Valor Econômico
Sistema político brasileiro dá cada vez mais
liberdades para políticos aprovarem o que bem entenderem em benefício próprio
A pressão popular, com milhões de pessoas nas
ruas nesse domingo em todo o país, será suficiente para fazer com que deputados
e senadores desistam de aprovar o pacote de benesses que os deixarão a salvo de
qualquer responsabilização por crimes praticados durante seus mandatos (e mesmo
fora deles)?
Essa pergunta certamente vai nortear os debates durante esta semana, mas há uma questão que a precede em importância: por que nossos parlamentares se tornaram tão desconectados da sociedade, a ponto de perderem o pudor de propor e aprovar algo que é claramente impopular, por colocarem seus interesses pessoais acima dos desejos da maioria da população?
Já faz tempo que pesquisas de opinião indicam
o descrédito que o cidadão brasileiro nutre pelos políticos e pelas
instituições políticas. A mais recente, publicada no início deste mês pela
Quaest, revela que 63% dos entrevistados não confiam nos partidos políticos,
enquanto 52% avaliam mal o Congresso Nacional - mesma credibilidade detida
pelos juízes de futebol, talvez a categoria mais vilipendiada na história do
país.
Ainda assim, os políticos se sentem à vontade
para aprovarem propostas contrárias à opinião do brasileiro médio,
principalmente nas searas do combate à corrupção, da transparência pública e da
autoconcessão de vantagens.
Em geral nós culpamos o próprio eleitor por
essa situação. “O brasileiro não sabe votar”, “as pessoas não têm memória”, “a
população não tem educação para escolher os seus representantes” e “os
políticos são um retrato de quem os elegeu” são frases frequentemente
utilizadas para explicar o baixo nível do nosso Congresso.
Longe de querer descartar totalmente essas
explicações, há fatores institucionais que levam a essa desconexão entre nossos
representantes eleitos e o cidadão que depositou neles seus votos e esperanças.
O sistema eleitoral brasileiro está
estruturado sobre duas bases que geram uma baixa responsabilização dos
políticos por seus atos e posicionamentos.
De um lado, as eleições se dão em distritos
eleitorais muito grandes (os Estados) e, no caso da Câmara, o processo de
escolha se dá de forma indireta - primeiro se contabilizam os votos recebidos
de forma agregada pelos partidos para, só aí, serem escolhidos os mais votados
dentro da agremiação. Sob essa lógica, o vínculo entre o eleitorado e o
deputado ou senador é frágil, o que dificulta a cobrança, como acontece nos
sistemas em que o voto se dá em distritos menores e eleições majoritárias.
Para piorar, apesar de o processo de
definição dos congressistas estar baseado nos partidos, essas instituições são
extremamente amorfas no Brasil. Em geral as legendas estão pouco enraizadas na
sociedade, têm pouca identidade ideológica e suas estruturas de governança são
bastante frágeis. Diante desse quadro, as siglas têm pouca ascendência sobre
seus correligionários, dispondo de poucos incentivos para punir comportamentos
que possam prejudicar a imagem do partido junto ao eleitorado, tal qual
acontece nos países que dispõem de poucos partidos e regime de lista fechada.
Essa combinação de eleições em distritos
grandes, proporcionais e com muitos partidos fracos torna muito difícil para o
eleitor punir os maus políticos nas urnas, pois a força do seu voto é diluída
diante de centenas de candidatos e dezenas de partidos. Isso explica, por
exemplo, por que tantos políticos sobreviveram à exposição pública apesar das
evidências de terem recebido malas e malas de dinheiro durante a Operação
Lava-Jato.
Em abril de 2017, o ministro do Supremo Edson
Fachin abriu inquéritos contra 53 deputados e senadores por corrupção, entre
outros agentes políticos. Passados oito anos, o Congresso atual conta com 20
deputados (de Aécio Neves a Eunício Oliveira) e cinco senadores (inclusive Ciro
Nogueira e Humberto Costa) que escaparam da famosa “Lista de Fachin”. E outros
tantos continuam na política ocupando cargos nos Estados, em estatais ou na
própria estrutura de seus partidos.
Se ser penalizado nas urnas já era
improvável, tornou-se quase impossível graças aos milhões de reais colocados à
disposição dos detentores de mandato nos últimos anos com os fundos eleitoral e
partidário e as emendas parlamentares. Com acesso privilegiado a esses
recursos, deputados e senadores têm muito mais chances de serem reeleitos do
que candidatos desafiantes.
Com o bolso cheio de verbas para distribuir
nas suas bases e muito mais dinheiro público para financiar suas campanhas, os
parlamentares têm muita segurança para aprovarem medidas impopulares, como
anistias, penduricalhos e afrouxamento de regras de prestação de contas.
A população, como fez ontem, pode ir às ruas
para protestar, mas os políticos sabem que as pessoas têm mais o que fazer e
não têm disposição para viver em constante mobilização.
Resta o Judiciário, que de tempos em tempos
faz expurgos na classe política, como aconteceu na Lava- Jato ou recentemente
no julgamento do 08 de janeiro.
Com a PEC da Blindagem, eles querem eliminar
a última ameaça que resta contra eles em nosso frágil sistema político.
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