Folha de S. Paulo
Melhor presidente que o Brasil não teve,
mineiro era domador de crises e campeão da conciliação, mas nunca acima da
ética e dos interesses nacionais
Tive o privilégio de ser amigo, confidente e
auxiliar de Tancredo
Neves, o melhor presidente que o Brasil não teve. De pelejar a seu lado no
governo de Minas Gerais, na campanha das Diretas Já para
presidente da República e na campanha presidencial de 1984-85.
Íntegro, arguto, culto, espirituoso, hábil. O
adversário José Bonifácio Lafayette de Andrada, o advogado e político Zezinho
Bonifácio, dizia que Tancredo era capaz de tirar as meias sem arrancar os
sapatos. Um domador de crises, campeão da conciliação, mas nunca acima de seus
princípios ético-políticos e dos interesses do Brasil.
"A esperança é o único patrimônio dos
deserdados, e é a ela que recorrem as nações ao ressurgirem dos desastres
históricos."
Em agosto de 1984, aos 74 anos, Tancredo Neves troca o conforto do governo de Minas pela candidatura presidencial, que, sabíamos, sujeita a graves riscos. "Temos de fazer a transição com os militares, não contra eles", dizia. Conseguiu. Sem tiro nem sangue, comandou a construção da ponte da ditadura para a democracia e depois morreu por ela.
Na noite de 14 para 15 de março de 1985,
mesmo diante de melindrosa cirurgia considerada urgentíssima pelos médicos,
negou-se a autorizar o procedimento até que o sobrinho Francisco Dornelles,
depois de contato com a cúpula do governo, lhe garantiu que o presidente João
Figueiredo, desafeto de seu vice, José Sarney,
lhe passaria o cargo. Temia uma crise político-militar de desfecho imprevisível
para a nação.
Tancredo partiu
no dia 21 de abril de 1985, em São Paulo, depois de sete cirurgias em 38
dias de frustração devastadora e medonho sofrimento físico. "Eu não
merecia isso", afirmou.
Coube-me, como governador do Distrito
Federal, receber o corpo na Base Aérea de Brasília e acompanhá-lo até o Palácio
do Planalto. Coração apertado, chorando, segui o carro de combate Urutu, do
Exército, que conduziu o caixão até a sede do Executivo. Ao longo de todo o
trajeto, uma multidão em lágrimas, uma das maiores da história de Brasília.
No dia seguinte, Belo Horizonte. E, na noite
fria de 24 de abril, o sepultamento no Cemitério da Ordem Terceira de São
Francisco de Assis, em sua tão amada São
João del-Rei (MG).
Voltei para Brasília arrasado, frase de Guimarães
Rosa martelando na cabeça: "O que tem de ser tem muita
força". Que seria da Nova República e do Brasil sem ele? Sem o seu enorme
capital político? Sem sua genialidade política e administrativa? Do ministro
Roberto Gusmão: "O maestro foi embora e levou a partitura".
Ulysses
Guimarães: "Tancredo foi um bruxo, ninguém resistia a sua
sedução". Senador e governador Pedro Simon: "Eu não tenho nenhuma
dúvida: o doutor Tancredo se imolou pela pátria".
Tancredo Neves: "Para descansar, tenho a
eternidade".
*Escritor, economista e doutor em história
(Sorbonne), foi secretário de Planejamento de Tancredo Neves em Minas Gerais,
governador de Brasília, ministro do Interior e ministro-chefe da Casa Civil do
governo Sarney
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