Correio Braziliense
O impacto do tarifaço
nas exportações será bem menor do que era esperado. Ponto para o presidente
Lula, que teve sangue frio para suportar as ameaças da Casa Branca
A crise entre Brasil e Estados Unidos atingiu novo patamar político institucional com a decisão do presidente Donald Trump de assinar uma Ordem Executiva que impõe sanções ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, por causa do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, e declara emergência nacional para justificar a imposição de tarifas adicionais ao Brasil, elevando esse total para 50%. A medida, porém, exclui dessa taxação produtos considerados indispensáveis para sua própria economia, como laranja, aço, minerais e combustíveis. Com isso, o impacto do tarifaço nas exportações será bem menor do que era esperado. Ponto para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teve sangue frio para suportar as ameaças dos Estados Unidos e não caiu com o barulho da bala.
Sim, apesar da forte taxação
do café e da carne, poderia ser pior, como tudo na vida. Entretanto, a crise
diplomática entre os dois países não está encerrada. As medidas, que atingem
especialmente o agronegócio brasileiro, não têm base econômica ou comercial
plausível, mas uma motivação política explícita: pressionar o governo
brasileiro e, em particular, retaliar o ministro Alexandre de Moraes, do
Supremo Tribunal Federal (STF), por sua atuação nos processos contra Jair
Bolsonaro e seus aliados. Ou seja, é uma afronta à soberania brasileira e um
desrespeito ao nosso Poder Judiciário.
A retórica da Casa Branca
escancara a natureza extraterritorial e ideológica da medida. Trump acusa
Moraes de ser um “juiz tirânico” que teria perseguido empresas
norte-americanas, censurado críticos e violado direitos de cidadãos dos EUA,
inclusive investigando figuras como Paulo Figueiredo por declarações feitas em
solo americano. Com base nisso, determinou a revogação de vistos do ministro,
de seus colegas no STF e de familiares, além de aplicar sanções financeiras,
com base na chamada Lei Magnitsky, usada contra ditadores e violadores de
direitos humanos.
Pela primeira vez, um
presidente dos Estados Unidos ataca diretamente a independência do Judiciário
brasileiro e condiciona relações comerciais a decisões judiciais favoráveis a
seu aliado político. Essa atitude afronta os princípios mais elementares da soberania
nacional. O presidente Lula, em entrevista ao New York Times, publicada ontem,
reagiu: “Seriedade não exige subserviência. Trato todos com respeito, mas quero
ser tratado com respeito”, disse ao esclarecer ao principal jornal
norte-americano que a alegação de perseguição a Bolsonaro não procede e
reiterar que o Judiciário brasileiro é independente.
Conversas
No campo diplomático, o
governo brasileiro buscou intensamente desescalar a crise. Ontem, após o
anúncio do tarifaço, o chanceler Mauro Vieira teve o seu primeiro encontro com
o secretário de Estado americano, Marco Rubio, em Washington. Vieira estava em
Nova York e retardou sua volta ao Brasil para viabilizar o encontro, depois de
intensas negociações de bastidor da embaixadora Maria Luiza Ribeiro Viotti e do
Itamaraty. O chanceler deu o recado claro de que o presidente Lula quer tratar
exclusivamente da questão tarifária e preservar a relação comercial, sem
politizar essas divergências. Foi um esforço para reabrir canais técnicos e
evitar que o Brasil seja arrastado para uma disputa ideológica sem saída.
Motivada por uma defesa
política de Bolsonaro, ironicamente, a retaliação afeta diretamente os setores
que mais o sustentam politicamente. A bancada ruralista, os exportadores e os
aliados do ex-presidente colhem os frutos de uma diplomacia informal, feita por
canais paralelos e marcada por atitudes provocativas de figuras como Eduardo
Bolsonaro, que alimentaram o confronto direto com Moraes em solo americano.
Essa atuação paralela é vista por diplomatas como combustível adicional para a
crise, a pior em dois séculos de relações bilaterais.
Ao transformar uma disputa
judicial interna em pretexto para medidas de guerra comercial e sanções
políticas, Trump rompeu com todas as normas de convivência entre democracias. A
instrumentalização de tarifas como chantagem para interferir em decisões de um
Supremo Tribunal é um precedente perigoso que ameaça qualquer país que insista
em manter instituições autônomas frente à pressão internacional.
O Supremo reagiu em nota
divulgada após o decreto de Trump, na qual afirma que o julgamento de crimes
que implicam atentado grave à democracia brasileira é de exclusiva competência
da Justiça do país, no exercício independente do seu papel constitucional.
Explica que “o Procurador-Geral da República imputou a um conjunto de pessoas,
inclusive a um ex-presidente da República, uma série de crimes, entre eles, o
de golpe de Estado”, e que no âmbito da investigação, “foram encontrados
indícios graves da prática dos referidos crimes, inclusive de um plano que
previa o assassinato de autoridades públicas”.
Todas as decisões tomadas
pelo relator do processo foram confirmadas pelo colegiado competente, destaca a
nota do STF, ao se solidarizou com Moraes. O Supremo afirma que “não se
desviará do seu papel de cumprir a Constituição e as leis do país, que asseguram
a todos os envolvidos o devido processo legal e um julgamento justo”.
Na prática, o tarifaço de
50% não visa proteger a economia americana — cujos consumidores ainda são
penalizados — mas, sim, criar um fato político internacional em ano eleitoral
nos EUA. Ao lançar mão da retórica da “liberdade de expressão” e da “perseguição
política”, Trump reforça sua base radical, nacionalista e antiglobalista,
tentando repetir no plano externo o roteiro de vitimização que aplicou após o 6
de janeiro de 2021.
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