O Estado de S. Paulo
Nada justifica a tentativa trumpista de
interferir na Justiça ou em qualquer outra instituição do Brasil
Se a intenção é mostrar vassalagem a Trump, o melhor deve ser, mesmo, o uso do idioma inglês. Foi bem escolhida, portanto, a língua usada na faixa exibida por dois deputados, na Câmara Federal, em manifestação do Partido Liberal (PL), na terçafeira. Mesmo sem reunião formal, impedida pelo presidente da Casa, Hugo Motta, ficou claro o apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro, também membro do partido. A faixa mostrava um slogan do trumpismo: Make America Great Again (Faça a América Grande de Novo), também conhecido pela sigla Maga. Tudo muito adequado.
A homenagem ao presidente americano combinou
muito bem com a decisão, por ele anunciada, de taxar em 50% produtos importados
do Brasil. Maiores barreiras deverão valer também para outros países, mas o
comércio brasileiro foi distinguido com a tributação mais alta. Trump explicou
essa distinção mencionando as ações legais contra o ex-presidente Jair
Bolsonaro, já forçado a uma tornozeleira eletrônica. A imposição de barreiras a
países da América do Norte, da Ásia e da Europa foi descrita em termos comerciais
pelo presidente dos Estados Unidos. No caso do Brasil, foi indicado
explicitamente um motivo político, as ações qualificadas por Trump como
perseguição ao chefe da família Bolsonaro.
Ao admitir esse motivo, o presidente Trump
assumiu, com clareza, uma violação de normas internacionais. A violação foi
logo denunciada na Organização Mundial do Comércio (OMC) por um representante
brasileiro. Mas a OMC está enfraquecida e incapaz – ou quase – de cobrar o
respeito a regras ainda válidas, formalmente, para transações entre seus
membros. Observado há anos, esse enfraquecimento foi em grande parte favorecido
por governos americanos, mesmo quando chefiados por políticos distantes do
trumpismo. Já se tem discutido até a expulsão dos Estados Unidos da OMC, como
informou ao Estadão (‘ O texto está pronto; acredito que teremos um Natal
maravilhoso’, 24/7, B5), nesta semana, o presidente da Comissão de Comércio
Internacional do Parlamento Europeu, o alemão Bernd Lange.
Mais modesto em suas pretensões, o governo
brasileiro se dispõe a discutir com autoridades americanas as condições de
comércio, buscando pelo menos a redução da barreira anunciada por Trump. Há
expectativa de se encontrar, nos Estados Unidos, apoio de empresários locais à
reivindicação de Brasília. Esses empresários importam, além de produtos
acabados, matérias-primas e bens intermediários para processamento final.
Industriais americanos também exportam para o mercado brasileiro e devem ter
interesse, portanto, na manutenção do intercâmbio.
Não está claro, no entanto, se as
conveniências desses empresários terão mais peso, na avaliação de Trump, do que
seu interesse em atingir o governo brasileiro e em defender os servidores do
trumpismo sediados em Brasília. Um desses servidores tem tido problemas com a
Polícia Federal e com a Justiça e carrega uma tornozeleira eletrônica. O
presidente americano já qualificou essa pessoa como vítima de perseguição. Esse
foi o discurso empregado em sua tentativa de interferir nas instituições
brasileiras. Fracassada até agora, essa tentativa foi completada com a
proibição de vistos ao ministro Alexandre Moraes, do Supremo Tribunal Federal,
e a outros juízes ligados à Corte.
Nada justifica a tentativa trumpista de
interferir na Justiça ou em qualquer outra instituição do Brasil, uma
democracia regulada por Três Poderes independentes, defensora da paz e do
respeito a normas acordadas internacionalmente. Mas normas e acordos internacionais
pouco têm servido para limitar as pretensões de Donald Trump. Suas ambições e
seu desprezo por regras básicas da vida internacional têm sido notados – e com
frequência repelidos – em várias partes do planeta. Mas essas ações, argumentam
alguns, têm sido às vezes motivadas por ações de governos imprudentes.
A recente reunião do Brics e a linguagem
usada no comunicado final têm sido apontadas, no Brasil, como provocações
políticas e estímulos à ação de Trump. Pode ter havido alguma provocação, mas a
resposta de Trump – se esse for o caso – é mais do que desproporcional. É
simplesmente injustificável pelos padrões internacionais de comércio. Além
disso, a nota foi aprovada por todos os participantes, incluídos a China e a
Rússia.
O presidente americano pode ter mais de um
motivo para buscar vingança contra o governo brasileiro. Um deles pode ser a
defesa do aliado Jair Bolsonaro. Além de atender ao deputado Eduardo Bolsonaro,
atual morador dos Estados Unidos e potencial servidor do trumpismo, a
intervenção na política de Brasília pode estar ligada a um especial interesse
geopolítico. O presidente Trump já é contemplado pela simpatia do governante
argentino Javier Milei. Se impuser seu poder ao Brasil, consolidará sua
influência sobre as duas maiores economias da América do Sul. Somadas ao
México, formam o trio economicamente mais forte da América Latina. A mexicana
Claudia Sheinbaum tem resistido, mas o presidente Trump é esforçado e ao quadro
se acrescenta, agora, a tentação dos minérios encontrados no Brasil.
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