Folha de S. Paulo
Ambos não reconhecem uma ordem internacional
para além do equilíbrio de poder entre as potências
Donald Trump ainda
não tomou posse. Mas, se acreditarmos no que tem escrito em suas redes sociais,
seu plano é destruir a ordem internacional construída pelos Estados
Unidos nas últimas décadas. E não, não é para construir coisa
melhor.
Nas últimas semanas, Trump ameaçou
invadir o Panamá, se ofereceu para comprar a Groenlândia da Dinamarca e sugeriu que o
Canadá se tornasse um estado americano. Fazia tempo que um
presidente americano não propunha roubar
território dos outros abertamente.
E não é qualquer território: tanto o Canadá quanto a Dinamarca são aliados tradicionais dos Estados Unidos. Se forem agredidos pelos americanos, podem invocar o artigo 5º da carta da Otan, que estabelece que um ataque contra um membro da aliança é um ataque contra todos os seus membros.
São coisas como essas que alimentam as
teorias da conspiração em que Trump seria um agente de Putin.
Não há qualquer evidência de que isso seja verdade, mas a suspeita é
compreensível: o que mais Putin pode pedir da vida além de uma crise que
imobilize a Otan?
A explicação mais plausível é que Trump e
Putin compartilham a mesma visão de mundo: não reconhecem uma ordem
internacional para além do equilíbrio de poder entre as potências. São
"antiglobalistas" porque se opõem a qualquer regra internacional que
limite a ação de quem tiver mais armas e dinheiro. Mas essa recusa do global
não é uma defesa do princípio da autodeterminação dos povos, que limita o
direito do mais forte invadir o mais fraco.
Se a visão de Trump se realizar, em vez de
uma ordem internacional –cada vez mais necessária para lidar com problemas
globais, das pandemias às crises financeiras– teremos um mundo em que potências
cada vez mais violentas controlarão suas vizinhanças sem regras internacionais
que as limitem.
Equilíbrios geopolíticos não são fáceis de
mudar, e Trump certamente enfrentará obstáculos gigantes para realizar sua
visão do Lebensraum norte-americano.
Mas não é só na geopolítica que Trump
pretende decretar o furdunço. Na economia, o presidente eleito vem defendendo
cada vez mais entusiasmadamente o protecionismo econômico. Namora, inclusive,
com a ideia de substituir o Imposto de Renda por tarifas altíssimas sobre
produtos importados.
Um dos principais motivos que fizeram com que
a crise de 2008 não fosse tão grave quanto a de 1929 foi justamente o sucesso
da Organização Mundial de Comércio, que evitou um grande surto de
protecionismos como o que agravou a crise de 80 anos antes. É esse o tipo de
risco que Trump aceita correr.
Se for implementado, o aumento de tarifas
naturalmente elevará a inflação americana. Afinal, se os produtos importados
não fossem mais baratos, não haveria necessidade de taxá-los. Com inflação mais
alta, o Federal Reserve será obrigado a elevar os juros, o que terá um efeito
ruim sobre toda a economia mundial. Todo o processo de reorganização da
economia global após a pandemia pode ser posto a perder.
Novamente: não sabemos o quanto desse
programa será, de fato, implementado. Mas a radicalização de Trump mostra o
quanto as instituições americanas falharam quando não o prenderam pela tentativa de
golpe de 6 de janeiro de 2021. Golpista anistiado é golpista que
sonha alto.
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