Descaso com crise fiscal contamina Orçamento de 2026
Por O Globo
Acordo entre Congresso e governo amplia
gastos em ano eleitoral, desprezando custo para o país
O descaso do governo e do Congresso com a crise fiscal ficou flagrante na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026 aprovada nesta semana. É como se, em Brasília, as leis gravitacionais que regem a economia tivessem sido revogadas, e a classe política vivesse num universo paralelo, onde as despesas pudessem subir até a estratosfera, o dinheiro crescesse feito mato em meio à grama da Praça dos Três Poderes, e o contribuinte estivesse sempre disponível para arcar com tudo, sem custo para o crescimento e o desenvolvimento do país.
Os congressistas obtiveram do Executivo o
compromisso de pagar até junho R$ 26,5 bilhões dos R$ 40,8 bilhões previstos em
emendas parlamentares — ante não mais de R$ 9,2 bilhões nos últimos anos.
Também reajustaram o Fundo Partidário já bilionário em até 2,5% acima da
inflação. E ainda conseguiram aval para realizar doações de bens mesmo durante
o período eleitoral, mediante contrapartidas meramente protocolares.
Em troca, o governo também obteve o que
queria: autorização para gastar, fora das regras do arcabouço fiscal, até R$ 10
bilhões além da meta de prejuízo estipulada para as estatais (R$ 6,8 bilhões).
E conseguiu aval do Legislativo para, em vez do superávit primário de R$ 34,3
bilhões estipulado na LDO, mirar no superávit zero. Isso mesmo. A meta passou a
ser mera fantasia.
A autorização era necessária para satisfazer
à exigência que o Tribunal de Contas da União (TCU) criou na semana passada,
depois de voltar atrás numa decisão de setembro que constatava o óbvio: o
governo precisava mirar no centro da meta, e não no piso. O intervalo de 0,25%
do PIB em torno da meta existe para dar uma margem de segurança que acomode
imprevistos, e não pode ser usado no planejamento. Ou não podia. Agora, com
autorização do Parlamento e aval do TCU, pode.
No universo paralelo de Brasília, o Planalto
conta com a complacência do TCU e de um Congresso perdulário, que volta e meia
cria exceções para excluir gastos das regras fiscais. Depois das despesas com
militares e dos gastos de estatais no Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC), o Senado abriu mais uma exceção para gastos temporários em saúde,
educação e empréstimos internacionais.
A LDO completou a bondade com mais R$ 10
bilhões para as estatais. Mesmo tal espaço poderá ser insuficiente para cobrir
as perdas inacreditáveis previstas para os Correios. De janeiro a setembro, o
resultado negativo somou R$ 6,1 bilhões, quase o triplo do registrado em 2024.
A previsão é que o prejuízo alcance R$ 10 bilhões neste ano. Depois do fracasso
da tentativa de tomar R$ 20 bilhões emprestados no mercado para sanear a
empresa, a ideia agora é o próprio Tesouro injetar recursos na estatal, daí a
necessidade do alívio orçamentário. Graças a uma alquimia jurídica referendada
por decreto presidencial, o governo poderá fazer isso sem transformar os
Correios oficialmente em estatal dependente do Tesouro, embora a situação seja
idêntica.
O governo perde tempo e desperdiça dinheiro
do contribuinte na tentativa irracional de manter os Correios sob o controle do
Estado. Para quem vive no mundo real, é evidente que a empresa precisa de um
forte ajuste para ser privatizada. No universo paralelo de Brasília, porém,
sempre é possível dar uma nova pirueta para fingir que os gastos podem subir
ainda mais — até o dia da queda inevitável e fulminante.
É urgente conter avanço do crime organizado
sobre território do Rio
Por O Globo
Um terço da população da Região Metropolitana
está sob o jugo de milícias ou facções, constata estudo
É cada vez mais preocupante o avanço do crime
organizado sobre o território do Estado. Na Região Metropolitana do Rio, cerca
de 4 milhões de moradores viviam em 2024 sob controle ou influência de grupos
armados como milícias e facções criminosas — ou mais de um terço da população e
18% da área urbanizada, segundo levantamento do Grupo de Estudos de Novos
Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF) e do Instituto Fogo
Cruzado. Desde 2007, o contingente de cidadãos sob o jugo do crime aumentou
59,4%, e a superfície dominada cresceu 130%.
