quinta-feira, 31 de julho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Brasil precisa reagir com sobriedade diante de tarifaço

O Globo

Motivada por Bolsonaro e big techs, ação de Trump é injustificável, mas busca de solução exige serenidade

A confirmação nesta quarta-feira das ameaças feitas por Donald Trump contra a economia e o Judiciário do Brasil causa profunda perplexidade. Como parece hoje ser a marca do governo americano, houve dois movimentos em sentidos opostos: reduziu o alvo da tarifa adicional de 40%, isentando dela centenas de produtos, e radicalizou a perseguição ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, enquadrando-o na Lei Magnitsky, que o expõe a sanções financeiras. Nas justificativas, dois comunicados, um da Casa Branca e outro do secretário de Estado, Marco Rubio, fazem menção ao julgamento de Jair Bolsonaro e aos interesses das big techs.

Por certo, 30 de julho de 2025 terá destaque funesto na história das relações entre as duas nações amigas. Empreendedores e trabalhadores de empresas com vendas de produtos nos Estados Unidos serão as grandes vítimas. O tamanho do aumento das tarifas, mesmo com as isenções, é um dos maiores aplicados a uma democracia amiga até o momento e pode inviabilizar exportações em uma série de setores. Com isso, é provável que provoque queda de receita e demissões. Fatias do mercado americano arduamente conquistadas durante anos desaparecerão de uma hora para outra. É verdade que a extensão das consequências foi limitada pela lista de 694 exceções, que inclui petróleo, aviões e suco de laranja, e isso foi um alívio. Esses produtos respondem por cerca de 43% das exportações brasileiras aos Estados Unidos. Mas a lista manteve a tarifa adicional para vários segmentos em que o Brasil é competitivo, como o de carnes, café e frutas. Perto do que se temia no início do mês, o estrago até que foi menor. Ainda assim, provocará muito prejuízo. Por isso é essencial nos próximos dias e semanas tentar aumentar o número de produtos isentos da sobretaxa.

Ante a agressão tarifária e a tentativa de intimidação do Judiciário, as autoridades brasileiras devem reagir com sobriedade. Retaliações tendem a piorar a situação num primeiro momento. É preciso apostar na possibilidade de que uma hora a poeira baixará e será possível dar início a negociações objetivas. A crise demanda a defesa da soberania brasileira naquilo que é inegociável e também uma boa dose de pragmatismo. Discursos inflamados e respostas impensadas servirão apenas para atrasar o entendimento. Como também o prazo para a entrada em vigor da tarifa é de sete dias, o Brasil deve correr contra o relógio. Há bons argumentos, uma vez que os fatos desmentem as acusações de Trump e Rubio. A nota do presidente americano afirma que integrantes “do governo do Brasil tomaram medidas que interferem na economia dos Estados Unidos, infringem os direitos de livre expressão dos cidadãos americanos, violam os direitos humanos e minam o interesse dos Estados Unidos em proteger seus cidadãos e empresas”.

Ora, basta andar pelas ruas de qualquer metrópole brasileira para perceber quanto o Brasil faz bem à economia dos Estados Unidos. Carros de marcas americanas são vistos por todos os lados. Situação semelhante se repete em farmácias, supermercados e lojas. É uma relação ganha-ganha. As companhias trazem investimentos, tecnologia e produtos de qualidade, e os consumidores brasileiros retribuem tirando dinheiro do bolso — não raramente na forma de cartões de crédito com bandeiras americanas.

Fora do mercado voltado para o consumidor final, também há uma série de destaques. Em setores como agronegócio, energia, metalurgia, seguros e financeiro, empresas americanas têm negócios de grande porte no Brasil. Tudo somado, elas respondem por cerca de um terço do estoque de investimentos estrangeiros. Isso explica por que os Estados Unidos foram, na última década, o segundo destino de lucros e dividendos enviados daqui. Um dos maiores mercados consumidores do mundo, o Brasil é ótimo para a economia americana. O resultado da balança comercial, favorável aos Estados Unidos, é mais uma evidência. É preciso acreditar que, em algum momento, Trump será convencido dessa realidade.

