no décimo mais pobre da população foi o que mais cresceu, 52,3%.

É um sucesso relativo, no entanto. O rendimento domiciliar per capita médio desse décimo da população ainda era de R$ 248 por mês a preços de 2024. Ressalte-se que os extremamente pobres, 3,5% dos brasileiros, são os com rendimento domiciliar per capita de R$ 218 ou menos; para os pobres, 23,1% da população, são R$ 694 ou menos.

Entre as pessoas ocupadas, 11,9% são pobres; entre as desocupadas, 47,6%. Simulação do IBGE mostra que o índice de Gini, que mede a desigualdade de 0 a 1, sobe de 0,502 para 0,542 quando se desconsideram benefícios como Bolsa Família, BPC e outros.

Tais números indicam que, embora necessários e relevantes, os auxílios sociais não dão conta da redução da pobreza e da disparidade escandalosa no país. O avanço do trabalho, que depende do avanço do PIB, é crucial.

A atual taxa de desemprego é a menor da série histórica, iniciada em 2012. O resultado se deve em parte ao crescimento econômico, a efeitos difusos da assistência governamental em regiões pobres e, na hipótese de economistas, aos efeitos da reforma da CLT e de novas demandas e ofertas de trabalho, como no caso dos trabalhadores de plataformas. Se não é condição suficiente para melhorias na renda, o crescimento é imprescindível.

A economia atualmente desacelera sob impacto do forte aperto monetário do Banco Central, que tenta conter o superaquecimento, evidente em preços e déficit externo. A recente alta cíclica foi exagerada pelo excesso de gasto público promovido pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Setores mais sujeitos ao efeito dos juros cavalares crescem minimamente agora. O PIB é empurrado por exportações, petróleo e agropecuária. Este segundo semestre deve ser de quase estagnação da atividade.

No ano passado, a expansão da renda nacional foi de 3,4%; neste, deve ficar em torno de 2,2%. No curto prazo, é o esperado. Para que o ritmo seja mais acelerado, sustentável e menos volátil, o país precisa de reforma orçamentária, desenvolvimento educacional e científico, racionalização do mundo dos negócios, revisão e incremento de políticas sociais e avanço na justiça tributária.

Aquecer a demanda por meio do aumento contínuo do gasto público é estratégia que só dá resultados de curto prazo, ilusórios. Cedo ou tarde, como se vê, vêm inflação e juros nas alturas, que interrompem a bonança.

Impasse sobre Ucrânia escancara impotência da Europa

Por Folha de S. Paulo

Putin retoma controle da negociação com Trump; aliados de Kiev assistem à crise sem muitas opções

A UE apresentou planos para usar reservas russas congeladas e eliminar compra de gás russo, mas nada disso incomoda Putin ou Trump agora

No dia seguinte à reunião em que Vladimir Putin reafirmou suas demandas para encerrar a Guerra da Ucrânia a negociadores americanos, o secretário-geral da Otan resumiu candidamente a situação.

"Só existe uma pessoa no mundo inteiro capaz de romper esse impasse. Essa pessoa é o presidente americano, Donald Trump", afirmou na quarta (4) o belicoso holandês Mark Rutte.

O chefe da aliança militar ocidental está certo, mas o corolário da assertiva talvez não seja maior pressão dos EUA sobre a Rússia. A esta altura, parece mais fácil Trump ceder à posição de Putin ou deixar a Ucrânia e seus aliados europeus à míngua.

De todo modo, salta aos olhos a impotência da Europa ante a crise, com líderes manietados ensaiando reações duvidosas.

Na mesma quarta, a União Europeia (UE) apresentou um plano para lastrear empréstimo que cobriria as despesas de Kiev nos dois próximos anos com R$ 1,3 trilhão em reservas cambiais russas congeladas em seu território.

A grande maioria dos recursos está na Bélgica, contrária ao mecanismo por temer ser exposta a processos. A Rússia denuncia a medida como roubo e promete retaliar, enquanto a UE tenta driblar os membros que forem contra avocando uma cláusula de emergência fantasiosa para suprimir a exigência de consenso.

