domingo, 5 de janeiro de 2025

O mundo de Donald Trump - Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Ambos não reconhecem uma ordem internacional para além do equilíbrio de poder entre as potências

Donald Trump ainda não tomou posse. Mas, se acreditarmos no que tem escrito em suas redes sociais, seu plano é destruir a ordem internacional construída pelos Estados Unidos nas últimas décadas. E não, não é para construir coisa melhor.

Nas últimas semanas, Trump ameaçou invadir o Panamá, se ofereceu para comprar a Groenlândia da Dinamarca e sugeriu que o Canadá se tornasse um estado americano. Fazia tempo que um presidente americano não propunha roubar território dos outros abertamente.

E não é qualquer território: tanto o Canadá quanto a Dinamarca são aliados tradicionais dos Estados Unidos. Se forem agredidos pelos americanos, podem invocar o artigo 5º da carta da Otan, que estabelece que um ataque contra um membro da aliança é um ataque contra todos os seus membros.

São coisas como essas que alimentam as teorias da conspiração em que Trump seria um agente de Putin. Não há qualquer evidência de que isso seja verdade, mas a suspeita é compreensível: o que mais Putin pode pedir da vida além de uma crise que imobilize a Otan?

A explicação mais plausível é que Trump e Putin compartilham a mesma visão de mundo: não reconhecem uma ordem internacional para além do equilíbrio de poder entre as potências. São "antiglobalistas" porque se opõem a qualquer regra internacional que limite a ação de quem tiver mais armas e dinheiro. Mas essa recusa do global não é uma defesa do princípio da autodeterminação dos povos, que limita o direito do mais forte invadir o mais fraco.

Se a visão de Trump se realizar, em vez de uma ordem internacional –cada vez mais necessária para lidar com problemas globais, das pandemias às crises financeiras– teremos um mundo em que potências cada vez mais violentas controlarão suas vizinhanças sem regras internacionais que as limitem.

Equilíbrios geopolíticos não são fáceis de mudar, e Trump certamente enfrentará obstáculos gigantes para realizar sua visão do Lebensraum norte-americano.

Mas não é só na geopolítica que Trump pretende decretar o furdunço. Na economia, o presidente eleito vem defendendo cada vez mais entusiasmadamente o protecionismo econômico. Namora, inclusive, com a ideia de substituir o Imposto de Renda por tarifas altíssimas sobre produtos importados.

Um dos principais motivos que fizeram com que a crise de 2008 não fosse tão grave quanto a de 1929 foi justamente o sucesso da Organização Mundial de Comércio, que evitou um grande surto de protecionismos como o que agravou a crise de 80 anos antes. É esse o tipo de risco que Trump aceita correr.

Se for implementado, o aumento de tarifas naturalmente elevará a inflação americana. Afinal, se os produtos importados não fossem mais baratos, não haveria necessidade de taxá-los. Com inflação mais alta, o Federal Reserve será obrigado a elevar os juros, o que terá um efeito ruim sobre toda a economia mundial. Todo o processo de reorganização da economia global após a pandemia pode ser posto a perder.

Novamente: não sabemos o quanto desse programa será, de fato, implementado. Mas a radicalização de Trump mostra o quanto as instituições americanas falharam quando não o prenderam pela tentativa de golpe de 6 de janeiro de 2021. Golpista anistiado é golpista que sonha alto.

 

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