Por enquanto, ele tem privilegiado os interesses de apenas um setor, o das big techs, contrariado por decisões judiciais brasileiras para que se responsabilizem pelos crimes e abusos tão comuns nas suas plataformas. Na seção que abre o comunicado com a imposição da sobretaxa de 40%, Trump dedicou três parágrafos para proteger as plataformas digitais. “Ações judiciais, tomadas sob o pretexto de combater a ‘desinformação’, as ‘notícias falsas’ ou os conteúdos ‘antidemocráticos’ ou ‘de ódio’, colocam em perigo a economia dos Estados Unidos ao coagir de forma tirânica e arbitrária as empresas americanas a censurar o discurso político”, diz. Não é verdade. O STF não tem, nem quer ter jurisdição sobre os Estados Unidos, o que seria delirante. Quando pede a derrubada de algum post de redes sociais por violações a leis brasileiras, quer impedir a sua circulação apenas no Brasil. E ao estabelecer recentemente limites às big techs, o STF cumpriu sua missão de proteger a Constituição.

A fúria de Trump direcionada à Corte motivada por Jair Bolsonaro e seu filho Eduardo é outra questão indefensável. “O governo brasileiro acusou Bolsonaro injustamente de vários crimes relacionados” ao segundo turno das eleições de 2022, e o STF “decidiu, equivocadamente, que Bolsonaro deve ser julgado por essas acusações criminais injustificadas”, diz o presidente americano. Ora, Jair Bolsonaro está sendo julgado, com amplo direito de defesa, porque realizou encontros com chefes das Forças Armadas e pediu apoio para um golpe de Estado. O próprio Bolsonaro reconheceu ter participado das reuniões após depoimento à polícia dos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica. O ex-número dois da Secretaria-Geral da Presidência, o general da reserva Mário Fernandes, admitiu ser o autor do documento conhecido como “Punhal Verde e Amarelo”, com o plano para matar Luiz Inácio Lula da Silva, Geraldo Alckmin e Moraes. É um disparate usar a defesa dos direitos humanos como pretexto para perseguir Moraes e criticar o Supremo da segunda maior democracia das Américas. Não há perseguição nem cerceamento à liberdade.

Brasil e Estados Unidos têm um longo histórico de amizade e cooperação em diferentes áreas, inclusive na militar, com tropas dos dois países lutando lado a lado na Segunda Guerra Mundial. Com paciência e determinação, o desentendimento poderá ter pouca duração. São muitas as razões para pacificar os ânimos. Acima de tudo, porque Brasil e Estados Unidos têm múltiplos interesses mútuos. Uma maior abertura da economia brasileira faria bem à nossa competitividade e às exportações americanas. A exploração de minérios críticos é outro segmento que pode ser promissor, se beneficiar os dois lados. O crucial agora é manter a calma e dar início a negociações.

Tarifaço foi aquém do previsto, mas é preciso diversificar mercados

Valor Econômico

A razia tarifária de Trump, mesmo para os produtos com taxação mínima de 10%, torna a necessidade de diversificação de mercados ainda mais urgente

Em um ato marcadamente político, o presidente Donald Trump, via ordem executiva, decretou tarifas de 50% sobre a maior parte das exportações brasileiras para os Estados Unidos. Além disso, o Tesouro americano enquadrou, de forma arbitrária, Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na Lei Magnitsky, cujas sanções incluem o bloqueio de todos os bens e investimentos do ministro no país — Moraes declarou não ter nenhum. A lista de elevação tarifária, se chegou antes do prazo de 1 de agosto, foi seletiva e menos severa do que as ameaças faziam prever. Pelos cálculos da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil), a lista de exceções engloba 694 produtos, que representam US$ 18,4 bilhões exportados em 2024 — 43,4% do total de US$ 42,3 bilhões. Carnes e café, do qual os EUA dependem muito de importações do Brasil, receberão a tarifa punitiva total.

A emergência nacional relatada por Trump em praticamente todos os parágrafos da ordem executiva estão baseadas em argumentos políticos, tangencialmente econômicos, e contestam atos legítimos de instituições brasileiras relacionados a assuntos internos do país. São argumentos falsos. Entre as violações apontadas por Trump estão as de que membros do governo brasileiro “interferiram na economia dos EUA, infringiram direitos de livre expressão de cidadãos americanos, violaram direitos humanos” e promoveram “perseguição política” ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

O presidente americano, ao contrário do Judiciário brasileiro, já deu sentença peremptória sobre as acusações feitas contra Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado, em processo legal com amplo direito de defesa, classificando-as de “injustificadas”. Entre os demais argumentos, entram as big techs, que estariam sendo “tirânica e arbitrariamente” coagidas a “censurar o discurso político, entregar dados sensíveis dos EUA e mudar sua política de moderação de conteúdo”.

O blecaute negocial imposto ao governo brasileiro, com a recusa em responder a cartas e pedidos oficiais de entendimento, correspondeu a uma condenação a priori. Mesmo para os padrões personalistas das ações de Trump, os EUA não trataram nenhum dos países aos quais impôs tarifas com semelhante dureza — muito menos aqueles com os quais têm superávit e não déficit comercial, o pretexto para sua guerra tarifária mundial. O Brasil recebeu a pior punição de todos os que receberão “tarifas recíprocas”.

