quinta-feira, 31 de julho de 2025

Trump amarela mas é cedo para cantar vitória - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Mitigação do tarifaço mostra recuo parcial de Trump e Magnistky sobre Moraes respalda defesa da soberania, mas Lula é aconselhado a não tripudiar

Donald Trump amarelou de novo mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não passou recibo. Contestou as tarifas remanescentes como se não tivesse havido recuo. E manteve o tom usado no “The New York Times”. Preocupação, sim, medo, não.

Com as exceções, o impacto sobre a economia ficou mais manejável. A aplicação concomitante da Lei Magnitsky contra o ministro Alexandre de Moraes deu credibilidade ao discurso de que a perseguição de Trump contra o Brasil é política. A ofensiva americana, até aqui, só reforçou a defesa da soberania.

É claro que ainda há pontos em aberto mas se calcula que mais de 40% das exportações brasileiras podem ser beneficiadas pelas exceções já anunciadas, além daquelas que ainda estão por vir como anunciou o secretário do Tesouro, Scott Bessent. Os problemas remanescentes podem vir a ser enfrentados com a busca de novos mercados e com o plano de contingência, que dificilmente daria conta de repor a perda que a Embraer, joia da indústria nacional, teria se mantida no tarifaço.

Para todos os efeitos, está mantido o discurso de que são inaceitáveis os danos à economia e a afronta a Moraes. Foi este o tom do chanceler Mauro Vieira, que se encontrou com o secretário do Departamento de Estado, Marco Rubio, depois da Magnitsky sobre o ministro e antes das exceções ao tarifaço, mas o próprio encontro foi uma demonstração de que os EUA cederam mais do que sinalizaram que o fariam. Até então Rubio só encontrava a dupla Eduardo Bolsonaro/Paulo Figueiredo.

A incidência da Magnitsky sobre Moraes é estapafúrdia tanto por aqueles em cuja companhia foi colocado quanto pela ausência de notórios violadores de direitos humanos na lista. Lá estão, por exemplo, os envolvidos no assassinato do jornalista dissidente da Arábia Saudita, Jamal Khashoggi. Dela se ausentam, porém, Nayib Bukele, presidente de El Salvador denunciado em todas as latitudes pelas violações em massa aos direitos humanos.

Num caso pouco falado, mas que atinge um país de porte médio, como o Brasil, e autoridades do tamanho de Moraes foi a aplicação da Magnitsky contra ministros turcos pela prisão de um pastor americano em 2018. As semelhanças param por aí. O pastor foi liberado na Turquia, o que não deve ser o caso dos réus da trama golpista, notadamente o ex-presidente Jair Bolsonaro.

O texto da decisão contra Moraes fala em ameaça à liberdade dos cidadãos americanos e aos interesses dos EUA. Não há americanos entre os réus da trama golpista. Há, sim, no rol de decisões do ministro aquelas que afetam as “big techs”, mas não há sinal de que a menção a essas empresas na decisão sobre Moraes venha a colocar um freio nas decisões do STF sobre o setor ou nos projetos em curso que o afetam.

Representantes das principais empresas tiveram um encontro com o vice-presidente Geraldo Alckmin do qual participou, remotamente, um representante do governo americano. As empresas expuseram suas preocupações e foram informadas dos projetos de regulação dos serviços digitais e daquele de inteligência artificial que já tramita no Congresso. Nada do que se passou naquela reunião deu motivos extras para a sanção a Moraes. Tampouco autoriza a interpretação de que haverá recuo na regulamentação.

A mitigação da guerra comercial e o avanço no cerco a Moraes não se esgotam como dueto explicativo. Vide o que aconteceu com a Índia e o embate entre EUA e França em torno da autonomia do Judiciário. Ao anunciar a tarifa de 25% para a Índia além de multa, Trump mostrou o quanto seu governo está incomodado pela Rússia. A nota menciona as compras indianas de armas e de energia da Rússia e relaciona a guerra da Ucrânia como um agravante contrário a essas trocas comerciais. Está claro que os EUA querem vender mais armas, mas não apenas.

A medida é reforçada pelo projeto de lei, em tramitação no Congresso americano, que sanciona parceiros comerciais da Rússia. O Brasil compra fertilizantes e diesel da Rússia, mas está longe de estar no topo dos parceiros comerciais daquele país. Além da Índia, toda a Europa, além da Turquia, são parceiros comerciais mais avantajados da Rússia.

Por isso, uma sanção extra contra o Brics, como temem senadores brasileiros da comitiva dos EUA, está longe de isolar Vladimir Putin. Se o objetivo real de Trump é minar a capacidade de a China angariar parceiros, a sobretaxa no comércio com Brasil e Índia só empurra mais areia para o caminhão chinês.

Já a ofensiva contra Moraes ganhou ataque assemelhado ainda que não concretizado. O Departamento de Estado criticou um procurador francês que instou o X a prestar informações. O Ministério da Justiça francês se pronunciou num tom que em nada difere daquele usado pelo governo Lula: “A França é um Estado de direito. Os juízes agem com toda independência nos quadros das leis da República. O questionamento de sua imparcialidade vindo do exterior não é aceitável. O respeito aos procedimentos judiciais não é negociável”.

A manifestação, somada ao repúdio francês ao acordo entre União Europeia e EUA, porém, não entusiasma o Itamaraty em função da dependência que a Europa hoje tem dos EUA para conter a ameaça russa sobre o continente. Continua valendo, portanto, o “NYT”: “Ninguém desafia Trump como o presidente brasileiro”. Para o bem e, a partir do tarifaço mitigado, um pouco menos, para o mal.

Nenhum comentário: