Valor
Econômico
Mitigação do tarifaço mostra
recuo parcial de Trump e Magnistky sobre Moraes respalda defesa da soberania,
mas Lula é aconselhado a não tripudiar
Donald Trump amarelou de novo mas o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva não passou recibo. Contestou as tarifas remanescentes como se não
tivesse havido recuo. E manteve o tom usado no “The New York Times”.
Preocupação, sim, medo, não.
Com as exceções, o impacto sobre a economia ficou mais
manejável. A aplicação concomitante da Lei Magnitsky contra o ministro
Alexandre de Moraes deu credibilidade ao discurso de que a perseguição de Trump
contra o Brasil é política. A ofensiva americana, até aqui, só reforçou a
defesa da soberania.
É claro que ainda há pontos em aberto mas se calcula que mais de 40% das exportações brasileiras podem ser beneficiadas pelas exceções já anunciadas, além daquelas que ainda estão por vir como anunciou o secretário do Tesouro, Scott Bessent. Os problemas remanescentes podem vir a ser enfrentados com a busca de novos mercados e com o plano de contingência, que dificilmente daria conta de repor a perda que a Embraer, joia da indústria nacional, teria se mantida no tarifaço.
Para todos os efeitos, está mantido o discurso de que são
inaceitáveis os danos à economia e a afronta a Moraes. Foi este o tom do
chanceler Mauro Vieira, que se encontrou com o secretário do Departamento de
Estado, Marco Rubio, depois da Magnitsky sobre o ministro e antes das exceções
ao tarifaço, mas o próprio encontro foi uma demonstração de que os EUA cederam
mais do que sinalizaram que o fariam. Até então Rubio só encontrava a dupla
Eduardo Bolsonaro/Paulo Figueiredo.
A incidência da Magnitsky sobre Moraes é estapafúrdia tanto por
aqueles em cuja companhia foi colocado quanto pela ausência de notórios
violadores de direitos humanos na lista. Lá estão, por exemplo, os envolvidos
no assassinato do jornalista dissidente da Arábia Saudita, Jamal Khashoggi.
Dela se ausentam, porém, Nayib Bukele, presidente de El Salvador denunciado em
todas as latitudes pelas violações em massa aos direitos humanos.
Num caso pouco falado, mas que atinge um país de porte médio,
como o Brasil, e autoridades do tamanho de Moraes foi a aplicação da Magnitsky
contra ministros turcos pela prisão de um pastor americano em 2018. As
semelhanças param por aí. O pastor foi liberado na Turquia, o que não deve ser
o caso dos réus da trama golpista, notadamente o ex-presidente Jair Bolsonaro.
O texto da decisão contra Moraes fala em ameaça à liberdade dos
cidadãos americanos e aos interesses dos EUA. Não há americanos entre os réus
da trama golpista. Há, sim, no rol de decisões do ministro aquelas que afetam
as “big techs”, mas não há sinal de que a menção a essas empresas na decisão
sobre Moraes venha a colocar um freio nas decisões do STF sobre o setor ou nos
projetos em curso que o afetam.
Representantes das principais empresas tiveram um encontro com o
vice-presidente Geraldo Alckmin do qual participou, remotamente, um
representante do governo americano. As empresas expuseram suas preocupações e
foram informadas dos projetos de regulação dos serviços digitais e daquele de
inteligência artificial que já tramita no Congresso. Nada do que se passou
naquela reunião deu motivos extras para a sanção a Moraes. Tampouco autoriza a
interpretação de que haverá recuo na regulamentação.
A mitigação da guerra comercial e o avanço no cerco a Moraes não
se esgotam como dueto explicativo. Vide o que aconteceu com a Índia e o embate
entre EUA e França em torno da autonomia do Judiciário. Ao anunciar a tarifa de
25% para a Índia além de multa, Trump mostrou o quanto seu governo está
incomodado pela Rússia. A nota menciona as compras indianas de armas e de
energia da Rússia e relaciona a guerra da Ucrânia como um agravante contrário a
essas trocas comerciais. Está claro que os EUA querem vender mais armas, mas
não apenas.
A medida é reforçada pelo projeto de lei, em tramitação no
Congresso americano, que sanciona parceiros comerciais da Rússia. O Brasil
compra fertilizantes e diesel da Rússia, mas está longe de estar no topo dos
parceiros comerciais daquele país. Além da Índia, toda a Europa, além da
Turquia, são parceiros comerciais mais avantajados da Rússia.
Por isso, uma sanção extra contra o Brics, como temem senadores
brasileiros da comitiva dos EUA, está longe de isolar Vladimir Putin. Se o
objetivo real de Trump é minar a capacidade de a China angariar parceiros, a
sobretaxa no comércio com Brasil e Índia só empurra mais areia para o caminhão
chinês.
Já a ofensiva contra Moraes ganhou ataque assemelhado ainda que
não concretizado. O Departamento de Estado criticou um procurador francês que
instou o X a prestar informações. O Ministério da Justiça francês se pronunciou
num tom que em nada difere daquele usado pelo governo Lula: “A França é um
Estado de direito. Os juízes agem com toda independência nos quadros das leis
da República. O questionamento de sua imparcialidade vindo do exterior não é
aceitável. O respeito aos procedimentos judiciais não é negociável”.
A manifestação, somada ao repúdio francês ao acordo entre União
Europeia e EUA, porém, não entusiasma o Itamaraty em função da dependência que
a Europa hoje tem dos EUA para conter a ameaça russa sobre o continente.
Continua valendo, portanto, o “NYT”: “Ninguém desafia Trump como o presidente
brasileiro”. Para o bem e, a partir do tarifaço mitigado, um pouco menos, para
o mal.
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