O Globo
Na visão distorcida de
Trump, a ação dos Bolsonaros na tentativa de golpe é uma legítima defesa da
democracia, como a dele, que incentivou o ataque ao Capitólio
Se separarmos a negociação
comercial da chantagem política, o Brasil conseguiu sair-se bem da primeira,
com uma tarifa média bem menor do que estava previsto devido às isenções
conseguidas, e ficou num impasse na seara política, pois o que o governo americano
quer não é negociável. O destino do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro
está nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF), que, em tese, não entra em
negociações políticas. A vingança dos bolsonaristas contra o ministro Alexandre
de Moraes causará problemas pessoais para ele e sua família, mas não terá o
condão de influir no veredito.
Nem mesmo a chantagem implícita no aviso do secretário de Estado Marco Rubio de que os juízes brasileiros não podem se resguardar nas suas togas mudará a tendência à condenação, pois as provas são evidentes, e o crime gravíssimo. A crise nas relações de Brasil e Estados Unidos, no entanto, só faz escalar, numa proporção que não se imagina aonde chegará. O ataque ao juiz do Supremo é um ataque a um dos Poderes da República, não pode ser entendido como uma sanção pessoal.
A inclusão de Alexandre de
Moraes na Lei Magnitsky, usada para combater terrorismo e narcotráfico, é uma
violência institucional que não pode deixar de ser respondida, embora só
tenhamos a retórica para expressar nossa indignação. Até mesmo a Lei de Reciprocidade
terá de ser usada cautelosamente, diante das isenções conseguidas, que,
frise-se, só saíram para beneficiar as empresas americanas envolvidas. Os
documentos oficiais do governo americano tratam o Brasil como uma ditadura
truculenta que cerceia cidadãos americanos, deixando como vítimas as big techs
e os milicianos digitais brasileiros que se escudam na cidadania americana para
atacar o governo brasileiro pelas redes sociais.
Na visão distorcida de
Trump, a ação dos Bolsonaros na tentativa de golpe é uma legítima defesa da
democracia, como a dele, que incentivou o ataque ao Capitólio. A partir dessa
premissa, todas as consequências legais advindas do golpismo são uma tentativa
de cercear a liberdade dos “patriotas” que não queriam que os “comunistas” Lula
e Biden assumissem o governo de seus países. Um desencontro de datas permitiu
que a influência nefasta de Trump não se refletisse na eleição brasileira.
Imaginemos, diante dos fatos novos, o que aconteceria se o presidente americano
já fosse Trump na época da eleição brasileira. A rejeição internacional a um
golpe foi um dos argumentos fortes para que os militares brasileiros não
aderissem.
Para os americanos que
pensam como Trump, Biden é um democrata esquerdista, e Lula um comunista. As
ações de Lula na direção do Sul Global, uma nova versão do que se chamava
Terceiro Mundo antigamente, durante a Guerra Fria, ajudam a moldar essa imagem.
O Brics, que começou como uma simples reunião de países que se destacavam no
cenário econômico internacional como potenciais líderes mundiais em décadas,
vem ganhando uma conotação mais politizada, o que irrita Trump. Mas não ao
ponto de desencadear essa guerra tarifária contra o Brasil.
Se não fosse o trabalho de
sapa dos bolsonaristas Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo, o Brasil estaria
fora dessa retaliação comercial. O tarifaço de Trump ao Brasil foi o primeiro a
ter uma conotação política explícita ao referir-se à questão jurídica de
Bolsonaro. Depois, a Rússia também entrou na lista, como ameaça para acabar a
guerra na Ucrânia. Estamos, pois, em um impasse político que aparenta não ter
saída. Talvez seja justamente o objeto de desejo oculto dos articuladores
bolsonaristas esse prosseguimento da tentativa de golpe, agora com o apoio dos
Estados Unidos. Quando (se?) Bolsonaro for condenado à prisão, qual será a
reação de Trump? Como parece improvável que ele leve a uma situação aguda de
mudança de governo, a perspectiva é que a relação com os Estados Unidos fique
permanentemente tensa, até que as eleições decidam o destino do trumpismo e do
bolsonarismo.
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