Quando se considera apenas a capital
fluminense, os números são ainda mais assustadores. No ano passado, 42,4% da
população e 31,6% da superfície urbana estavam sob domínio de grupos armados.
Pesquisadores afirmam que ao menos 36,3% dos cidadãos estavam submetidos a um
“controle efetivo”, em que a organização criminosa extrai recursos econômicos
de atividades ilegais e dita normas de conduta ou padrões de comportamento.
Nesses bairros e comunidades, os criminosos achacam moradores, cobram taxas
sobre serviços essenciais, impõem monopólio sobre sinais de TV e internet
pirateados, barram a entrada de concessionárias, adotam leis marciais com
“tribunais” próprios e chegam a criar normas de vestuário. O Estado não pode
tolerar isso. Não é aceitável que a população viva sob as regras dos bandidos.
Combater esses grupos criminosos se tornou um
desafio enorme em decorrência do impressionante poderio bélico das quadrilhas e
da extensão das áreas ocupadas. Mas o Estado não tem outra alternativa a não
ser enfrentá-los. Embora tenham a missão constitucional de combate ao crime,
sozinhos, os governos estaduais não darão conta da tarefa. É imprescindível não
apenas a ajuda, mas o protagonismo do governo federal, uma vez que as facções
atuam em todo o país e até no exterior.
É positivo que o governo fluminense tenha
posto em prática um plano para derrubar as barricadas erguidas por traficantes
na Região Metropolitana delimitando seus domínios e impedindo a entrada da
polícia. Mas, sem ajuda das forças federais, essas operações tendem a ter
efeito limitado para acuar os bandidos. E ainda falta um plano consistente de
reocupação do território, com melhorias urbanas e oferta de serviços públicos.
Também é essencial modernizar a legislação, que não dá conta de reprimir esses grupos sanguinários. É fundamental acelerar a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança e do Projeto de Lei Antifacção, ambos no Congresso. A PEC amplia a participação do governo federal no combate ao crime organizado e propõe maior integração entre as diversas forças. O PL prevê penas mais duras para os crimes cometidos por integrantes de facções. O flagelo das organizações criminosas não atinge apenas o Rio, é problema que afeta todo o país. Diante da eloquência dos números, mudanças na legislação e ações contra os grupos criminosos devem ser tratadas como prioridade absoluta.
Juro alto expõe ilusão do crescimento com
gastança
Por Folha de S. Paulo
PIB teve expansão com despesa pública,
reduzindo pobreza, mas desacelera devido ao aperto monetário para conter
inflação
Para avançar de modo sustentável, país
precisa de reforma orçamentária, melhoria educacional e boa regulação do
ambiente de negócios
Apenas em 2024 o PIB per
capita brasileiro ultrapassou, e por pouco, o valor até então recorde
registrado no longínquo 2013. A partir de 2022, a economia entrou
em trajetória de recuperação surpreendente.
O impulso da atividade e o aumento dos
benefícios assistenciais e previdenciários acabaram por reduzir
a pobreza no ano passado às menores taxas registradas na
Síntese de Indicadores Sociais do IBGE com
início em 2012. De lá para cá, o rendimento no décimo mais pobre da população
foi o que mais cresceu, 52,3%.
É um sucesso relativo, no entanto. O
rendimento domiciliar per capita médio desse décimo da população ainda era de
R$ 248 por mês a preços de 2024. Ressalte-se que os extremamente pobres, 3,5%
dos brasileiros, são os com rendimento domiciliar per capita de R$ 218 ou
menos; para os pobres, 23,1% da população, são R$ 694 ou menos.
