Por Lucas Salgado, Cibelle Brito, Samuel Lima, Sarah Teófilo e Geralda Doca / O Globo
Manifestação deste domingo foi a maior organizada por apoiadores do governo Lula desde as eleições de 2022, e ficou no patamar de protestos bolsonaristas recentes
— Rio, São Paulo e Brasília - Em atos públicos que reuniram apoiadores do
governo Lula,
movimentos sociais e parte da população que nas últimas semanas demonstrou
descontentamento com decisões do Congresso, mais de 80 mil pessoas foram às
ruas no Rio e em São Paulo, ontem, para se manifestar contra a PEC da Blindagem
e a proposta de anistia a condenados pela tentativa de golpe. As manifestações,
que também foram realizadas em todas as outras 25 capitais, contaram com
artistas e tiveram como principais alvos parlamentares do Centrão e aliados do
ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL) que
articulam as duas propostas. No Senado, o relator da PEC e o presidente do
colegiado que analisará a proposta de blindagem afirmaram que o texto deve ser
derrotado já na sessão desta quarta-feira.
Como mostrou O GLOBO neste domingo, a maioria dos senadores já disseram ser contrários à PEC, que busca ampliar as travas para a abertura de processos criminais contra parlamentares e ainda inclui presidentes de partidos no rol dos beneficiados. O volume das manifestações de ontem gerou preocupação entre aliados de Bolsonaro, segundo a colunista Bela Megale, e também aumentou a pressão sobre a Câmara, que aprovou a PEC na semana passada, para barrar o avanço de uma anistia “ampla e irrestrita” que poderia beneficiar o ex-presidente e outros envolvidos nos ataques à democracia.
Encontro de artistas
Ontem, levantamento do Monitor do Debate
Político no Meio Digital, com base em imagens aéreas captadas no pico de cada
manifestação, mostrou que os atos reuniram cerca de 42,3 mil pessoas na Avenida
Paulista, em São Paulo, e 41,8 mil na praia de Copacabana, no Rio. Cálculos
feitos com a mesma metodologia apontam que, no histórico recente, o público
somado nas duas capitais foi significativamente superior ao de outros atos
organizados pela esquerda e movimentos sociais. A maior mobilização de aliados
do governo até então, realizada em julho contra o tarifaço anunciado pelo
governo dos EUA, havia reunido cerca de 15 mil pessoas na Paulista.
Os atos de ontem ficaram no mesmo patamar de
manifestações bolsonaristas recentes, que tinham pautas com ataques ao Judiciário
e em defesa da anistia. Em São Paulo, manifestantes estenderam uma bandeira
gigante do Brasil na Avenida Paulista, na tentativa de fazer um contraste com a
imagem do bandeirão dos Estados Unidos usado por apoiadores de Bolsonaro no
último 7 de setembro. Aquele ato, segundo o Monitor do Debate Político, reuniu
42,2 mil pessoas.
No Rio, o principal trio elétrico da
manifestação foi reservado a artistas como Caetano Veloso, Chico Buarque,
Gilberto Gil, Djavan, Paulinho da Viola e Geraldo Azevedo, que se apresentaram
ao longo da tarde. A seleção musical incluiu músicas com protestos contra a
classe política, como “Podres poderes” na voz de Caetano Veloso, “Brasil”,
canção de Cazuza interpretada por Marina Sena, e ainda “Cálice”, um dos hinos
contra a ditadura, entoado por Gil e Chico Buarque.
Em outras capitais, as manifestações contaram
com artistas como o cantor Chico César, em Brasília, e o ator Wagner Moura e a
cantora Daniela Mercury, que dividiram um trio elétrico em Salvador. Em
discurso ao público, Moura ironizou a atuação do Congresso, que disse lhe dar
“preguiça”, e exaltou a “democracia brasileira, que é exemplo para o mundo”.
Em Copacabana, além de críticas à PEC da
Blindagem, o cantor Djavan afirmou que “lutaremos sempre” pela democracia.
Caetano entoou o lema “sem anistia”.
— Não poderíamos deixar de responder aos
horrores que vem surgindo a nossa volta — disse o cantor.
A repercussão negativa da PEC da Blindagem
levou deputados federais de partidos de esquerda, como PT e PSB, e de centro,
como União Brasil, a publicarem vídeos nas redes sociais pedindo desculpas por
terem votado a favor da proposta. Foram 344 votos favoráveis e 133 contrários.
No dia seguinte, a Câmara aprovou um pedido
de urgência para análise do Projeto de Lei (PL) da Anistia, com 311 votos
favoráveis. A articulação fez com que o presidente da Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB), se tornasse um dos principais alvos ontem. Na Paraíba, seu
estado, manifestantes entoaram gritos de “fora, Motta”.
Como informou a colunista do GLOBO Bela
Megale, aliados de Bolsonaro avaliaram reservadamente que a movimentação de
Centrão e bolsonaristas acabou “empurrando para o colo” da esquerda e do
governo Lula a pauta anticorrupção. O volume de manifestantes, similar ao de
atos recentes da direita, também aprofundou a preocupação na Câmara com a
análise do projeto da anistia — que chegou a ser rebatizado como “PL da
Dosimetria” por parlamentares do Centrão, em uma sinalização de que o texto se
concentraria na redução de penas, e não no perdão a crimes.
Nas redes sociais, Lula afirmou que “as
manifestações demonstram que a população não quer impunidade, nem anistia” e
que o Congresso deve se concentrar em medidas que tragam benefícios concretos
às pessoas.
A análise da PEC da Blindagem está marcada
para começar no Senado nesta quarta-feira, com a leitura do relatório do
senador Alessandro Vieira (MDB-SE) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
O presidente do colegiado, Otto Alencar (PSD-BA), disse que o texto será o
primeiro item da pauta, e que pretende “enterrar” a proposta. Alencar diz que
os atos de ontem foram importantes para mostrar que a PEC está “fora de
sintonia” com o país.
— Foi uma manifestação do povo brasileiro em
várias capitais para repudiar o passe livre para o crime. Os próprios mentores
da PEC já se arrependeram. É totalmente impopular — afirmou.
Além de dificultar abertura de processos, o
texto aprovado pela Câmara estabelece que a análise da manutenção de prisões em
flagrante de parlamentares será feita em votação secreta.
— O texto é um absurdo, um tapa na cara da
sociedade, uma vez que quer criar uma blindagem para qualquer tipo de crime
cometido por um parlamentar — afirmou Vieira, relator da PEC, que disse que
recomendará a rejeição.
Sobre o projeto que trata anistia, o deputado
Paulinho da Força (Solidariedade-SP), relator do projeto, vai conversar hoje
com deputados governistas e da oposição, em reuniões separadas, para buscar um
texto consensual. Já na terça, o relator se encontrará com presidentes das
centrais sindicais e com bancadas partidárias. A previsão é que o relatório
seja apresentado e votado na quarta, mas o próprio Paulinho admite que há
dificuldade em conciliar demandas da oposição por um perdão que contemple Jair
Bolsonaro.
—Já avisei que não vou conseguir fazer isso. Quem pode ajudar Bolsonaro são os advogados dele, não eu — afirmou.
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