quinta-feira, 31 de julho de 2025

Intervenção americana nas eleições de 2026 já aconteceu - César Felício

Valor Econômico

Disputa terá ameaça de ruptura, como ocorreu em 2022, tendo o mesmo fator desestabilizante: o ex-presidente Jair Bolsonaro

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, irá intervir no processo eleitoral brasileiro de 2026? Esta é uma questão superada a partir da formalização das sanções contra o país e contra o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre Moraes, anunciadas na quarta-feira. Ele já interveio.

As eleições de 2026 serão disputadas sob a ameaça de ruptura, da mesma forma como foram as de 2022, tendo o mesmo fator desestabilizante: o ex-presidente Jair Bolsonaro. O bolsonarismo trabalhou contra as instituições há quatro anos e segue buscando uma solução extrema agora. Se entre 2021 e 2022 procurou criar um ambiente propício para uma sublevação, agora foi mais longe. Concretizou uma agressão externa para reposicionar-se no cenário político. Conforme o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) disse em sua mensagem em inglês, “this is far from the final step”, ou seja, estamos longe do passo final da caminhada.

Trump parece o oposto ao ex-presidente Joe Biden, que em 2022 enviou o assessor de segurança Nacional ao Brasil para avisar previamente ao governo Bolsonaro que não toleraria uma virada de mesa. Agora, Trump usa a caneta para exigir a virada de mesa.

Na exposição de motivos que acompanhou a sua ordem executiva, Donald Trump procurou ser bastante explícito em dizer o que está em seu horizonte. “A perseguição política, por meio de processos forjados, ameaça o desenvolvimento ordenado de instituições políticas, administrativas e econômicas do Brasil, inclusive minando a capacidade do Brasil de realizar uma eleição presidencial livre e justa em 2026”.

Bolsonaro e Trump demonstram entrosamento. Em entrevistas recentes, o ex-presidente disse que eleição sem ele não será uma eleição. Como ele está inelegível por duas condenações na Justiça Eleitoral e caminha para mais uma sentença na Justiça Criminal, dessa vez por tentativa de golpe de Estado, subentende-se que a crise política do próximo ano já está contratada.

Trump disse ainda: “O tratamento dado pelo governo do Brasil ao ex-presidente Bolsonaro também contribui para o colapso deliberado do Estado de Direito, para a intimidação politicamente motivada naquele país e para abuso contra os direitos humanos.” Deliberadamente o presidente americano misturou o Executivo e o Judiciário no Brasil como se fosse uma coisa só, tornando a solução para o impasse impossível.

Lula não tem como determinar o arquivamento de um processo judicial contra seu antecessor, sobretudo quando as decisões contra Bolsonaro não partem somente de Moraes na qualidade de ministro relator da ação penal, mas da maioria da primeira turma do Supremo Tribunal Federal. O presidente do Brasil tem o poder de enviar uma proposta para a regulação da internet no Brasil que mude o que foi decidido a respeito pelo STF, mas indulto a um processo em julgamento é impraticável.

A bola está com o Congresso? Mesmo a votação da anistia aos golpistas do 8 de janeiro, proposta em tramitação na Câmara, esbarra na questão da inconstitucionalidade, como diversos parlamentares de direita já admitiram. Um processo de impeachment contra Moraes é um tema que o bolsonarismo coloca na agenda como ferramenta de dissuasão. Se fosse pautado e aprovado, não significaria necessariamente o restabelecimento da elegibilidade de Bolsonaro.

Argumenta-se aqui apenas como exercício teórico: não há nenhum sinal por ora de que os presidentes da Câmara e do Senado irão pautar estes temas, mesmo com Eduardo Bolsonaro fazendo ameaças públicas de que irá conseguir emplacar sanções Magnitsky para a cúpula do Congresso.

Trump fez portanto uma exigência de cumprimento impossível. Poderá escalar a partir disso e até que ponto? Nos círculos mais extremistas do extremismo brasileiro projeções terroristas não encontram limites.

Quase tudo é possível em se tratando de Trump, mas a princípio boatos fazem sentido nesse momento como estratégia de contrainformação, por semearem pânico e gerarem engajamento. Há quem fale em ações que equivalem a atos de guerra híbrida, como bloqueio de GPS, derrubada de sites do governo, exclusão do sistema de pagamentos, embargo propriamente dito, com restrições também a importações brasileiras, e por aí vai.

A imponente lista de exceções ao tarifaço sugere ir devagar com o andor do catastrofismo. Trump não aliviou para os produtores brasileiros de manga, mas tirou o pé do acelerador ao tratar de creosoto, tolueno, castanha, carvão, mica, silício, ferro-gusa, em uma longa lista que chega a quase 700 itens. É óbvio que o setor privado americano fez sentir sua influência ao brecar medidas contraproducentes a seus próprios interesses.

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