Entre as pessoas ocupadas, 11,9% são pobres;
entre as desocupadas, 47,6%. Simulação do IBGE mostra que o índice de Gini, que
mede a desigualdade de 0 a 1, sobe de 0,502 para 0,542 quando se desconsideram
benefícios como Bolsa Família,
BPC e outros.
Tais números indicam que, embora necessários
e relevantes, os auxílios sociais não dão conta da redução da pobreza e da
disparidade escandalosa no país. O avanço do trabalho, que depende do avanço do
PIB, é crucial.
A atual taxa de desemprego é
a menor da série histórica, iniciada em 2012. O resultado se deve em parte ao
crescimento econômico, a efeitos difusos da assistência governamental em
regiões pobres e, na hipótese de economistas, aos efeitos da reforma da CLT e
de novas demandas e ofertas de trabalho, como no caso dos trabalhadores de
plataformas. Se não é condição suficiente para melhorias na renda, o
crescimento é imprescindível.
A economia
atualmente desacelera sob impacto do forte aperto monetário
do Banco Central,
que tenta conter o superaquecimento, evidente em preços e déficit externo. A
recente alta cíclica foi exagerada pelo excesso de
gasto público promovido pelo governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT).
Setores mais sujeitos ao efeito dos juros cavalares
crescem minimamente agora. O PIB é empurrado por exportações, petróleo e
agropecuária. Este segundo semestre deve ser de quase estagnação da atividade.
No ano passado, a expansão da renda nacional
foi de 3,4%; neste, deve ficar em torno de 2,2%. No curto prazo, é o esperado.
Para que o ritmo seja mais acelerado, sustentável e menos volátil, o país
precisa de reforma orçamentária, desenvolvimento educacional e científico,
racionalização do mundo dos negócios, revisão e incremento de políticas sociais
e avanço na justiça tributária.
Aquecer a demanda por meio do aumento
contínuo do gasto público é estratégia que só dá resultados de curto prazo,
ilusórios. Cedo ou tarde, como se vê, vêm inflação e
juros nas alturas, que interrompem a bonança.
Impasse sobre Ucrânia escancara impotência da
Europa
Por Folha de S. Paulo
Putin retoma controle da negociação com
Trump; aliados de Kiev assistem à crise sem muitas opções
A UE apresentou planos para usar reservas
russas congeladas e eliminar compra de gás russo, mas nada disso incomoda Putin
ou Trump agora
No dia seguinte à reunião em que Vladimir
Putin reafirmou
suas demandas para encerrar a Guerra da Ucrânia a
negociadores americanos, o secretário-geral da Otan resumiu
candidamente a situação.
"Só existe uma pessoa no mundo inteiro
capaz de romper esse impasse. Essa pessoa é o presidente americano, Donald Trump",
afirmou na quarta (4) o belicoso holandês Mark Rutte.
O chefe da aliança militar ocidental está
certo, mas o corolário da assertiva talvez não seja maior pressão dos EUA sobre
a Rússia.
A esta altura, parece mais fácil Trump ceder à posição de Putin ou deixar a
Ucrânia e seus aliados europeus à míngua.
De todo modo, salta aos olhos a impotência
da Europa ante
a crise, com líderes manietados ensaiando reações duvidosas.
Na mesma quarta, a União
Europeia (UE) apresentou um
plano para lastrear empréstimo que cobriria as despesas de Kiev
nos dois próximos anos com R$ 1,3 trilhão em reservas cambiais russas
congeladas em seu território.
A grande maioria dos recursos está na
Bélgica, contrária ao mecanismo por temer ser exposta a processos. A Rússia
denuncia a medida como roubo e promete retaliar, enquanto a UE tenta driblar os
membros que forem contra avocando uma cláusula de emergência fantasiosa para suprimir
a exigência de consenso.
É incerto o que irá ocorrer, mas as fissuras
no edifício europeu são visíveis. O mesmo pode ser dito sobre a definição do
fim da compra de gás russo até 2027, anunciada no mesmo dia, a que Hungria e
Eslováquia se opõem.
