quinta-feira, 31 de julho de 2025

Comércio com os Estados Unidos segue em estado de emergência - Welber Barral

Folha de S. Paulo

Como em outros embates comerciais, a cicatriz durará muito além do fim da medida

Em ordem executiva vigente em sete dias, Trump impõe uma tarifa adicional de 40% (que se somam a outros 10%) sobre produtos brasileiros.

A medida, editada com base no International Emergency Economic Powers Act (IEEPA) e na National Emergencies Act (NEA), é apresentada como resposta a uma "emergência econômica", porque o Brasil supostamente interfere na economia dos Estados Unidos, infringe a liberdade de expressão e persegue seu ex-presidente.

O texto legal invoca ainda a seção 604 do Trade Act de 1974, que apenas operacionaliza alterações tarifárias no código aduaneiro. Em termos práticos, trata-se de um ato agressivo unilateral travestido de emergência nacional.

Mesmo com a exclusão de segmentos estratégicos —como celulose, petróleo e gás, fertilizantes, alumina, ferro-gusa, aeronaves e metais– cerca de 60% das vendas brasileiras ao mercado dos EUA ainda serão atingidas, com impacto devastador em setores centrais da pauta de exportação (químicos, café, carnes e produtos manufaturados).

Tarifa tão alta pode representar efetivo bloqueio de acesso ao mercado norte-americano. E alguns produtos industriais não têm flexibilidade para redirecionar fluxos comerciais.

Quem menciona que o Brasil deve imediatamente diversificar mercados ignora esta realidade: alguns produtos dependem de contratos de longo prazo, certificações, licenças sanitárias e cadeias integradas. Mesmo que algumas commodities possam ser redirecionadas, a queda de rentabilidade será inevitável, dada a competição acirrada e os custos logísticos adicionais.

É também incomum, pelo menos em governos normais, a combinação desses instrumentos legais. Nem o IEEPA nem a NEA foram concebidos para transformar disputas comerciais em "emergências nacionais permanentes".

Haverá certamente questionamento jurídico por abuso de poder executivo, desvio de finalidade e violação indireta da competência do Congresso em regular tarifas. A dúvida é se a Suprema Corte, dominada por conservadores, permitirá esta acrobacia interpretativa sem precedentes.

O curto prazo entre a ameaça e a ordem executiva deixou atordoados tanto o setor privado quanto o governo brasileiro. Além da retórica (até agora contraprodutiva), o Brasil pode: buscar exceções setoriais, o que funcionou em 2018; tentar mobilizar o setor privado dos EUA, dependente de insumos brasileiros; pensar em concessões aos EUA, lembrando que ainda existe a ameaça da Seção 301, cuja investigação deve ser estender até o final do ano; e acionar a OMC, o que terá poucos efeitos práticos imediatos, mas legitimará medidas futuras.

O setor privado, por sua vez, terá que fortalecer coordenação com seus importadores, e acompanhar o desenrolar do embate judicial inevitável.

Seguramente, o que o Estado brasileiro (e muito mais que o atual governo) não pode é transigir sobre sua capacidade de normatizar relações econômicas internas e de seu Judiciário julgar conforme leis nacionais.

A extorsão econômica do governo Trump, direcionada não apenas contra o Brasil, em algum momento passará, com danos irreparáveis à democracia e à reputação dos Estados Unidos. Isso sem falar de um impacto inflacionário imediato no breakfast, que incorporará o novo preço do café.

Além do dano econômico, há o institucional. Ao transformar tarifas em arma política de curto prazo, a percepção de uma relação de risco persistirá. Como em outros embates comerciais, a cicatriz durará muito além do fim da medida. Será necessária a maturidade institucional do Brasil diante de um parceiro que menospreza a previsibilidade de regras. E, depois, será um longo caminho para a retomada da confiança na relação bilateral.

 

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