domingo, 27 de julho de 2025

Sem poder dissuasório, Lula depende da força das instituições – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

A crise só escalou no gogó do presidente Lula; nos bastidores, o governo tenta abrir as negociações com Trump, por meio do vice-presidente Geraldo Alckmin

Comecemos por Domingos Fernandes Calabar, conhecido como grande "traidor da pátria", em contraponto aos heróis da Batalha de Guararapes, contra os invasores holandeses, em Pernambuco, no século XVII: André Vidal de Negreiros (militar paraibano), João Fernandes Vieira (militar e senhor de engenho português), Henrique Dias (negro liberto) e Filipe Camarão (índio potiguar). Eles lideraram a resistência aos holandeses e são os heróis do mito fundador do Exército brasileiro.

Proprietário de terras alagoano, Calabar foi julgado pela historiografia como sendo um execrável traidor, que facilitou a instalação dos holandeses nas antigas capitanias de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Em 1635, porém, na região de Porto Calvo, acabou sendo capturado e condenado à morte por traição. No dia 22 de julho de 1635, foi enforcado; seus restos mortais, esquartejados e espalhados em praça pública.

Sua morte não impediu a ocupação do Nordeste pelos holandeses de 1630 a 1654, cuja gestão colonial foi profundamente marcada pela administração de Maurício de Nassau, militar alemão enviado pela Companhia das Índias Ocidentais para governar a colônia holandesa. A forma como geriu os negócios coloniais na região, visivelmente mais branda do que a portuguesa, possibilitou a prosperidade material dos colonos. Durante o regime militar, no musical "Calabar, Elogio da Traição", de Chico Buarque de Holanda, o mito foi relativizado.

A História concede a seus personagens um tratamento no qual não podem sair em defesa própria, pela inevitável barreira espaço-temporal, mas que são revisitados pelos historiadores. Jair Bolsonaro e seus filhos, o senador Flávio (PL-RJ) e o deputado Eduardo (PL-SP), não deveriam subestimar a força do mito de Calabar no imaginário brasileiro. O clã assumiu a responsabilidade pelo tarifaço de 50% contra as exportações brasileiras, cuja entrada em vigor está prevista para 1º de Agosto.

Bolsonaro e seus filhos estão sendo acusado de trair o povo brasileiro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Isso vai ao encontro do patriotismo dos brasileiros, mas nem por isso simplifica as coisas. A situação é dramática. O Brasil não tem poder de dissuasão para enfrentar o presidente Donald Trump, cuja mão pesada se faz sentir em todo o mundo. Tudo indica que somente negociará com o Brasil após o tarifaço entrar em vigor.

Trump não dá sinais de que renunciará à exigência de impunidade para Bolsonaro, seu aliado, em razão de um acordo com o Brasil que satisfaça aos interesses econômicos dos Estados Unidos. Lula reage à chantagem de forma firme, mas a fronteira entre a altivez e a soberba é muito ténue, assim como entre o risco calculado e a irresponsabilidade. Vamos ter que "aguentar o aguaceiro pelas ventas", como dizem os marujos portugueses, e fundear com duas âncoras em meio à tempestade. Isso depende da resiliência de nossas instituições.

Teoria do Louco

Para alguns analistas, Trump adotou a Teoria do Louco, de Thomas Schelling, professor de Harvard, na qual a irracionalidade aparente tem racionalidade e visa forçar o adversário a uma negociação pela intimidação. A questão de fundo é o endividamento dos EUA, que ameaça sua estabilidade fiscal e a dos parceiros comerciais. Sua dívida pública líquida saltou de US$ 1,5 trilhão, em 2000, para US$ 26,5 trilhões, em 2024. A dívida bruta atingiu US$ 37 trilhões (115% do PIB).

Pela lei orçamentária aprovada por Trump, cortes de impostos para os mais ricos e aumento dos gastos militares devem gerar um acréscimo de US$ 3,9 trilhões de deficit até 2034, mesmo com cortes em saúde e educação. Esse gargalo fiscal explica em parte a postura agressiva da Casa Branca no comércio internacional. Tarifas elevadas cumprem múltiplas funções: recolher receitas, pressionar parceiros e alimentar o eleitorado interno com gestos protecionistas. A Casa Branca quer transferir essa dívida para os parceiros comerciais.

Coerente com a Teoria do Louco, Trump exerce um poder performático e imprevisível para obter concessões. O tarifaço contra o Brasil não tem justificativa econômica sólida. Nos tornamos um alvo simbólico e ao seu alcance, para intimidar os demais países do Brics, a América Latina e o Canadá. O Brasil tem a 10ª economia do mundo, mas não tem poupança interna nem autossuficiência tecnológica, muito menos coesão política interna e poder de dissuasão militar para suportar uma rutura com os EUA.

Ao contrário da China, que responde com contramedidas imediatas, recorremos a notas técnicas e declarações retóricas. A crise só escalou no gogó de Lula. Nos bastidores, o governo tenta abrir as negociações com Trump, por meio do vice-presidente Geraldo Alckmin e dos senadores que chegarão amanhã em Washington. No plano global, os credores americanos — públicos e privados — observam com preocupação a explosão da dívida. Nesse aspecto, as tarifas funcionam como válvula de escape: geram caixa e projetam liderança no curto prazo.

Confirmada a imposição da tarifa de 50% ao Brasil, é provável que haja exceções estratégicas para produtos cujo encarecimento poderia afetar a inflação norte-americana, como alumínio e carne. O Departamento de Comércio dos EUA declarou que Trump "continuará aberto à negociação", ou seja, sugeriu que o tarifaço é antes um instrumento de barganha do que uma política definitiva, até porque afeta as relações entre as empresas norte-americanas e suas filiais no Brasil. A conferir.

 

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