Nada disso irá incomodar Putin ou Trump
agora, em especial com o autocrata russo demonstrando fé nos avanços militares
para mutilar a Ucrânia e torná-la neutra. Os russos demonstraram resiliência
ante as sanções, e apenas medidas ainda mais radicais operadas pelo americano
podem ter algum impacto.
Mas o presidente dos EUA não demonstra
apetite para isso, apesar de ter dado advertência contra petroleiras russas no
mês passado. A tese da desistência, sob esse prisma, ganha corpo.
Trump interrompeu o fluxo de armamentos para
Kiev e obrigou os europeus a comprá-los dos EUA, caso queiram continuar a
ajuda. A indústria de defesa continental não dá conta do volume da
guerra, como o
demonstra a corrida de países para se rearmar.
A Alemanha deixou seu pacifismo pós-Segunda Guerra para embarcar num plano de mais de R$ 2 trilhões em projetos militares. A Otan vê guerra com Moscou até 2030, talvez antes. O tempo corre contra os europeus.
O acordão eleitoral
Por O Estado de S. Paulo
Governo Lula e Congresso chegam a acordo para
mudar a legislação e fingir que cumprem a meta fiscal, garantindo espaço para
gastos e emendas parlamentares a poucos meses das eleições
Acabou a hipocrisia. Depois de muito se
estranharem ao longo dos últimos meses, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva
e o Congresso Nacional chegaram a um acordo que garantirá a todos atravessar o
ano eleitoral de 2026 com bastante conforto. Lula conseguiu aval do Legislativo
para ignorar o centro da meta fiscal e se contentar com seu limite inferior.
Deputados e senadores, por sua vez, conquistaram, de forma inédita, um
calendário que garante o pagamento de mais da metade das emendas parlamentares
até o fim do primeiro semestre.
O pacto comprova que a preocupação com a meta
fiscal, em Brasília, vai só até a página três. O governo reclamava da rigidez
do antigo teto de gastos e decidiu criar seu próprio arcabouço fiscal, mas
boicotou a âncora desde o início e enfraqueceu seus dispositivos para poder
gastar mais.
Já o Congresso cobrava austeridade do governo
e a apresentação de medidas para reduzir gastos, mas mudou de ideia assim que
viu a possibilidade de que seus interesses fossem afetados. Uma vez que
perseguir o centro da meta significaria reduzir o envio de emendas para suas
bases e, portanto, suas chances eleitorais, os parlamentares aceitaram de bom
grado que o alvo a ser perseguido fosse o piso.
A encenação, no entanto, não seria completa
sem a participação do Tribunal de Contas da União (TCU). Em setembro, os
ministros daquela corte avisaram ao governo que a busca do piso da meta fiscal,
em vez do centro, desrespeitava as normas fiscais, uma vez que o limite
inferior da banda deveria ser utilizado para acomodar despesas imprevistas
decorrentes de situações atípicas, como o socorro após as enchentes no Rio
Grande do Sul e a ajuda a exportadores pelo tarifaço dos Estados Unidos.
Mas o governo, em vez de ajustar-se à
legislação, preferiu alterá-la. Assim, inseriu no Projeto de Lei de Diretrizes
Orçamentárias (PLDO) de 2026 um dispositivo que autoriza expressamente a busca
do piso inferior da meta, em vez de seu centro. Agora, o prometido superávit primário
de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), que exigiria um saldo positivo entre
receitas e despesas de R$ 34,3 bilhões, será apenas para inglês ver.
Na prática, o governo poderá dizer que
cumpriu a meta fiscal mesmo que registre um déficit de R$ 23,3 bilhões.
Desautorizado, o TCU teve de reconhecer que a busca do piso da meta é uma
estratégia arriscada tendo em vista o objetivo de manter a dívida pública em
níveis sustentáveis, mas não mais ilegal.
Mesmo esse déficit não traduzirá a real
situação das contas públicas, pois várias despesas, como já se tornou tradição,
não serão contabilizadas. A novidade é que, para chegar a esse número, o
Executivo poderá excluir até mesmo o déficit de estatais. Essa medida tem como
alvo os Correios, cujos rombos crescentes e sem sinal de reverão obrigariam o
Executivo a contingenciar outros gastos – como as intocáveis emendas
parlamentares – para cumprir a meta fiscal.