É incerto o que irá ocorrer, mas as fissuras no edifício europeu são visíveis. O mesmo pode ser dito sobre a definição do fim da compra de gás russo até 2027, anunciada no mesmo dia, a que Hungria e Eslováquia se opõem.

Nada disso irá incomodar Putin ou Trump agora, em especial com o autocrata russo demonstrando fé nos avanços militares para mutilar a Ucrânia e torná-la neutra. Os russos demonstraram resiliência ante as sanções, e apenas medidas ainda mais radicais operadas pelo americano podem ter algum impacto.

Mas o presidente dos EUA não demonstra apetite para isso, apesar de ter dado advertência contra petroleiras russas no mês passado. A tese da desistência, sob esse prisma, ganha corpo.

Trump interrompeu o fluxo de armamentos para Kiev e obrigou os europeus a comprá-los dos EUA, caso queiram continuar a ajuda. A indústria de defesa continental não dá conta do volume da guerra, como o demonstra a corrida de países para se rearmar.

A Alemanha deixou seu pacifismo pós-Segunda Guerra para embarcar num plano de mais de R$ 2 trilhões em projetos militares. A Otan vê guerra com Moscou até 2030, talvez antes. O tempo corre contra os europeus.

O acordão eleitoral

Por O Estado de S. Paulo

Governo Lula e Congresso chegam a acordo para mudar a legislação e fingir que cumprem a meta fiscal, garantindo espaço para gastos e emendas parlamentares a poucos meses das eleições

Acabou a hipocrisia. Depois de muito se estranharem ao longo dos últimos meses, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva e o Congresso Nacional chegaram a um acordo que garantirá a todos atravessar o ano eleitoral de 2026 com bastante conforto. Lula conseguiu aval do Legislativo para ignorar o centro da meta fiscal e se contentar com seu limite inferior. Deputados e senadores, por sua vez, conquistaram, de forma inédita, um calendário que garante o pagamento de mais da metade das emendas parlamentares até o fim do primeiro semestre.

O pacto comprova que a preocupação com a meta fiscal, em Brasília, vai só até a página três. O governo reclamava da rigidez do antigo teto de gastos e decidiu criar seu próprio arcabouço fiscal, mas boicotou a âncora desde o início e enfraqueceu seus dispositivos para poder gastar mais.

Já o Congresso cobrava austeridade do governo e a apresentação de medidas para reduzir gastos, mas mudou de ideia assim que viu a possibilidade de que seus interesses fossem afetados. Uma vez que perseguir o centro da meta significaria reduzir o envio de emendas para suas bases e, portanto, suas chances eleitorais, os parlamentares aceitaram de bom grado que o alvo a ser perseguido fosse o piso.

A encenação, no entanto, não seria completa sem a participação do Tribunal de Contas da União (TCU). Em setembro, os ministros daquela corte avisaram ao governo que a busca do piso da meta fiscal, em vez do centro, desrespeitava as normas fiscais, uma vez que o limite inferior da banda deveria ser utilizado para acomodar despesas imprevistas decorrentes de situações atípicas, como o socorro após as enchentes no Rio Grande do Sul e a ajuda a exportadores pelo tarifaço dos Estados Unidos.

Mas o governo, em vez de ajustar-se à legislação, preferiu alterá-la. Assim, inseriu no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2026 um dispositivo que autoriza expressamente a busca do piso inferior da meta, em vez de seu centro. Agora, o prometido superávit primário de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), que exigiria um saldo positivo entre receitas e despesas de R$ 34,3 bilhões, será apenas para inglês ver.

Na prática, o governo poderá dizer que cumpriu a meta fiscal mesmo que registre um déficit de R$ 23,3 bilhões. Desautorizado, o TCU teve de reconhecer que a busca do piso da meta é uma estratégia arriscada tendo em vista o objetivo de manter a dívida pública em níveis sustentáveis, mas não mais ilegal.

