O Globo
No mundo financeiro, acredita-se que só um “cavalo-de-pau” pode nos salvar. Uma maneira delicada de dizer que só um outro governo, não esse, colocará o país nos trilhos novamente
O presidente Lula tem fama de gastador, e a
percepção de que o futuro da economia brasileira está ameaçado devido a essa
tendência só pode ser revertida pelo próprio, que é quem comanda, sem
contraste, um governo que tem um presente econômico bastante bom, mas que pode
se transformar em uma crise grave fiscal.
Não é à toa que, no mundo financeiro, acredita-se que só um “cavalo-de-pau” pode nos salvar. Uma maneira delicada de dizer que só um outro governo, não esse, colocará o país nos trilhos novamente. A maldade do mercado financeiro, que faz o dólar e a Bolsa subirem ao anúncio de uma doença do presidente, reflete esse anseio por um novo governo, cruel recado, mesmo que metafórico.
Segundo o dicionário Aurélio, “cavalo-de-pau”
é uma “manobra de emergência que consiste em fazer um veículo inverter de
direção, mediante a aplicação súbita de freios”. Foi o que fez em 2003, no
primeiro governo, quando manteve ao assumir uma taxa de juros de 26,5%. Os
sinais, hoje, são contrários. O governo está mais para o “gasto é vida”
defendido pela ex-presidente Dilma, que se impõe a cada movimento de Lula.
Ainda agora, para não perder o orçamento de
2024, liberou diversas verbas de fundos públicos, adiou repasses e
transferências, para financiar programas públicos. São todos necessários e
urgentes? Pode ser que sim, pelo menos no caso do Rio Grande do Sul, afetado
pelas enchentes. Mas sinalizam uma falta de contenção de gastos que pode levar
a dívida pública a 85% do PIB no final do governo, como teme o mercado
financeiro.
Quando anunciou o pacote fiscal, que já fora
enfraquecido antes mesmo de chegar a público por influências de setores que
foram chamados a palpitar, o governo anunciou também o aumento do nível de
isenção do Imposto de Renda, que não tem nada a ver com a contenção de gastos.
Confundiu a mensagem de sobriedade fiscal com a prodigalidade social, indicando
a dificuldade do presidente Lula de jogar a longo prazo para colher frutos da
austeridade.
Já foi diferente, mas por relativamente pouco
tempo. Quando o ministro da Fazenda Antônio Palocci foi substituído por Guido
Mantega, a direção da rota sofreu uma alteração que desaguou na nova matriz
econômica e na crise que levou à derrocada do governo Dilma. Não é possível
criticar a política social do governo, a não ser na fragilidade de não tocar em
questões estruturais que fazem do Bolsa Família, por exemplo, um programa
permanente, cuja eficácia, em vez da redução do número de dependentes, mede-se
pelo aumento dos inscritos.
Mas é necessário chamar a atenção para as
deficiências do sistema em que está baseada a política econômica, não por culpa
do ministro Fernando Haddad, mas pela aceitação das pressões populistas do PT.
Como sempre faz, o governo petista atribui ao antecessor os erros que teriam
sido supostamente herdados. Antes foi a “herança maldita” do governo de
Fernando Henrique Cardoso, agora o “descalabro nas contas públicas” deixado
pelo ministro da Economia de Bolsonaro Paulo Guedes. Sem lembrar que, desde o
início o novo governo cavou com seus próprios pés o déficit com uma PEC da
Transição no valor de R$ 145 milhões.
À medida que se aproximam as eleições de
2026, mais difícil será uma mudança efetiva, já que a data entra em todas as
cogitações futuras, e o tempo encurta. O próprio PT, ao criticar internamente a
política econômica e forçar um populismo que não tem espaço nas contas
públicas, prejudica seu futuro, pois Haddad é o que tem de mais eficaz para o
caso de Lula não se candidatar à reeleição. Essa disputa interna também impede
uma saída harmoniosa para a crise futura que já está marcada, e sendo
precificada à medida que se torna inevitável.
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