Como o governo não quer cortar despesas e o
Congresso não queria abrir mão das emendas, o déficit dos Correios ficará fora
do cálculo, desde que a empresa aprove um plano de reequilíbrio
econômico-financeiro. E, mesmo que a meta seja extrapolada, o governo não
precisará mais compensá-la. Partindo dessa premissa, já se pode imaginar o quão
longe do necessário estará o plano de saneamento dos Correios, o que talvez
explique por que os bancos tenham pedido juros tão altos para emprestar R$ 20
bilhões à empresa, mesmo com garantia da União.
Em troca dessas valiosas concessões, o
Congresso cobrou um preço alto. Além de terem elevado o valor das emendas de R$
40 bilhões para R$ 52 bilhões em 2026, nada menos que 65% das emendas
individuais, Pix e de bancada – cerca de R$ 12,6 bilhões – terão de ser pagas
nos seis primeiros meses do ano, convenientemente a três meses da disputa
eleitoral. Podia ter sido pior, pois o Congresso chegou a pedir 100%.
De nada valerá ter cumprido a meta fiscal sem
que se tenha estabilizado a trajetória da dívida pública. Mas governo e Congresso
estão dispostos a fingir que está tudo bem até outubro de 2026.
A Câmara debocha do Brasil
Por O Estado de S. Paulo
A indulgência com deputados condenados em
caráter definitivo expõe a lógica da autopreservação que grassa na Casa e
humilha os brasileiros decentes que seus representantes insistem em ignorar
A Câmara tem submetido o País a um
constrangimento diário ao insistir em manter em seus quadros deputados cujos
mandatos ferem frontalmente a Constituição e a própria dignidade da Casa. São
os casos cristalinos de Carla Zambelli (PL-SP) e Alexandre Ramagem (PL-RJ),
ambos condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com trânsito em julgado,
a penas de prisão em regime fechado. Uma Casa Legislativa que faz da Lei Maior
letra morta debocha do Brasil decente.
A Constituição, em seu art. 55, é explícita:
“perderá o mandato” o deputado ou senador que “sofrer condenação criminal em
sentença transitada em julgado”. Não há ambiguidades, não há margem para
interpretações elásticas. É um comando. O constituinte originário escolheu um
tempo verbal categórico, afastando a ideia de que a perda do mandato dependeria
de juízo discricionário dos pares do parlamentar condenado sem possibilidade de
recurso. O parágrafo 2.º do mesmo dispositivo, que prevê decisão da Câmara, por
maioria absoluta, tem função meramente burocrática, não a de transformar uma
decisão judicial em objeto de barganha política.
Não obstante, a Câmara parece crer que tem
poder de instância revisora do STF, como se lhe coubesse reapreciar provas e
relativizar condenações definitivas. Nesse sentido, o parecer do deputado Diego
Garcia (Republicanos-PR), relator do processo de cassação de Zambelli na
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), é uma vergonha. Garcia sustenta que
haveria “dúvida profunda, grave e legítima” sobre a participação da indigitada
nos crimes pelos quais foi condenada. Em primeiro lugar, a cassação é um
processo político. Não tem o condão de reapreciar provas trazidas aos autos do
processo judicial. Ademais, Zambelli está presa na Itália, para onde fugiu,
fato cabal que atesta a inexistência de condições morais e políticas para que
esta senhora continue deputada.
O caso de Ramagem é igualmente escandaloso.
Condenado a 16 anos e um mês de prisão, em regime fechado, por sua participação
na recente tentativa de golpe de Estado, o criminoso fugiu para os EUA com o
confessado objetivo de escapar da pena. As autoridades brasileiras avaliam
solicitar sua extradição e a inclusão de seu nome na difusão vermelha da
Interpol. Debalde. Sob a tibieza do presidente da Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB), que desonra o cargo, Ramagem segue formalmente no exercício
do mandato.