Mesmo esse déficit não traduzirá a real situação das contas públicas, pois várias despesas, como já se tornou tradição, não serão contabilizadas. A novidade é que, para chegar a esse número, o Executivo poderá excluir até mesmo o déficit de estatais. Essa medida tem como alvo os Correios, cujos rombos crescentes e sem sinal de reverão obrigariam o Executivo a contingenciar outros gastos – como as intocáveis emendas parlamentares – para cumprir a meta fiscal.

Como o governo não quer cortar despesas e o Congresso não queria abrir mão das emendas, o déficit dos Correios ficará fora do cálculo, desde que a empresa aprove um plano de reequilíbrio econômico-financeiro. E, mesmo que a meta seja extrapolada, o governo não precisará mais compensá-la. Partindo dessa premissa, já se pode imaginar o quão longe do necessário estará o plano de saneamento dos Correios, o que talvez explique por que os bancos tenham pedido juros tão altos para emprestar R$ 20 bilhões à empresa, mesmo com garantia da União.

Em troca dessas valiosas concessões, o Congresso cobrou um preço alto. Além de terem elevado o valor das emendas de R$ 40 bilhões para R$ 52 bilhões em 2026, nada menos que 65% das emendas individuais, Pix e de bancada – cerca de R$ 12,6 bilhões – terão de ser pagas nos seis primeiros meses do ano, convenientemente a três meses da disputa eleitoral. Podia ter sido pior, pois o Congresso chegou a pedir 100%.

De nada valerá ter cumprido a meta fiscal sem que se tenha estabilizado a trajetória da dívida pública. Mas governo e Congresso estão dispostos a fingir que está tudo bem até outubro de 2026.

A Câmara debocha do Brasil

Por O Estado de S. Paulo

A indulgência com deputados condenados em caráter definitivo expõe a lógica da autopreservação que grassa na Casa e humilha os brasileiros decentes que seus representantes insistem em ignorar

A Câmara tem submetido o País a um constrangimento diário ao insistir em manter em seus quadros deputados cujos mandatos ferem frontalmente a Constituição e a própria dignidade da Casa. São os casos cristalinos de Carla Zambelli (PL-SP) e Alexandre Ramagem (PL-RJ), ambos condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com trânsito em julgado, a penas de prisão em regime fechado. Uma Casa Legislativa que faz da Lei Maior letra morta debocha do Brasil decente.

A Constituição, em seu art. 55, é explícita: “perderá o mandato” o deputado ou senador que “sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado”. Não há ambiguidades, não há margem para interpretações elásticas. É um comando. O constituinte originário escolheu um tempo verbal categórico, afastando a ideia de que a perda do mandato dependeria de juízo discricionário dos pares do parlamentar condenado sem possibilidade de recurso. O parágrafo 2.º do mesmo dispositivo, que prevê decisão da Câmara, por maioria absoluta, tem função meramente burocrática, não a de transformar uma decisão judicial em objeto de barganha política.

Não obstante, a Câmara parece crer que tem poder de instância revisora do STF, como se lhe coubesse reapreciar provas e relativizar condenações definitivas. Nesse sentido, o parecer do deputado Diego Garcia (Republicanos-PR), relator do processo de cassação de Zambelli na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), é uma vergonha. Garcia sustenta que haveria “dúvida profunda, grave e legítima” sobre a participação da indigitada nos crimes pelos quais foi condenada. Em primeiro lugar, a cassação é um processo político. Não tem o condão de reapreciar provas trazidas aos autos do processo judicial. Ademais, Zambelli está presa na Itália, para onde fugiu, fato cabal que atesta a inexistência de condições morais e políticas para que esta senhora continue deputada.

