O Estado de S. Paulo
A marcha da insensatez não é
um acontecimento inevitável. Mas, quando ocorre, como é o caso agora entre
Brasil e Estados Unidos, é incontornável e produz consequências de longo prazo.
Destruidoras para os participantes. O que levou os dois “gigantes” do hemisfério
das Américas à rota de colisão foi a profunda degradação dos respectivos
sistemas políticos. Nos dois países estão no timão dirigentes políticos de
horizontes extraordinariamente estreitos, e dispostos a tomar decisões
estratégicas idem.
Trump simboliza o triunfo da imbecilidade em geopolítica típica de um eleitorado ressentido abandonado por elites às quais escapa a noção do que é a América “real”. Aplaude-se um projeto político que promete tornar os Estados Unidos um perdedor na monumental disputa por hegemonia com a China.
No Brasil o sistema
político, dominado pelo patrimonialismo, mantém um círculo vicioso no qual a
política deixou de enfrentar qualquer dos grandes desafios do País (defesa,
demografia, produtividade). Carece de lideranças genuinamente nacionais e, por
parte das elites dirigentes, de qualquer senso estratégico ou de projeto de
nação.
A marcha da insensatez é uma
obra conjunta de um presidente americano que acha que vai triunfar contra
adversários chutando quem foi seu amigo. De um presidente brasileiro cujo foco
exclusivo sempre foi a permanência de seu grupo político no poder (seja como
for, como demonstra nossa história). E cuja visão de mundo, em termos de
política internacional, é completamente anacrônica.
Papel especial possui a
visão de mundo dos grupos ideológicos “direitistas” lá e aqui. Steve Bannon, o
ideólogo-chefe das posturas recentes de Trump, considera que a essência do MAGA
é mesmo aplicar pontapés. No Brasil, o bolsonarismo raiz, dirigido por um clã
que só pensa em si mesmo, acredita na profunda estupidez de que uma potência
estrangeira possa interferir decisivamente na política brasileira – e livrar
seu chefão da cadeia.
Como se podia prever
facilmente, uma agressão dessas ao Estado brasileiro vai fortalecer, e não
enfraquecer, a própria instituição do STF (não importa o quanto sejam
deploráveis seu papel político e a postura de alguns de seus integrantes).
Favorece um governo, como o de Lula, sem projeto, impopular e agora presenteado
com uma bandeira. E joga na confusão as forças de oposição.
É imprevisível até onde vai
a marcha da insensatez entre Brasil e Estados Unidos, que não começou apenas
ontem. Trump passa, mas o “excepcionalismo” americano acabou. No Brasil, a
crise tem o potencial de produzir o tipo de situação política na qual Lula e
Bolsonaro, cansativos cada um à sua maneira, acabem sendo vistos como incapazes
de levar o País a um futuro melhor.
Mas, tal como a marcha da
insensatez, não é inevitável.
Nenhum comentário:
Postar um comentário