domingo, 27 de julho de 2025

O Brasil e as ambições de Trump - Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

Nada justifica a tentativa trumpista de interferir na Justiça ou em qualquer outra instituição do Brasil

Se a intenção é mostrar vassalagem a Trump, o melhor deve ser, mesmo, o uso do idioma inglês. Foi bem escolhida, portanto, a língua usada na faixa exibida por dois deputados, na Câmara Federal, em manifestação do Partido Liberal (PL), na terçafeira. Mesmo sem reunião formal, impedida pelo presidente da Casa, Hugo Motta, ficou claro o apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro, também membro do partido. A faixa mostrava um slogan do trumpismo: Make America Great Again (Faça a América Grande de Novo), também conhecido pela sigla Maga. Tudo muito adequado.

A homenagem ao presidente americano combinou muito bem com a decisão, por ele anunciada, de taxar em 50% produtos importados do Brasil. Maiores barreiras deverão valer também para outros países, mas o comércio brasileiro foi distinguido com a tributação mais alta. Trump explicou essa distinção mencionando as ações legais contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, já forçado a uma tornozeleira eletrônica. A imposição de barreiras a países da América do Norte, da Ásia e da Europa foi descrita em termos comerciais pelo presidente dos Estados Unidos. No caso do Brasil, foi indicado explicitamente um motivo político, as ações qualificadas por Trump como perseguição ao chefe da família Bolsonaro.

Ao admitir esse motivo, o presidente Trump assumiu, com clareza, uma violação de normas internacionais. A violação foi logo denunciada na Organização Mundial do Comércio (OMC) por um representante brasileiro. Mas a OMC está enfraquecida e incapaz – ou quase – de cobrar o respeito a regras ainda válidas, formalmente, para transações entre seus membros. Observado há anos, esse enfraquecimento foi em grande parte favorecido por governos americanos, mesmo quando chefiados por políticos distantes do trumpismo. Já se tem discutido até a expulsão dos Estados Unidos da OMC, como informou ao Estadão (‘ O texto está pronto; acredito que teremos um Natal maravilhoso’, 24/7, B5), nesta semana, o presidente da Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu, o alemão Bernd Lange.

Mais modesto em suas pretensões, o governo brasileiro se dispõe a discutir com autoridades americanas as condições de comércio, buscando pelo menos a redução da barreira anunciada por Trump. Há expectativa de se encontrar, nos Estados Unidos, apoio de empresários locais à reivindicação de Brasília. Esses empresários importam, além de produtos acabados, matérias-primas e bens intermediários para processamento final. Industriais americanos também exportam para o mercado brasileiro e devem ter interesse, portanto, na manutenção do intercâmbio.

Não está claro, no entanto, se as conveniências desses empresários terão mais peso, na avaliação de Trump, do que seu interesse em atingir o governo brasileiro e em defender os servidores do trumpismo sediados em Brasília. Um desses servidores tem tido problemas com a Polícia Federal e com a Justiça e carrega uma tornozeleira eletrônica. O presidente americano já qualificou essa pessoa como vítima de perseguição. Esse foi o discurso empregado em sua tentativa de interferir nas instituições brasileiras. Fracassada até agora, essa tentativa foi completada com a proibição de vistos ao ministro Alexandre Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e a outros juízes ligados à Corte.

Nada justifica a tentativa trumpista de interferir na Justiça ou em qualquer outra instituição do Brasil, uma democracia regulada por Três Poderes independentes, defensora da paz e do respeito a normas acordadas internacionalmente. Mas normas e acordos internacionais pouco têm servido para limitar as pretensões de Donald Trump. Suas ambições e seu desprezo por regras básicas da vida internacional têm sido notados – e com frequência repelidos – em várias partes do planeta. Mas essas ações, argumentam alguns, têm sido às vezes motivadas por ações de governos imprudentes.

A recente reunião do Brics e a linguagem usada no comunicado final têm sido apontadas, no Brasil, como provocações políticas e estímulos à ação de Trump. Pode ter havido alguma provocação, mas a resposta de Trump – se esse for o caso – é mais do que desproporcional. É simplesmente injustificável pelos padrões internacionais de comércio. Além disso, a nota foi aprovada por todos os participantes, incluídos a China e a Rússia.

O presidente americano pode ter mais de um motivo para buscar vingança contra o governo brasileiro. Um deles pode ser a defesa do aliado Jair Bolsonaro. Além de atender ao deputado Eduardo Bolsonaro, atual morador dos Estados Unidos e potencial servidor do trumpismo, a intervenção na política de Brasília pode estar ligada a um especial interesse geopolítico. O presidente Trump já é contemplado pela simpatia do governante argentino Javier Milei. Se impuser seu poder ao Brasil, consolidará sua influência sobre as duas maiores economias da América do Sul. Somadas ao México, formam o trio economicamente mais forte da América Latina. A mexicana Claudia Sheinbaum tem resistido, mas o presidente Trump é esforçado e ao quadro se acrescenta, agora, a tentação dos minérios encontrados no Brasil.

 

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