Trump quis dar uma demonstração de força contra a maior economia da América Latina, governada por um presidente com políticas divergentes das do republicano e que participa com a China, inimiga número um do governo americano, do bloco dos Brics, potencial polo de atração para uma alternativa geopolítica ao poderio dos EUA.

Movimentações de empresários brasileiros e americanos, e algum realismo oficial em relação à essencialidade de produtos brasileiros para o mercado americano, levaram, porém, a uma dosagem da punição. Dos cinco principais produtos vendidos pelo Brasil aos EUA, só o café teve sua alíquota de importação majorada a 50% — petróleo, semiacabados de ferro e aço, aeronaves e derivados de petróleo continuarão pagando 10%, o que se tornou, sob Trump, o pedágio mínimo para ingresso no maior mercado do mundo.

Dessa forma, esses produtos brasileiros terão mais vantagens de ingresso do que a maioria dos países emergentes perseguidos pela taxação “recíproca”, como Índia e nações do Sudeste Asiático (Tailândia, Indonésia, Filipinas, Malásia, Vietnã, Laos e Camboja, com taxação entre 19% e 49%), e também alguns dos maiores parceiros comerciais dos EUA, como Canadá, que pagará 25%, México (30%), Japão (25%) e União Europeia (15%).

Ninguém sairá ganhando com a guerra comercial, embora Trump julgue que possa ser vitorioso. A economia americana encerrou o semestre com crescimento de 1,1%, significativamente abaixo dos 2,9% do último semestre do ano passado. O crescimento de 3% no segundo trimestre foi ilusão estatística, como foi o negativo 0,5% no primeiro, distorcidos pelas enormes compras antecipatórias feitas antes da vigência das tarifas. Os efeitos sobre a inflação, que começaram a se manifestar em junho, deverão ganhar intensidade a partir de agora, quando se encerra a trégua decidida por Trump — só a China tem mais prazo para negociar com os EUA.

A economia americana vai desacelerar, sem entrar em recessão, e a inflação, segundo analistas, deverá encostar nos 3% ou mais, devido ao aumento das tarifas. Com isso os juros demorarão mais a cair. Ontem, o Fed (o banco central americano), vilipendiado por Trump e coagido a baixar juros, os manteve entre 4,35% e 4,5%.

O governo brasileiro armou um plano de contingência para socorrer os setores afetados, cuja magnitude agora será revista para baixo, o que não desobriga, dados os recorrentes déficits fiscais, de oferecer auxílios com data certa para acabar, foco nos setores mais prejudicados e ênfase na manutenção dos empregos. A razia tarifária de Trump, mesmo para os produtos com taxação mínima de 10%, torna a necessidade de diversificação de mercados mais urgente ainda.

Eduardo Bolsonaro, inimigo do Brasil

Folha de S. Paulo

  • Deputado eleito por SP faz de tudo para defender a própria família, sem se importar com interesses nacionais
  • Uma crise complexa dessa envergadura não tem um único culpado, mas ninguém está mais associado a ela do que o filho do ex-presidente

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) transformou-se em inimigo do Brasil. Perdido no labirinto de seus delírios, ele faz de tudo para defender a própria família e não se importa de mandar às favas os interesses nacionais.

Em seu horizonte desponta um único propósito: livrar o pai da cadeia. Como se sabe, tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) o processo em que Jair Bolsonaro (PL) responde por tentativa de golpe contra as instituições democráticas, entre outros crimes.

Eduardo não demonstra pudores nesse mister. Tal qual um bufão aos pés de trono estrangeiro, adula o presidente Donald Trump e, alheio aos abusos cometidos contra sua própria pátria, comemorou o tarifaço de 50% que o americano prometeu impor ao Brasil se o Supremo não arquivasse o julgamento de Bolsonaro.

Após tal chantagem, que revela ignorância quanto à separação de Poderes que fundamenta as democracias modernas, o republicano decretou taxação de 50% sobre apenas parte das exportações brasileiras nesta quarta (30).

Um tarifaço pleno ameaçaria bem mais a economia do Brasil, já que 9.500 empresas enviam produtos para os Estados Unidos e 30 setores direcionam para lá pelo menos um quarto de suas exportações —as quais, no ano passado, montaram a US$ 20,3 bilhões.

São Paulo, estado que Eduardo deveria representar se honrasse seu mandato, sofreria de forma especial. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) estimou impacto que poderia variar de 0,3% a 2,7% do PIB, com 44 mil a 120 mil empregos a menos.

