Folha de S. Paulo
Como em outros embates
comerciais, a cicatriz durará muito além do fim da medida
Em ordem executiva vigente
em sete dias, Trump
impõe uma tarifa adicional de 40% (que se somam a outros 10%) sobre produtos
brasileiros.
A medida, editada com base
no International Emergency Economic Powers Act (IEEPA) e na National
Emergencies Act (NEA), é apresentada como resposta a uma "emergência
econômica", porque o Brasil supostamente interfere na economia dos Estados
Unidos, infringe a liberdade de expressão e persegue seu ex-presidente.
O texto legal invoca ainda a seção 604 do Trade Act de 1974, que apenas operacionaliza alterações tarifárias no código aduaneiro. Em termos práticos, trata-se de um ato agressivo unilateral travestido de emergência nacional.
Mesmo com a exclusão de
segmentos estratégicos —como
celulose, petróleo e gás, fertilizantes, alumina, ferro-gusa, aeronaves e metais–
cerca de 60% das vendas brasileiras ao mercado dos EUA ainda serão atingidas,
com impacto devastador em setores centrais da pauta de exportação (químicos,
café, carnes e produtos manufaturados).
Tarifa tão alta pode
representar efetivo bloqueio de acesso ao mercado norte-americano. E alguns
produtos industriais não têm flexibilidade para redirecionar fluxos comerciais.
Quem menciona que o Brasil
deve imediatamente diversificar mercados ignora esta realidade: alguns produtos
dependem de contratos de longo prazo, certificações, licenças sanitárias e
cadeias integradas. Mesmo que algumas commodities possam ser redirecionadas, a
queda de rentabilidade será inevitável, dada a competição acirrada e os custos
logísticos adicionais.
É também incomum, pelo menos
em governos normais, a combinação desses instrumentos legais. Nem o IEEPA nem a
NEA foram concebidos para transformar disputas comerciais em "emergências
nacionais permanentes".
Haverá certamente
questionamento jurídico por abuso de poder executivo, desvio de finalidade e
violação indireta da competência do Congresso em regular tarifas. A dúvida é se
a Suprema Corte, dominada por conservadores, permitirá esta acrobacia interpretativa
sem precedentes.
O curto prazo entre a ameaça
e a ordem executiva deixou atordoados tanto o setor privado quanto o governo
brasileiro. Além da retórica (até agora contraprodutiva), o Brasil pode: buscar
exceções setoriais, o que funcionou em 2018; tentar mobilizar o setor privado
dos EUA, dependente de insumos brasileiros; pensar em concessões aos EUA,
lembrando que ainda existe a ameaça da Seção 301, cuja investigação deve ser
estender até o final do ano; e acionar a OMC, o que terá poucos efeitos
práticos imediatos, mas legitimará medidas futuras.
O setor privado, por sua
vez, terá que fortalecer coordenação com seus importadores, e acompanhar o
desenrolar do embate judicial inevitável.
Seguramente, o que o Estado
brasileiro (e muito mais que o atual governo) não pode é transigir sobre sua
capacidade de normatizar relações econômicas internas e de seu Judiciário
julgar conforme leis nacionais.
A extorsão econômica do
governo Trump, direcionada não apenas contra o Brasil, em algum momento
passará, com danos irreparáveis à democracia e à reputação dos Estados Unidos.
Isso sem falar de um impacto inflacionário imediato no breakfast, que incorporará
o novo preço do café.
Além do dano econômico, há o
institucional. Ao transformar tarifas em arma política de curto prazo, a
percepção de uma relação de risco persistirá. Como em outros embates
comerciais, a cicatriz durará muito além do fim da medida. Será necessária a
maturidade institucional do Brasil diante de um parceiro que menospreza a
previsibilidade de regras. E, depois, será um longo caminho para a retomada da
confiança na relação bilateral.
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