A desordem institucional na Casa é ainda mais
estupefaciente quando se observa que tanto Ramagem quanto Eduardo Bolsonaro
(PL-SP) – também foragido nos EUA desde março para evitar responder por seus
atos perante a Polícia Federal e o STF – apresentaram emendas ao Orçamento de
2026 que somam mais de R$ 80 milhões. É simplesmente inaceitável que deputados
fugitivos da Justiça continuem direcionando verbas públicas e exercendo
prerrogativas próprias de representantes da sociedade.
Diante desse descalabro, coube ao ministro
Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, relembrar que para tudo há limites,
até para o escárnio. Em decisão proferida no dia 4 passado, Dino determinou que
o Executivo está proibido de “receber, apreciar, encaminhar, liberar, executar
quaisquer novas propostas ou indicações relativas a emendas parlamentares” de
Ramagem e Eduardo Bolsonaro. Como sublinhou o ministro, “é de clareza solar que
uma emenda parlamentar de autoria de um deputado permanentemente sediado em
outro país é revestida de evidente e insanável impedimento de ordem técnica”,
violando os princípios constitucionais da legalidade e da moralidade.
É constrangedor que tenha sido necessário o
STF intervir para impedir a concretização de um absurdo. Se a Câmara tivesse
mais zelo por sua credibilidade e mais respeito pelo Brasil, já teria afastado
os três deputados que hoje encarnam uma afronta direta à representação popular
no Legislativo. Ao não fazê-lo, a Casa revela que se move por um corporativismo
que chega às raias do compadrio.
Aos brasileiros decentes, que trabalham,
pagam impostos escorchantes e respeitam as leis e a Constituição, resta
assistir a esse espetáculo chinfrim de autoindulgência protagonizado por
representantes que insistem em ignorá-los.
Os intocáveis
Por O Estado de S. Paulo
Caso do youtuber condenado por criticar
Flávio Dino mostra um Judiciário autoritário e corporativista
A condenação criminal de Bruno Aiub,
conhecido como Monark, pelo Tribunal Regional Federal da 3.ª Região por chamar
Flávio Dino, então ministro da Justiça e hoje ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF), de “tirânico” e “gordola” diz menos sobre os modos do youtuber e
mais sobre a instituição que excretou essa sentença. Quem exerce o poder se
expõe voluntariamente ao criticismo social. O ordenamento jurídico brasileiro é
explícito: autoridades têm o dever de tolerar mais críticas. Hoje, porém, a
sensibilidade dos ministros transformou-se numa espécie de direito fundamental.
O caso é apenas a fotografia de um filme mais
tenebroso: um Judiciário que passou de guardião das liberdades a vanguarda do
autoritarismo. Desde o inquérito das fake
news, o STF arrogou para si o papel de polícia de opinião. Censurou
matérias jornalísticas, derrubou perfis inteiros e impôs um regime de
vigilância política que o Congresso jamais aprovou. Não é que o Judiciário
julgue excessos do Estado: ele próprio se tornou o excesso.
A condenação de Monark por injúria expõe a
crescente hostilidade da magistratura à liberdade de expressão. Quando uma
juíza federal afirma que críticas duras a um ministro “abalam a confiança nas
instituições”, ela inverte o fundamento da democracia. A confiança nas
instituições só existe quando seus integrantes suportam o dissenso, não quando
o suprimem. A condenação da jornalista Rosane de Oliveira e do jornal Zero Hora a pagar R$ 600 mil
por divulgar dados públicos do salário de uma desembargadora mostra que o
problema não é episódico: é sistêmico.
Ambos os casos expõem, por sinal, outro
ingrediente desse caldo tóxico: o corporativismo togado. Ministros protegem
ministros, tribunais blindam tribunais e qualquer crítica é tratada como
“ataque à democracia”. A personalidade dos juízes transforma-se em extensão da
própria ordem constitucional. A pretexto de tutelar “213 milhões de pequenos
tiranos soberanos”, na infame expressão da ministra Cármen Lúcia, o STF
encoraja o destempero de grandes tiranos, blindados por togas e por um sistema
que não admite contestação.