Tarcísio, que a princípio hesitou diante da inaceitável chantagem de Trump, passou a procurar maneiras de atenuar os prejuízos. Outros governadores, como Ratinho Junior (PSD), do Paraná, também adotaram iniciativas nesse sentido —e, por óbvio, não fizeram mais que a obrigação.

E o que fez Eduardo? Disparou críticas contra eles, como se tentar proteger a população brasileira constituísse um defeito, não uma qualidade. Logo se vê que o deputado fugitivo inverteu a escala de valores e não consegue mais distinguir o certo do errado.

Nesse mundo de ilusões, ele considerou apropriado, por exemplo, misturar bravata com retórica miliciana para dizer que Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União-AP), respectivamente presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, podem sofrer sanções americanas se não agirem em prol de Jair Bolsonaro.

Para piorar, disse que atuará contra a comitiva de senadores que foi aos EUA com a missão de conter a taxação de produtos brasileiros. "Eu trabalho para que eles não encontrem diálogo", afirmou em entrevista ao SBT News.

De todo modo, a sombra do tarifaço já afetou diversos setores. Uma crise tão complexa nunca tem um único culpado, mas ninguém está mais associado a ela do que Eduardo Bolsonaro —cuja estratégia delirante, como se evidencia a cada dia, mais atrapalha do que ajuda seu pai.

Ditadura chavista ganha fôlego com ajuda de Trump

  • Após fraudar eleição, Maduro se fortalece com esvaziamento da oposição e presentes do republicano
  • A ascensão ao poder de um populista de direita nos EUA deveria complicar a situação do chavismo, mas isso só ocorreu no marketing

O crime compensa. Tal proposição é verdadeira no caso dos crimes eleitorais cometidos na Venezuela. A ditadura de Nicolás Maduro fraudou descaradamente o pleito presidencial de julho de 2024 e, agora, está colhendo frutos.

De fato, a eleição do ano passado não foi a primeira em que o chavismo se valeu de manipulações e falseamento de resultados, mas foi aquela em que o fez de modo mais explícito. Mesmo um aliado de longa data, como Luiz Inácio Lula da Silva (PT), não pôde se posicionar plenamente a favor do regime, o que fez esfriar as relações entre os vizinhos.

Vários outros países protestaram contra a fraude, mas não foram muito além de sinalizações políticas. A verdade é que, exceto em situações extremas, não há muito que o mundo possa fazer quando uma nação descamba no autoritarismo —sanções econômicas no geral prejudicam mais a população do que autoridades.

Assim, a ditadura venezuelana está hoje mais consolidada do que estava um ano atrás.

A oposição saiu bastante machucada do pleito. Prisões, seguidas ou não de libertações, vêm ocorrendo diuturnamente, criando um ambiente de terror. O candidato adversário, Edmundo González, que recebeu mais votos do que Maduro, está no exílio em Madri. María Corina Machado, principal líder oposicionista, vive escondida no país.

A população perdeu disposição para protestar e até para votar. No mais recente pleito, o chavismo levou 285 de 335 prefeituras. Boa parte dos políticos oposicionistas nem se sequer se candidatou, enquanto boa parte dos eleitores não compareceu às urnas.

A maior surpresa, contudo, foram os Estados Unidos sob Donald Trump. Pela lógica, a ascensão de um presidente populista de direita deveria complicar a situação do chavismo. Mas isso só ocorreu no marketing.

Os EUA acabam de anunciar uma recompensa de US$ 25 milhões para quem fornecer informações que levem à prisão de Maduro, por seu envolvimento com narcotráfico. Na prática, porém, as ações concretas do governo Trump ajudam a ditadura.

A Casa Branca autorizou a petroleira Chevron a voltar a operar na Venezuela em sociedade com a estatal PDVSA, ajudando, assim, a encher os cofres do regime.

E não só. Os cortes na ajuda externa que os EUA davam a outros países reduzirão drasticamente os orçamentos de organizações de direitos humanos e de jornalismo independente que monitoram abusos de ditaduras.

São dois grandes presentes de Trump para Maduro.

Podia ser pior

O Estado de S. Paulo

Há sinais de que a montanha de tarifas dos EUA contra o Brasil esteja parindo um rato. Mas o País deve manter o sangue-frio e o espírito aberto, sem bravatas. De irresponsável, basta Trump

O presidente dos EUA, Donald Trump, cumpriu sua ameaça e sobretaxou em 40% diversos produtos exportados pelo Brasil. Essa tarifa se soma aos 10% que já estavam em vigor desde abril, perfazendo um total de 50%. Assim, o Brasil se torna o segundo país mais castigado pelo tarifaço de Trump, só atrás da China, mesmo sendo deficitário no comércio com os EUA.

