segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Políticos blindados contra o povo. Por Bruno Carazza

Valor Econômico

Sistema político brasileiro dá cada vez mais liberdades para políticos aprovarem o que bem entenderem em benefício próprio

A pressão popular, com milhões de pessoas nas ruas nesse domingo em todo o país, será suficiente para fazer com que deputados e senadores desistam de aprovar o pacote de benesses que os deixarão a salvo de qualquer responsabilização por crimes praticados durante seus mandatos (e mesmo fora deles)?

Essa pergunta certamente vai nortear os debates durante esta semana, mas há uma questão que a precede em importância: por que nossos parlamentares se tornaram tão desconectados da sociedade, a ponto de perderem o pudor de propor e aprovar algo que é claramente impopular, por colocarem seus interesses pessoais acima dos desejos da maioria da população?

Já faz tempo que pesquisas de opinião indicam o descrédito que o cidadão brasileiro nutre pelos políticos e pelas instituições políticas. A mais recente, publicada no início deste mês pela Quaest, revela que 63% dos entrevistados não confiam nos partidos políticos, enquanto 52% avaliam mal o Congresso Nacional - mesma credibilidade detida pelos juízes de futebol, talvez a categoria mais vilipendiada na história do país.

Ainda assim, os políticos se sentem à vontade para aprovarem propostas contrárias à opinião do brasileiro médio, principalmente nas searas do combate à corrupção, da transparência pública e da autoconcessão de vantagens.

Em geral nós culpamos o próprio eleitor por essa situação. “O brasileiro não sabe votar”, “as pessoas não têm memória”, “a população não tem educação para escolher os seus representantes” e “os políticos são um retrato de quem os elegeu” são frases frequentemente utilizadas para explicar o baixo nível do nosso Congresso.

Longe de querer descartar totalmente essas explicações, há fatores institucionais que levam a essa desconexão entre nossos representantes eleitos e o cidadão que depositou neles seus votos e esperanças.

O sistema eleitoral brasileiro está estruturado sobre duas bases que geram uma baixa responsabilização dos políticos por seus atos e posicionamentos.

De um lado, as eleições se dão em distritos eleitorais muito grandes (os Estados) e, no caso da Câmara, o processo de escolha se dá de forma indireta - primeiro se contabilizam os votos recebidos de forma agregada pelos partidos para, só aí, serem escolhidos os mais votados dentro da agremiação. Sob essa lógica, o vínculo entre o eleitorado e o deputado ou senador é frágil, o que dificulta a cobrança, como acontece nos sistemas em que o voto se dá em distritos menores e eleições majoritárias.

Para piorar, apesar de o processo de definição dos congressistas estar baseado nos partidos, essas instituições são extremamente amorfas no Brasil. Em geral as legendas estão pouco enraizadas na sociedade, têm pouca identidade ideológica e suas estruturas de governança são bastante frágeis. Diante desse quadro, as siglas têm pouca ascendência sobre seus correligionários, dispondo de poucos incentivos para punir comportamentos que possam prejudicar a imagem do partido junto ao eleitorado, tal qual acontece nos países que dispõem de poucos partidos e regime de lista fechada.

Essa combinação de eleições em distritos grandes, proporcionais e com muitos partidos fracos torna muito difícil para o eleitor punir os maus políticos nas urnas, pois a força do seu voto é diluída diante de centenas de candidatos e dezenas de partidos. Isso explica, por exemplo, por que tantos políticos sobreviveram à exposição pública apesar das evidências de terem recebido malas e malas de dinheiro durante a Operação Lava-Jato.

Em abril de 2017, o ministro do Supremo Edson Fachin abriu inquéritos contra 53 deputados e senadores por corrupção, entre outros agentes políticos. Passados oito anos, o Congresso atual conta com 20 deputados (de Aécio Neves a Eunício Oliveira) e cinco senadores (inclusive Ciro Nogueira e Humberto Costa) que escaparam da famosa “Lista de Fachin”. E outros tantos continuam na política ocupando cargos nos Estados, em estatais ou na própria estrutura de seus partidos.

Se ser penalizado nas urnas já era improvável, tornou-se quase impossível graças aos milhões de reais colocados à disposição dos detentores de mandato nos últimos anos com os fundos eleitoral e partidário e as emendas parlamentares. Com acesso privilegiado a esses recursos, deputados e senadores têm muito mais chances de serem reeleitos do que candidatos desafiantes.

Com o bolso cheio de verbas para distribuir nas suas bases e muito mais dinheiro público para financiar suas campanhas, os parlamentares têm muita segurança para aprovarem medidas impopulares, como anistias, penduricalhos e afrouxamento de regras de prestação de contas.

A população, como fez ontem, pode ir às ruas para protestar, mas os políticos sabem que as pessoas têm mais o que fazer e não têm disposição para viver em constante mobilização.

Resta o Judiciário, que de tempos em tempos faz expurgos na classe política, como aconteceu na Lava- Jato ou recentemente no julgamento do 08 de janeiro.

Com a PEC da Blindagem, eles querem eliminar a última ameaça que resta contra eles em nosso frágil sistema político.

 

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