O caso de Ramagem é igualmente escandaloso. Condenado a 16 anos e um mês de prisão, em regime fechado, por sua participação na recente tentativa de golpe de Estado, o criminoso fugiu para os EUA com o confessado objetivo de escapar da pena. As autoridades brasileiras avaliam solicitar sua extradição e a inclusão de seu nome na difusão vermelha da Interpol. Debalde. Sob a tibieza do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que desonra o cargo, Ramagem segue formalmente no exercício do mandato.

A desordem institucional na Casa é ainda mais estupefaciente quando se observa que tanto Ramagem quanto Eduardo Bolsonaro (PL-SP) – também foragido nos EUA desde março para evitar responder por seus atos perante a Polícia Federal e o STF – apresentaram emendas ao Orçamento de 2026 que somam mais de R$ 80 milhões. É simplesmente inaceitável que deputados fugitivos da Justiça continuem direcionando verbas públicas e exercendo prerrogativas próprias de representantes da sociedade.

Diante desse descalabro, coube ao ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, relembrar que para tudo há limites, até para o escárnio. Em decisão proferida no dia 4 passado, Dino determinou que o Executivo está proibido de “receber, apreciar, encaminhar, liberar, executar quaisquer novas propostas ou indicações relativas a emendas parlamentares” de Ramagem e Eduardo Bolsonaro. Como sublinhou o ministro, “é de clareza solar que uma emenda parlamentar de autoria de um deputado permanentemente sediado em outro país é revestida de evidente e insanável impedimento de ordem técnica”, violando os princípios constitucionais da legalidade e da moralidade.

É constrangedor que tenha sido necessário o STF intervir para impedir a concretização de um absurdo. Se a Câmara tivesse mais zelo por sua credibilidade e mais respeito pelo Brasil, já teria afastado os três deputados que hoje encarnam uma afronta direta à representação popular no Legislativo. Ao não fazê-lo, a Casa revela que se move por um corporativismo que chega às raias do compadrio.

Aos brasileiros decentes, que trabalham, pagam impostos escorchantes e respeitam as leis e a Constituição, resta assistir a esse espetáculo chinfrim de autoindulgência protagonizado por representantes que insistem em ignorá-los.

Os intocáveis

Por O Estado de S. Paulo

Caso do youtuber condenado por criticar Flávio Dino mostra um Judiciário autoritário e corporativista

A condenação criminal de Bruno Aiub, conhecido como Monark, pelo Tribunal Regional Federal da 3.ª Região por chamar Flávio Dino, então ministro da Justiça e hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), de “tirânico” e “gordola” diz menos sobre os modos do youtuber e mais sobre a instituição que excretou essa sentença. Quem exerce o poder se expõe voluntariamente ao criticismo social. O ordenamento jurídico brasileiro é explícito: autoridades têm o dever de tolerar mais críticas. Hoje, porém, a sensibilidade dos ministros transformou-se numa espécie de direito fundamental.

O caso é apenas a fotografia de um filme mais tenebroso: um Judiciário que passou de guardião das liberdades a vanguarda do autoritarismo. Desde o inquérito das fake news, o STF arrogou para si o papel de polícia de opinião. Censurou matérias jornalísticas, derrubou perfis inteiros e impôs um regime de vigilância política que o Congresso jamais aprovou. Não é que o Judiciário julgue excessos do Estado: ele próprio se tornou o excesso.

A condenação de Monark por injúria expõe a crescente hostilidade da magistratura à liberdade de expressão. Quando uma juíza federal afirma que críticas duras a um ministro “abalam a confiança nas instituições”, ela inverte o fundamento da democracia. A confiança nas instituições só existe quando seus integrantes suportam o dissenso, não quando o suprimem. A condenação da jornalista Rosane de Oliveira e do jornal Zero Hora a pagar R$ 600 mil por divulgar dados públicos do salário de uma desembargadora mostra que o problema não é episódico: é sistêmico.

