Valor
Econômico
País queria ser recompensado
com bom acordo com os EUA, mas Trump ameaça com tarifa de 25%
O Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e outros
seis) não consegue renovar sua Estratégia para a Parceria Econômica para o
período 2025-2030, prevista para ocorrer durante a atual presidência brasileira
do grupo e que coincide com intimidações sem precedentes de Donald Trump na
cena internacional.
Essa parceria foi lançada em 2020 na cúpula em Moscou para delinear cooperação no comércio, investimentos e financiamento, economia digital e desenvolvimento sustentável no grupo dos grandes emergentes. O documento original, negociado já em meio a turbulências de Trump 1.0, mencionava determinação por exemplo de “resistir à incerteza global emergente causada por uma série de fatores, incluindo o aumento de medidas unilaterais e protecionistas que vão contra o espírito e as regras da OMC”.
Para a renovação da parceria, simbolicamente
importante, o grupo dos grandes emergentes procura evitar atritos adicionais.
Não faz referência a moeda única ou desdolarização. Limita-se a mencionar
exploração de meios de pagamentos alternativos, não indo além do que dos
ministros de finanças tinham acertado. O grupo sempre sinalizou objetivo de
desenvolver novos modelos de produção, aumentar as trocas e estabelecer
integração de suas empresas nas cadeias globais de valor.
Apesar da cautela, um país, a Índia, inferniza as negociações
sobre a renovação da parceria, e isso desde o começo do primeiro semestre. O
documento era para ter sido aprovado em maio, na reunião de ministros de
Comércio, em Brasília. Mas as dificuldades levantadas por Nova Déli mantiveram
uma série de colchetes sinalizando divergências. Quando ocorreu a cúpula dos
líderes dos 11 países-membros, no começo deste mês, no Rio de Janeiro, não
houve tempo de os sherpas (os principais negociadores) se debruçarem sobre a
questão.
Ao mesmo tempo, Trump subiu ataques contra o Brasil. Quando o
país sediava a cúpula do Brics, ele ameaçou impor tarifa adicional de 10%
contra qualquer nação que se “alinhasse” com o bloco “antiamericano”. Depois,
anunciou a ameaça da “Tarifa Bolsonaro” de 50% sobre produtos brasileiros.
O ministro das Relações Exteriores da Índia, Subrahmanyam
Jaishankar, tem repetido que “nossas relações com os EUA estão provavelmente
melhores do que nunca”. Quando Trump mostrou irritação com discussões sobre a
substituição do dólar americano como moeda de reserva mundial ele rapidamente
observou que a Índia “não tinha absolutamente nenhum interesse em minar o
dólar”.
O bloqueio da Índia no Brics portanto não surpreende, diante do
zelo de Nova Déli em não causar qualquer percepção de divergência com o governo
amigo de Donald Trump. O chefe de governo indiano, Narendra Modi, foi um dos
primeiros a visitar Trump na Casa Branca, ansioso para ser recompensado com um
bom acordo de tarifas com os americanos.
Só que Trump, imprevisível, brutal e operando na base da intimidação, tem sido
mais duro com os amigos do que com os adversários como a China. E ontem,
insatisfeito com o andamento das negociações entre os dois países, ameaçou
impor tarifa de 25% sobre os produtos indianos a partir desta sexta-feira - bem
mais que o negociado nos acordos com Reino Unido (10%), União Europeia e Japão
(15%), Indonésia e Filipinas (19%) e Vietnã (20%).
Trump disse que a Índia é aliada dos EUA, mas tem tarifas de
importação entre as mais altas do mundo. Além disso, “eles sempre compraram a
grande maioria de seus equipamentos militares da Rússia e são os maiores
compradores de energia da Rússia, juntamente com a China, em um momento em que
todos querem que a Rússia pare de matar na Ucrânia”, reclamou ele em rede
social.
A Índia pratica a busca de equilíbrio entre poderes (EUA, China,
Rússia) e interesses concorrentes, uma abordagem transacional que a revista
inglesa “The Economist” chama de “realismo cínico”, expressão que diz ser usada
com orgulho em Nova Déli. Mas os indianos sabem que a situação é delicada e
conhecem o alerta do atual secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, de que
o tarifaço é apenas o começo da reordenação da ordem econômica que Trump quer
estabelecer. Para Bessent, “o sistema de comércio internacional consiste numa
rede de relacionamentos, militares, econômicos e políticos”. Não se pode
considerar um único aspecto isoladamente, e sim com interconexões que, para
ele, podem ser reordenadas para promover o interesse americano.
Trump ignora todas as regras comuns do comércio internacional e
vem ganhando sua guerra. Cada acordo anunciado por Washington parece mais uma
rendição de parceiro. As exportações para os EUA sofrem alíquota média acima de
15%, a mais alta desde 1930, enquanto mercadorias americanas entram naqueles
mercados livres de tarifas, no que a Casa Branca chama de “reciprocidade” para
corrigir o déficit comercial americano. O Tesouro americano já prevê arrecadar
até US$ 300 bilhões com tarifas neste ano.
Nenhuma coalizão ousou aparecer até agora para se opor às práticas da
administração Trump. Cada um que quer sair da mira de Washington cede a ameaças
e não dá para coordenar postura comum.
Nesse cenário complicado, cada um tenta tocar o barco. E a Índia continua inviabilizando a renovação de um modesto plano para parceria no Brics. Tecnicamente, a iniciativa não foi ainda para as “calendas gregas”, mas não há garantia de sua renovação na presidência do grupo pelo Brasil, que termina no fim do ano. “Para que serve o Brics?”, indagavam alguns observadores habituados à retórica robusta de Sul Global.
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