Podia ser pior. O prazo fixado por Trump para a entrada em vigor do tarifaço, 1.º de agosto, foi postergado para o dia 6, o que abre uma janela para negociações. Ademais, quase 700 itens ficaram de fora da taxação, reduzindo drasticamente seu alcance. Isso significa que, provavelmente, o governo Trump foi sensível a demandas de empresários americanos que seriam afetados pela imensa barreira aos insumos brasileiros que eles usam para sua produção.

Portanto, há sinais de que a montanha esteja parindo um rato, desfecho mais ou menos esperado diante dos conhecidos recuos de Trump no que diz respeito à imposição de tarifas. Ainda assim, dado que o presidente americano justificou sua ordem executiva não com argumentos comerciais, mas como forma de reprimenda ao Judiciário brasileiro em razão dos processos contra Jair Bolsonaro e contra as empresas americanas que administram redes sociais, estamos no terreno do imponderável.

Fosse uma questão meramente comercial, as negociações obedeceriam a alguma lógica racional. Cede-se aqui e ali e, afinal, chega-se a um acordo que possa ser tido como razoável por todos. Mesmo considerando a truculência americana, notável em relação a muitos países, inclusive aliados dos EUA, hoje pode-se dizer que há brechas para obter de Trump algum alívio nas barreiras.

O caso brasileiro, contudo, é bem mais complexo. Por razões que ainda estão por ser esclarecidas, Trump escolheu o Brasil como um alvo especial. É provavelmente o único país que está sendo castigado pelos EUA por questões que nada têm a ver com comércio nem com decisões de governo, e sim por ações do Judiciário. Nesse sentido, as barreiras anunciadas contra o Brasil podem ser perfeitamente qualificadas como sanções.

Ou seja, o Brasil está sendo punido porque seu Judiciário contrariou interesses particulares de Trump, que ele qualifica como interesses nacionais. Na ordem executiva que impôs as tarifas ao País, Trump malandramente atribuiu a “membros do governo do Brasil” a tomada de “ações sem precedentes para coagir de forma tirânica e arbitrária empresas americanas a censurar discurso político, remover usuários de plataformas, entregar dados sensíveis de usuários americanos ou alterar suas políticas de moderação de conteúdo sob pena de multas extraordinárias, processos criminais, congelamento de ativos ou exclusão total do mercado brasileiro”. Ora, como se sabe, nenhuma dessas “ações sem precedentes” foi tomada pelo governo, e sim pelo Supremo Tribunal Federal (STF). E contra todas elas cabe recurso.

É natural intuir que os processos contra Bolsonaro tenham sido decisivos para que o presidente americano declarasse guerra comercial ao Brasil. Isso ficou ainda mais claro com a decisão de Trump, tomada também hoje, de castigar o ministro Alexandre de Moraes, relator desses processos no STF, com uma lei americana que serve para punir qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo, que esteja envolvida em abusos de direitos humanos e corrupção.

Essa lei foi aplicada poucas vezes desde sua adoção, em 2012. Os alvos foram chineses envolvidos em repressão contra dissidentes, agentes sauditas que mataram um jornalista e autoridades nicaraguenses que perseguem opositores, além de integrantes da notória ditadura venezuelana. Ou seja, nada nem remotamente parecido com os processos que Moraes relata nem com suas decisões contra Bolsonaro ou contra as big techs – algumas delas questionáveis, mas que não podem ser equiparadas a violações de direitos humanos.

Sabendo-se que Trump faz interpretações elásticas das leis para atingir seus objetivos, não se deve comemorar o aparente recuo em relação às tarifas contra o Brasil, pois nada do que vale hoje pode valer amanhã. Assim, nesse contexto, o País deve manter o sangue-frio e continuar a negociar com espírito aberto, sem bravatas. De irresponsável, basta Trump.

Alimentar Gaza é imperativo moral

O Estado de S. Paulo

Israel precisa vencer o Hamas sem perder sua alma. Evitar a fome de civis é um dever humanitário – e medida necessária para reverter o isolamento do país e desmoralizar a propaganda jihadista

Gaza está faminta. E enquanto a catástrofe se alastra, o debate diplomático afunda-se em recriminações mútuas, obstruções burocráticas e cálculos políticos que deixam a desumanidade se sobrepor à razão.

