Folha de S. Paulo
O controle do STF tornou-se o objetivo
central da disputa política no país. As consequências são imprevisíveis
Raros ministros de cortes supremas foram
objeto de reportagens em revistas internacionais de prestígio, como The Economist. O tom da reportagem sobre o ministro Alexandre
de Moraes é de reprovação. O desgaste da corte é evidente —e agora se
internacionaliza. A questão relevante é: a reputação judicial importa? Segundo
Nuno Garoupa e Tom Ginsburg, importa muito.
Em Judicial Reputation: A Comparative Theory, os autores argumentam que a reputação é central para a autoridade e eficácia das cortes, especialmente porque os juízes carecem, como diria Hamilton, "do poder da espada e do dinheiro". A partir de um modelo principal-agente, o livro propõe que os juízes são agentes da sociedade (o principal) e que a reputação funciona como um mecanismo para garantir conformidade, acesso a recursos e proteção institucional.
A reputação é moldada por audiências internas
(membros da corte e atores judiciais) e externas (mídia, políticos, público e
academia). Os autores sustentam ainda que há uma tendência crescente de os
juízes se voltarem para audiências externas, especialmente em contextos de
maior transparência se há pressão pública. Entre essas tendências, destaca-se a
internacionalização da reputação, por várias razões, como uma dinâmica
praticamente inexorável.
Por outro lado, existe um importante trade-off entre
a reputação individual dos juízes e a reputação coletiva da corte. No nosso
caso, as decisões monocráticas exacerbam o problema. Entre os fatores que os
autores identificam como prejudiciais à reputação do Judiciário está o envolvimento individual
de juízes em funções não judiciais —empresariais, participação em comissões,
elaboração de políticas públicas. Examinar o Supremo à luz dos achados do livro
é um exercício de catalogação de anomalias.
As implicações mais graves do declínio da
reputação judicial dizem respeito à vulnerabilização paulatina da instituição.
Todas as tentativas bem-sucedidas de intervenção em cortes superiores na
América Latina foram precedidas por uma perda gradual de confiança no
Judiciário, motivada por ataques à sua reputação. É o que demonstra Gretchen Helmke em um estudo minucioso sobre
interferências dos poderes Executivo e Legislativo nas supremas cortes de 18
países latino-americanos ao longo de 30 anos. Essas interferências assumiram
formas diversas —nomeações e demissões irregulares, impeachments, aumento
unilateral do número de juízes. Tais ataques são reações de líderes populistas
a ameaças percebidas à sua sobrevivência política e tendem a ocorrer no início
dos mandatos. A probabilidade de interferência é inversamente proporcional ao
grau de confiança da população no Judiciário. E há aqui um mecanismo perverso:
a popularidade presidencial tende a subir após os ataques.
A confiança nas instituições judiciais na
América Latina é, em geral, baixa —e apenas mediana no Brasil. É curioso
observar que todos os ministros do STF têm
avaliação negativa superior à positiva, segundo pesquisa da Atlas/Intel. Ou
seja, as reputações individuais não superam a reputação coletiva.
Quanto mais poder acumulam os tribunais
superiores, maiores são os incentivos para controlá-los. O controle do STF
tornou-se o objetivo central da disputa política no país. O que afeta sua
reputação. As consequências são incomensuráveis.
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