Ambos os casos expõem, por sinal, outro ingrediente desse caldo tóxico: o corporativismo togado. Ministros protegem ministros, tribunais blindam tribunais e qualquer crítica é tratada como “ataque à democracia”. A personalidade dos juízes transforma-se em extensão da própria ordem constitucional. A pretexto de tutelar “213 milhões de pequenos tiranos soberanos”, na infame expressão da ministra Cármen Lúcia, o STF encoraja o destempero de grandes tiranos, blindados por togas e por um sistema que não admite contestação.

Flávio Dino, por sinal, já chamou Jair Bolsonaro de “serial killer” e “genocida”, e acusou o Congresso inteiro de cometer um “golpe”, referindo-se ao impeachment da presidente Dilma Rousseff. Pelos critérios usados no caso contra Monark, essas declarações seriam qualificadas como “ataque às instituições”. Mas o peso da lei – e da moral – no Brasil varia conforme o endereço institucional de quem fala. Quando Dino calunia, é política; quando Dino é o alvo, vira crime.

O Judiciário está se tornando a passos largos um poder que pune antes que haja tipificação, censura antes de julgar e se protege antes de proteger direitos. Quando juízes criminalizam quem os critica, deixam de ser guardiões da Constituição e tornam-se arquitetos de sua destruição.

O Brasil não precisa de magistrados que se blindem da opinião pública. Precisa de magistrados que a suportem e a respeitem. Precisa, acima de tudo, que os representantes eleitos de seus 213 milhões de cidadãos os defendam dos tiranos togados.

Crescimento do Brasil passa pelo Nordeste

Por Correio Braziliense

A conclusão é de que a região está entre as soluções das dificuldades nacionais, sobretudo quando a transição energética passou a ser exigência diante das mudanças climáticas

No ranking nacional de crescimento econômico em 2024, o Nordeste (4,1%) ficou na terceira posição, atrás do Norte (4,8%) e Sul (4,2%). A Resenha Regional do Banco do Brasil, divulgada no início de 2025, revelou que a economia do Nordeste teve um crescimento, no ano passado, superior ao da média nacional, com um aumento de 3,8% no Produto Interno Bruto (PIB), superior ao índice nacional de 3,5%.

Não à toa, o debate Os avanços do Nordeste em prol de uma região forte, integrada e competitiva, promovido quinta-feira pelos Diários Associados em Brasília, reconheceu que é preciso investir em infraestrutura na região, de modo que os estados-membros também possam usufruir e crescer social e economicamente. Ao apostar no Nordeste, o governo brasileiro estará alavancando o crescimento de todo o país.

Esse entendimento foi consensual durante o debate em Brasília. A conclusão é de que a região está entre as soluções das dificuldades nacionais, sobretudo quando a transição energética passou a ser exigência diante das mudanças climáticas.

O Nordeste brasileiro tem o maior potencial de energia eólica e solar: acumula 68% da capacidade de geração de energia renovável. Possui uma vantagem estratégica que pode atrair indústrias na corrida pela descarbonização. Mas a falta de infraestrutura adequada impede que ocorra essa virada, alertam especialistas no tema.

O ministro da Previdência, Wolney Queiroz, ao defender a continuidade das políticas públicas direcionadas à região, afirmou que basta investir e dar condições ao Nordeste de se desenvolver. Para o deputado federal Pedro Campos (PSB-PE), é preciso dissociar da região a imagem de seca, perpetuada ao longo de décadas. Reconheceu que os investimentos e incentivos dados à região nos últimos anos promoveram uma melhora no cenário local. Mas ainda há muito a fazer.

O secretário de Governança Fundiária, Desenvolvimento Territorial e Socioambiental do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Moisés Savian, destacou os desafios para incentivar a produção agrária familiar no Nordeste, como a disponibilização de crédito e a adaptação ao clima semiárido, e a importância do desenvolvimento da agricultura familiar para o restante da sociedade. "Se o campo vai bem, a cidade vai bem. Isso pode não ser verdade para as grandes cidades, que têm indústrias, têm serviços, mas certamente é verdade para as pequenas cidades", discursou o secretário durante a abertura do CB.Debate.

"O Nordeste não é problema, é a solução", afirmou Rogério Sobreira, economista chefe do Banco do Nordeste (BNB). Embora reconheça que a região tem problemas, ele garantiu que a "ideia do Nordeste coitadinho realmente passou". Mas reconheceu a necessidade de urbanização das cidades, a expansão da fronteira agrícola e a produção de energia limpa. Essas iniciativas estão, na visão do economista, entre as grandes oportunidades do futuro para a região.

Há poucos dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que o governo terá como foco o Nordeste. A expectativa é de que o presidente anuncie políticas públicas e investimentos que atendam às reais necessidades da região. O desenvolvimento do Nordeste não supre apenas as demandas da região, mas é um fator indispensável para o Brasil.

Ao investir na infraestrutura do Nordeste, romper com as profundas desigualdades sociais e econômicas e propiciar qualidade de vida às populações, o impacto não ficará circunscrito à região. Significará um passo largo para que o Brasil alcance o patamar de nação desenvolvida

Decisão de Mendes aumenta tensão com o Congresso

Por O Povo (CE)

O expediente que o ministro usou para modificar a lei sugere uma "blindagem" indevida aos integrantes do STF

As tensas relações entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF) ficaram ainda mais abaladas com uma decisão do ministro Gilmar Mendes expedida na quarta-feira.

Ele suspendeu vários artigos da Lei do Impeachment, de 1950. A decisão liminar foi proferida nas arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs), movidas pelo partido Solidariedade e pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). O tema seguiu para julgamento no plenário virtual do Supremo.

Como está registrado no portal do STF, o ministro explicou sua decisão afirmando que "vários trechos da legislação, de 1950, não foram recepcionados pela Constituição. Entre eles estão o quórum necessário para a abertura de processo de impeachment contra ministros do STF; a legitimidade para apresentação de denúncias e a possibilidade de se interpretar o mérito de decisões judiciais como conduta típica de crime de responsabilidade".

Não se trata, por ora, de analisar o mérito da decisão do ministro, mas o expediente que Mendes usou para modificar a lei foi equivocado, sugerindo uma "blindagem" indevida aos integrantes do STF. Entretanto, é preciso reconhecer que a lei precisa ser reformulada, pois tornou-se obsoleta com a promulgação da Carta de 1988, o que o Congresso já deveria ter feito.

Também é verdade que partidos de direita cultivam ameaças de impeachment como uma tentativa de intimidação contra os ministros. Esses setores não apresentaram um único indício que justifique o impedimento de qualquer ministro, a não ser divergências ideológicas e políticas, quanto ao resultado de julgamentos, o que não pode ser critério para o afastamento.

No entanto, Mendes conseguiu um fato raro: unir as críticas da oposição e da situação contra ele. O líder da oposição na Câmara dos Deputados, Luciano Zucco (PL-RS), classificou a medida como "ruptura" constitucional. Para o líder do governo no Congresso Nacional, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a decisão de Mendes confere tratamento desigual entre a cúpula do Judiciário e do Executivo.

O advogado-geral da União, Jorge Messias, pediu que Gilmar Mendes reconsiderasse a sua decisão, suspendendo seus efeitos até o julgamento pelo plenário da Corte. Mendes negou o pedido nesta quinta-feira.

Messias é o indicado do presidente Lula para assumir vaga aberta no STF, necessitando da aprovação do Senado. Ele usou o momento para fazer um gesto de pacificação à Câmara Alta, que demonstra resistência ao seu nome.

Por sua vez, o Congresso, que agora critica a decisão do ministro, reclamando de "invasão de competência" — como fez o presidente do Senado Davi Alcolumbre (União-AP) —, não encontrou tempo para deliberar sobre o assunto, pelo menos desde os anos 1990, quando a lei começou a ser questionada. Quanto à atual legislatura, ela vai para o seu último ano, sem tocar no assunto, até agora. Se os parlamentares houvessem feito a lição de casa, a polêmica teria sido evitada.

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