O Hamas é o maior responsável pela tragédia palestina. Foi ele que desencadeou essa guerra. É ele que, desde então, age para maximizar o sofrimento do seu próprio povo, instrumentalizando-o como arma política. Há semanas os terroristas bloqueiam negociações de cessar-fogo, sabotam comboios de ajuda e, agora, incitam apoiadores a atacar, nas redes, esforços internacionais de socorro. A fome em Gaza é sua última cartada para terminar a guerra em seus termos. Mas se o mundo não pode esperar racionalidade nem humanidade dos jihadistas, deve cobrá-las dos atores que conservam algum grau de legitimidade e poder real de ação.

A situação calamitosa não é “fake news”, como alegam porta-vozes de Israel – trata-se de uma tragédia com contornos documentados e reconhecidos por aliados como os EUA e o Reino Unido. Ao revisar suas políticas, o próprio governo de Israel admite isso. Depois de tentar substituir o sistema de distribuição da ONU por hubs controlados – iniciativa que fracassou em termos logísticos, humanitários e diplomáticos –, o governo autorizou “pausas táticas” diárias em partes de Gaza, ampliou corredores humanitários, autorizou lançamentos aéreos de alimentos e voltou a permitir a entrada de caminhões via fronteira egípcia. Avanços relevantes, mas ainda insuficientes diante da escala da emergência.

O principal erro estratégico de Israel foi acreditar que poderia derrotar o Hamas estrangulando Gaza. Entre março e maio, a ajuda foi virtualmente bloqueada. A expectativa era de que a pressão máxima levaria o Hamas à rendição. Mas o agravamento da crise humanitária, ao contrário, fortaleceu a narrativa de vitimização do grupo, aumentou a pressão internacional sobre Israel, enfraqueceu suas alianças e não produziu concessões tangíveis. Ao apostar na fome como instrumento de guerra – mesmo que indiretamente –, Israel cometeu um erro moral e político atroz.

A melhor forma de minar a estratégia do Hamas é romper sua equação: a fome em Gaza é uma vitória moral para o Hamas. Isso exige uma guinada completa. De imediato, é urgente intensificar massivamente os lançamentos aéreos de alimentos. Além disso, Israel precisará abrir pontos de entrada disponíveis, eliminar entraves burocráticos e aceitar auxílio logístico de países árabes dispostos a agir, como a Jordânia ou os Emirados Árabes. A relutância em colaborar com agências internacionais ou permitir a entrada de jornalistas está corroendo a imagem global do país – e, portanto, sua legitimidade para combater o Hamas.

A ONU, por sua vez, tem falhado em garantir segurança mínima para os comboios e em responder com agilidade às mudanças no terreno. Também precisa flexibilizar seus protocolos e aceitar parcerias operacionais que não comprometam sua neutralidade.

Quanto aos países árabes, é preciso distinguir entre os que atuam e os que se limitam à retórica. A questão palestina não será resolvida com postagens inflamadas ou votos simbólicos na ONU. É hora de demonstrar compromisso real com a vida dos civis em Gaza.

O mesmo vale para os aliados de Israel no Ocidente. O governo dos EUA, ao admitir que há “fome real” em Gaza, deu um passo. Mas precisa ir além de declarações. É hora de redirecionar esforços para canais mais eficazes do que os atuais. Outras democracias liberais podem exercer pressão coordenada – e proporcional – por soluções para a crise alimentar.

Conter o colapso humanitário não é só um dever ético. É um imperativo estratégico. Quanto mais durar a fome, mais Israel se isola, mais o Hamas se fortalece politicamente e mais distante se torna qualquer perspectiva de paz ou reconstrução para Gaza. Nenhuma vitória militar compensará a perda da razão moral. E nenhuma democracia pode se dar ao luxo de perdê-la.

O tempo está se esgotando. Que não falte comida onde já falta tudo o mais.

Para Maluf, o crime compensou

O Estado de S. Paulo

Acordo com a família do ex-prefeito não apaga a demora para punir um notório corrupto

O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) firmou um acordo de não persecução cível com familiares do notório Paulo Maluf, de 93 anos. Pelo pacto, R$ 210 milhões deverão voltar aos cofres da Prefeitura da capital paulista a título de indenização pelo desvio de vultosos recursos públicos pelo ex-prefeito entre 1993 e 1996, período em que ele administrou a metrópole. Foi um negócio e tanto para “Doutor Paulo” e seus herdeiros.