Flávio Dino, por sinal, já chamou Jair
Bolsonaro de “serial killer” e “genocida”, e acusou o Congresso inteiro de
cometer um “golpe”, referindo-se ao impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Pelos critérios usados no caso contra Monark, essas declarações seriam
qualificadas como “ataque às instituições”. Mas o peso da lei – e da moral – no
Brasil varia conforme o endereço institucional de quem fala. Quando Dino
calunia, é política; quando Dino é o alvo, vira crime.
O Judiciário está se tornando a passos largos
um poder que pune antes que haja tipificação, censura antes de julgar e se
protege antes de proteger direitos. Quando juízes criminalizam quem os critica,
deixam de ser guardiões da Constituição e tornam-se arquitetos de sua
destruição.
O Brasil não precisa de magistrados que se blindem da opinião pública. Precisa de magistrados que a suportem e a respeitem. Precisa, acima de tudo, que os representantes eleitos de seus 213 milhões de cidadãos os defendam dos tiranos togados.
Crescimento do Brasil passa pelo Nordeste
Por Correio Braziliense
A conclusão é de que a região está entre as
soluções das dificuldades nacionais, sobretudo quando a transição energética
passou a ser exigência diante das mudanças climáticas
No ranking nacional de crescimento econômico
em 2024, o Nordeste (4,1%) ficou na terceira posição, atrás do Norte (4,8%) e
Sul (4,2%). A Resenha Regional do Banco do Brasil, divulgada no início de 2025,
revelou que a economia do Nordeste teve um crescimento, no ano passado,
superior ao da média nacional, com um aumento de 3,8% no Produto Interno Bruto
(PIB), superior ao índice nacional de 3,5%.
Não à toa, o debate Os avanços do Nordeste em
prol de uma região forte, integrada e competitiva, promovido quinta-feira pelos
Diários Associados em Brasília, reconheceu que é preciso investir em
infraestrutura na região, de modo que os estados-membros também possam usufruir
e crescer social e economicamente. Ao apostar no Nordeste, o governo brasileiro
estará alavancando o crescimento de todo o país.
Esse entendimento foi consensual durante o
debate em Brasília. A conclusão é de que a região está entre as soluções das
dificuldades nacionais, sobretudo quando a transição energética passou a ser
exigência diante das mudanças climáticas.
O Nordeste brasileiro tem o maior potencial
de energia eólica e solar: acumula 68% da capacidade de geração de energia
renovável. Possui uma vantagem estratégica que pode atrair indústrias na
corrida pela descarbonização. Mas a falta de infraestrutura adequada impede que
ocorra essa virada, alertam especialistas no tema.
O ministro da Previdência, Wolney Queiroz, ao
defender a continuidade das políticas públicas direcionadas à região, afirmou
que basta investir e dar condições ao Nordeste de se desenvolver. Para o
deputado federal Pedro Campos (PSB-PE), é preciso dissociar da região a imagem
de seca, perpetuada ao longo de décadas. Reconheceu que os investimentos e
incentivos dados à região nos últimos anos promoveram uma melhora no cenário
local. Mas ainda há muito a fazer.
O secretário de Governança Fundiária,
Desenvolvimento Territorial e Socioambiental do Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA), Moisés Savian, destacou os desafios para incentivar a produção
agrária familiar no Nordeste, como a disponibilização de crédito e a adaptação
ao clima semiárido, e a importância do desenvolvimento da agricultura familiar
para o restante da sociedade. "Se o campo vai bem, a cidade vai bem. Isso
pode não ser verdade para as grandes cidades, que têm indústrias, têm serviços,
mas certamente é verdade para as pequenas cidades", discursou o secretário
durante a abertura do CB.Debate.
"O Nordeste não é problema, é a
solução", afirmou Rogério Sobreira, economista chefe do Banco do Nordeste
(BNB). Embora reconheça que a região tem problemas, ele garantiu que a
"ideia do Nordeste coitadinho realmente passou". Mas reconheceu a
necessidade de urbanização das cidades, a expansão da fronteira agrícola e a produção
de energia limpa. Essas iniciativas estão, na visão do economista, entre as
grandes oportunidades do futuro para a região.
Há poucos dias, o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva anunciou que o governo terá como foco o Nordeste. A expectativa é de
que o presidente anuncie políticas públicas e investimentos que atendam às
reais necessidades da região. O desenvolvimento do Nordeste não supre apenas as
demandas da região, mas é um fator indispensável para o Brasil.
Ao investir na infraestrutura do Nordeste, romper com as profundas desigualdades sociais e econômicas e propiciar qualidade de vida às populações, o impacto não ficará circunscrito à região. Significará um passo largo para que o Brasil alcance o patamar de nação desenvolvida
Decisão de Mendes aumenta tensão com o
Congresso
Por O Povo (CE)
O expediente que o ministro usou para
modificar a lei sugere uma "blindagem" indevida aos integrantes do
STF
As tensas relações entre o Congresso Nacional
e o Supremo Tribunal Federal (STF) ficaram ainda mais abaladas com uma decisão
do ministro Gilmar Mendes expedida na quarta-feira.
Ele suspendeu vários artigos da Lei do
Impeachment, de 1950. A decisão liminar foi proferida nas arguições de
descumprimento de preceito fundamental (ADPFs), movidas pelo partido
Solidariedade e pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). O tema
seguiu para julgamento no plenário virtual do Supremo.
Como está registrado no portal do STF, o
ministro explicou sua decisão afirmando que "vários trechos da legislação,
de 1950, não foram recepcionados pela Constituição. Entre eles estão o quórum
necessário para a abertura de processo de impeachment contra ministros do STF;
a legitimidade para apresentação de denúncias e a possibilidade de se
interpretar o mérito de decisões judiciais como conduta típica de crime de
responsabilidade".
Não se trata, por ora, de analisar o mérito
da decisão do ministro, mas o expediente que Mendes usou para modificar a lei
foi equivocado, sugerindo uma "blindagem" indevida aos integrantes do
STF. Entretanto, é preciso reconhecer que a lei precisa ser reformulada, pois
tornou-se obsoleta com a promulgação da Carta de 1988, o que o Congresso já deveria
ter feito.
Também é verdade que partidos de direita
cultivam ameaças de impeachment como uma tentativa de intimidação contra os
ministros. Esses setores não apresentaram um único indício que justifique o
impedimento de qualquer ministro, a não ser divergências ideológicas e
políticas, quanto ao resultado de julgamentos, o que não pode ser critério para
o afastamento.
No entanto, Mendes conseguiu um fato raro:
unir as críticas da oposição e da situação contra ele. O líder da oposição na
Câmara dos Deputados, Luciano Zucco (PL-RS), classificou a medida como
"ruptura" constitucional. Para o líder do governo no Congresso
Nacional, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a decisão de Mendes confere
tratamento desigual entre a cúpula do Judiciário e do Executivo.
O advogado-geral da União, Jorge Messias,
pediu que Gilmar Mendes reconsiderasse a sua decisão, suspendendo seus efeitos
até o julgamento pelo plenário da Corte. Mendes negou o pedido nesta
quinta-feira.
Messias é o indicado do presidente Lula para
assumir vaga aberta no STF, necessitando da aprovação do Senado. Ele usou o
momento para fazer um gesto de pacificação à Câmara Alta, que demonstra
resistência ao seu nome.
Por sua vez, o Congresso, que agora critica a decisão do ministro, reclamando de "invasão de competência" — como fez o presidente do Senado Davi Alcolumbre (União-AP) —, não encontrou tempo para deliberar sobre o assunto, pelo menos desde os anos 1990, quando a lei começou a ser questionada. Quanto à atual legislatura, ela vai para o seu último ano, sem tocar no assunto, até agora. Se os parlamentares houvessem feito a lição de casa, a polêmica teria sido evitada.

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