Estima-se que Maluf tenha desviado US$ 300 milhões – o equivalente a cerca de R$ 1,7 bilhão – em contratos superfaturados com empreiteiras responsáveis pela construção do Túnel Ayrton Senna e da Av. Água Espraiada, hoje Av. Jornalista Roberto Marinho. Passados quase 30 anos, a cidade de São Paulo só conseguiu recuperar pouco mais da metade do dinheiro surrupiado (US$ 160 milhões). Portanto, o acordo firmado há poucos dias entre o MP-SP e os filhos, uma ex-nora e um ex-genro do ex-prefeito foi uma pechincha para o clã Maluf.

Uma Justiça que tarda e não provê à sociedade uma reparação à altura do dano causado por seus inimigos é uma Justiça falha. A longa vida de crimes do sr. Maluf, resta evidente, foi ricamente recompensada pela incompetência do Estado para reaver em tempo razoável o volume descomunal de dinheiro que esse cidadão, descaradamente, desviou dos cofres paulistanos.

No que concerne à sua responsabilização penal, Maluf também não tem do que se queixar da generosidade do Estado. O ex-prefeito só foi condenado em definitivo por aqueles desvios pelo Supremo Tribunal Federal em 2017, passando a cumprir pena de prisão – em regime domiciliar, dadas sua idade e condição de saúde – a partir de 2018. Quatro anos depois, o ex-prefeito foi beneficiado com a extinção da pena por um indulto natalino assinado pelo então presidente Jair Bolsonaro – uma espécie de Maluf piorado.

O caso Maluf, às raias da caricatura, é a epítome de um vício crônico da Justiça brasileira: a sua inadmissível morosidade. Não há como ignorar que um dos maiores escândalos de corrupção da história recente da capital paulista termina com uma punição branda, tardia e, em última análise, ineficaz. É óbvio que a indenização de R$ 210 milhões é melhor do que nada – sobretudo se o prefeito Ricardo Nunes souber empregá-la de modo a resolver ou mitigar os muitos problemas da cidade que ele administra. Mas isso é uma fração do que Maluf se serviu à custa dos contribuintes, razão pela qual não cabe qualquer tipo de contentamento por esse acordo.

Por mais que a indenização possa ser reconhecida, com muita boa vontade, como um avanço institucional possível, ela chega tarde demais e em valor que não corresponde à gravidade do crime nem ao prejuízo causado à sociedade paulistana. Nesse sentido, o legado de Maluf é menos o de um político habilidoso e realizador, como seus defensores ainda hoje insistem em sustentar, e mais o de um símbolo de corrupção e de leniência estatal.

Em que pesem seus benefícios, esse acordo de não persecução cível é o retrato de um Estado que claudica para punir com rigor poderosos que traem seus mandatos, quando estes deveriam ser enfrentados com ainda mais firmeza.

Gaza faminta e distante da paz

Correio Braziliense

Parece ganhar força uma pressão para que Israel adote medidas que, de fato, amenizem a epidemia de fome em Gaza. Não há dúvidas, porém, dos prejuízos a longo prazo em acometidos por desastres humanitários

Principal palco da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, Gaza chegou ao nível mais alto de fome possível, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU) e especialistas em segurança alimentar. Passados quase dois anos do início do confronto, o cenário tende a entrar na lista dos piores desastres humanitários da história — a exemplo da combinação de guerra e seca que afetou metade dos habitantes do Sudão do Sul em 2017 e, 25 anos antes, matou 300 mil pessoas na Somália. Com uma diferença crucial: o enredo de agora tem no comando um estado democrático. 

A apatia de aliados ocidentais, portanto, preocupa, e a cobrança por uma reação internacional é mais do que necessária. Nesta semana, parece ganhar força uma pressão para que Israel adote medidas que, de fato, amenizem a epidemia de fome em Gaza. Na terça-feira, o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, afirmou que, seguindo decisão da França, o Reino Unido reconhecerá o Estado palestino em setembro caso os palestinos sigam sob "sofrimento terrível". No mesmo dia, documento divulgado pela ONU e assinado por vários países, entre eles o Brasil, defende que a solução de dois Estados é o "único caminho" para a paz.

Na véspera, dois respeitados grupos de direitos humanos israelenses — B'Tselem e Physicians for Human Rights — divulgaram relatórios distintos sustentando que há um genocídio em curso contra o povo palestino. Estima-se que um em cada três moradores da Faixa de Gaza está há dias sem comer e que o número de mortos ultrapassa 60 mil desde o início da guerra. As declarações inéditas vieram com a cobrança de que aliados ocidentais têm o dever legal e moral de impedir a matança no conclave.

Ao Correio, Shai Parnes, diretor de Divulgação Pública da B'Tselem, detalhou o modus operandi do crime humanitário. "Genocídio não é apenas um assassinato em massa de um grupo. Genocídio é a destruição de um grupo, de forma que ele não mais possa funcionar enquanto grupo", afirmou, exemplificando a destruição de escolas e hospitais. Não faltam imagens revelando que Gaza é terra arrasada. Mapeamento recente do Centro de Sistemas de Informação Geográfica da Universidade Hebraica indica que em torno de 70% das estruturas estão inabitáveis.

Israel, por sua vez, nega que palestinos estejam morrendo de fome na região. No domingo, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu afirmou que a acusação é "mentira descarada" — a despeito das imagens de crianças cadavéricas que se espalham pelas redes — e voltou a acusar o Hamas de dificultar a entrada de ajuda humanitária. Ainda que haja roubos e outros impedimentos por parte do grupo terrorista, não deve recair sobre os civis o ônus do confronto. É crime de guerra, inclusive, toda e qualquer violação aos direitos humanos.

Contrariando Netanyahu, Donald Trump reconheceu, nesta segunda-feira, que "há fome real" em Gaza. "Eu vejo isso, não dá para fabricar", enfatizou, em uma declaração que aumentou a esperança por um desfecho civilizatório à crise. Há de se considerar, porém, a postura mais oscilante adotada pelo republicano desde que voltou à Casa Branca. Mês passado, por exemplo, ele criticou o que chamou de "caça às bruxas" ao premiê aliado, considerado, à época, "o maior guerreiro de Israel".

Há quem diga que o morde e assopra recorrente é estratégia para que as forças de segurança sigam avançando. Outros avaliam que Netanyahu faz um jogo perigoso com Trump e coloca a relação histórica entre as potências em risco e, consequentemente, a empreitada em Gaza. A história, porém, não deixa dúvidas dos prejuízos a longo prazo em populações acometidas por desastres humanitários. Ainda que uma trégua seja de fato instalada no conclave, os sobreviventes estão longe da paz. 

O tarifaço de Donald Trump contra o Brasil

O Povo (CE)

O melhor a fazer agora é agir com calma, porém com firmeza, respeitando o limite traçado pelo chanceler Mauro Vieira, de respeito à soberania brasileira

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, resolveu antecipar o anúncio do tarifaço sobre os produtos brasileiros, que deveria ocorrer no dia 1º de agosto.

Para manter sua fama de “imprevisível”, com a qual ameaça aliados históricos dos Estados Unidos mundo afora, o presidente americano assinou ontem o decreto com taxa de 50% para as mercadorias que os EUA importam do Brasil.

O anúncio causou surpresa a quem esperava uma ação dura de Trump, pois cerca de 700 produtos ficarão isentos da sobretaxa. Entre essas mercadorias isentas estão o suco de laranja, castanha, celulose, petróleo e aviões. Café e carne, dois produtos importantes para o Brasil, não entraram na lista de isenções. Será necessária uma avaliação mais profunda para avaliar o impacto na economia brasileira e cearense.

Também foi adiada para o dia 6/8 a data para entrar em vigor a nova tarifa, o que poderá ensejar a continuidade das negociações. E, nesse período, as mercadorias poderão continuar entrando nos EUA sem a sobretaxa.

Tanto a lista de isenções quanto o adiamento para a tarifa entrar em vigor, podem ser considerados recuos de Trump, muito possivelmente devido a pressões internas, abrindo uma brecha para negociações.

Também no dia de ontem, ao mesmo tempo, houve uma ofensiva americana contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O governo dos EUA usou a Lei Magnitsky, impondo-lhe sanções financeiras, em clara afronta ao Judiciário e à soberania brasileira. Essa lei foi criada para ser usada contra criminosos e violadores dos direitos humanos, portanto, ilegalmente aplicada contra Moraes.

Nesse redemoinho, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, reuniu-se em Washington com o secretário de Estado americano, Marco Rubio. Ao fim do encontro, Vieira reafirmou a disposição para o diálogo, mas rechaçou qualquer tipo de interferência na soberania brasileira.

Apesar dos arreganhos, Donald Trump parece deixar algumas brechas para negociação. É um bom sinal para o Brasil que, em vez da prometida bomba atômica, tenha sido disparado um artefato menos destrutivo, mas nem por isso isento de causar grandes danos, principalmente porque manuseado por mãos irresponsáveis, com auxílio da família Bolsonaro,

Portanto, o melhor a fazer agora é agir com calma, porém com firmeza, respeitando o limite traçado pelo chanceler Mauro Vieira.

Lamente-se que alguns políticos brasileiros, como o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), queiram capitular à chantagem de Trump, propondo usar a anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro, como peça na negociação sobre tarifas, uma violação à soberania brasileira. 

Nenhum comentário: