segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Anti-bolsonarismo recupera as ruas em atos contra anistia e PEC da Blindagem

Por Maria Cristina FernandesMarcelo OsakabePaula Martini, Giullia Colombo e Tiago Angelo / Valor Econômico

Artistas como Chico, Caetano e Gil, movimentos populares e partidos progressistas lideram atos em ao menos 23 capitais, em crítica a decisões do Congresso que dificultam a punição de políticos

São Paulo, Rio e Brasília - Milhares de pessoas foram às ruas neste domingo (21), em ao menos 23 capitais do país, contra a chamada PEC da Blindagem e também contra a anistia a golpistas do 8 de janeiro. As manifestações, convocadas por políticos, movimentos populares, artistas e influenciadores, foram marcadas também por críticas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).

No Rio, o ato teve a participação de cantores como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paulinho da Viola e Djavan, que reforçaram o coro de “sem anistia” na praia de Copacabana, mesmo local de manifestações bolsonaristas. A manifestação teve a presença de 41,8 mil pessoas, segundo o Monitor do Debate Político, da USP em parceria com a ONG More in Common. É um público semelhante, dentro da margem de erro do levantamento, aos 42,7 mil bolsonaristas que participaram o 7 de setembro no mesmo local.

Na capital paulista, os manifestantes ocuparam ao menos três quarteirões da avenida Paulista, com público de 42,4 mil — também numericamente semelhante, dentro da margem de erro do levantamento, aos 42,2 mil que foram ao mesmo local no 7 de setembro bolsonarista.

No alvo dos protestos em todo o país está a PEC da Blindagem, aprovada pela Câmara na semana passada por 344 votos a 133. O texto ainda não passou pelo Senado. Segundo a proposta, deputados e senadores só podem ser alvo de ação penal após autorização prévia do Congresso. Além da PEC da Blindagem, avança na Câmara uma proposta de anistia aos condenados do 8 de janeiro. O texto também pode beneficiar Bolsonaro, condenado a 27 anos de prisão por tentativa de golpe de Estado.

A PEC da Blindagem foi aprovada pelo plenário da Câmara na semana passada por 344 votos a 133. O texto ainda não passou pelo Senado. Segundo a proposta, deputados e senadores só podem ser alvo de ação penal após autorização prévia do Congresso. Além da PEC da Blindagem, avança na Câmara uma proposta de anistia aos condenados do 8 de janeiro. O texto também pode beneficiar Bolsonaro, condenado a 27 anos de prisão por golpe de Estado.

No Rio, milhares de manifestantes fizeram um ato na praia de Copacabana, na zona sul do Rio, em manifestação convocada nas redes sociais por movimentos sociais, centrais sindicais e impulsionada por artistas. Gritos de "Sem Anistia" foram entoados por participantes a caminho do ato pelas ruas de Copacabana. Os manifestantes usam camisas vermelhas e verde e amarelas. Também havia referências sobre a situação na Palestina.

Entre os políticos estavam os deputados federais Chico Alencar (PsolL), Henrique Vieira (Psol), Glauber Braga (Psol) e Jandira Feghali (PCdoB), que discursaram em um carro de som. Os artistas se apresentaram em um trio elétrico.

O protesto aconteceu sob altas temperaturas, com termômetros beirando os 40 graus em vários bairros do Rio, e horas antes de Flamengo e Vasco se enfrentarem no Maracanã. Mais cedo, Copacabana também foi palco de um ato pela liberdade religiosa, o que ocasionou o fechamento de várias ruas do bairro durante o dia todo.

O ato dos movimentos de esquerda acontece no ponto onde tradicionalmente ocorrem manifestações bolsonaristas, como a do 7 de setembro. Foi no mesmo local que, em 3 de agosto, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) colocou o pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro, no viva-voz do telefone para saudar o público presente em um ato contra o Supremo Tribunal Federal (STF). Os bastidores da ligação foram compartilhados nas redes sociais, o que havia sido proibido pelo STF, e ocasionou a ordem de prisão domiciliar de Bolsonaro pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF.

As manifestações deste domingo pedem que a PEC da Blindagem não siga para tramitação no Senado Federal. O texto foi aprovado na Câmara dos Deputados na última semana e visa proteger parlamentares contra a abertura de processos penais. A proposta agora tramita no Senado.

São Paulo

Em São Paulo, o “sem anistia” predominou nos gritos de ordem da manifestação da Avenida Paulista. O protesto contra a PEC da Blindagem estava nos cartazes e nos discursos que, uma hora e meia depois o início previsto, continuam dominados pelos sindicalistas que também lideraram as bandeiras, com esparsa presença do PT.

Foi uma manifestação sem uniforme, cor ou bandeira predominante além do rechaço à anistia de Jair Bolsonaro ou à blindagem dos parlamentares. Uma Avenida Paulista que, nos últimos anos, se acostumou a manifestações com carros de som distribuídos ao longo dos quarteirões, ambulantes com bandeiras do Brasil, Israel e Jair Bolsonaro, cantos de louvor evangélico, famílias uniformizadas de verde e amarelo, foi tomada, na tarde deste domingo, pelo improviso. Talvez por isso, reuniu mais gente do que todas aqueles protestos capitaneados pelos partidos de esquerda nos últimos tempos e surpreendeu até quem participou da organização mambembe.

No final da manhã, o presidente do PT, Edinho Silva, calculava que, em todo o Brasil, as manifestações reuniriam mais de 200 mil pessoas nas ruas e seria suficiente para enterrar a PEC da Blindagem e a anistia em quaisquer formatos. Se errou foi para menos. Sem o trio de ouro da música popular brasileira que subiu ao palanque do Rio (Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil), a manifestação da capital paulista empatou com a última promovida pelo bolsonarismo no 7 de setembro naquela avenida. “Tomamos de volta o que era nosso”, comentava um manifestante.

Em São Paulo, a reocupação da avenida veio com uma concessão ao apelo religioso. Sai o pastor Silas Malafaia (“pastor que defende a PEC da bandidagem não vai para o céu”), e entra o Padre Júlio Lancelotti, que, “em nome de todos os credos”, ergueu a mão espaldada para o alto contra o combo anistia/blindagem. Não foi o único contraponto. A bandeira do Brasil apareceu de repente, passou por cima da multidão, e sumiu, não sem antes deixar registrada a imagem que estampará todo o noticiário. Foi uma resposta aos bolsonaristas que levaram ao mesmo local, no 7 de setembro, uma bandeira dos Estados Unidos. “Prisão dos traidores da pátria”, “Centrão inimigo do povo” e “soberano é o povo” estavam entre os cartazes em punhados.

Os gritos de ordem, “sem anistia” e “não aceito não, a PEC da blindagem é pra proteger ladrão” superaram o “olê, olê olá, Lula, Lula”, tradicional das manifestações petistas. Nenhum, porém, superou aquele grito de ordem em que, uma alternância de personagens (Bolsonaro, Trump, Tarcisio e Nikolas Ferreira, encurtado para “chupetinha”) são enviados para aquele lugar impublicável. Nos cartazes, além do combo supressivo da anistia e blindagem, compareceram apelos pelo fim da escala 6x1 e em defesa da Palestina. A reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não foi pauta dos cartazes, a grande maioria de cartolina.

À medida em que a multidão se aproximava do palanque, montado na calçada oposta ao Masp, com um som que mal chegava a quem estava embaixo da marquise, as bandeiras de partidos e sindicatos se adensavam e o discurso se radicalizava. Ali foi difícil ouvir o que a deputada Tabata Amaral (PSB) tinha para falar, pelos protestos contra sua presença, que contrastaram com a ovação aos deputados Sâmia Bonfim e Guilherme Boulos, ambos do PSol e mais aplaudidos do que quaisquer dos deputados federais do PT paulista que lá estavam, nenhum deles da bancada dos 12 que votaram de costas para os manifestantes. Dali a poucos metros, porém, a única reprimenda era à anistia e à blindagem, o dueto que voltou a povoar a Avenida Paulista de todas as cores.

O ato contou com a participação de políticos de esquerda e artistas Marina Lima, Otto, Jota.Pê, João Suplicy, Antônio Nóbrega e Nando Reis. Entre os políticos estavam os deputados federais paulistas Guilherme Boulos (Psol), Rui Falcão (PT), Vicentinho (PT), Carlos Zarattini (PT), Tabata Amaral (PSB), Sâmia Bomfim (Psol), Arlindo Chinaglia (PT), Ivan Valente (Psol), Orlando Silva (PCdoB), além do presidente nacional do PT, Edinho Silva.

Segundo os organizadores, participaram mais de 100 mil pessoas na Avenida Paulista. Já o levantamento do Monitor do Debate Político do Cebrap/USP e a ONG More in Common calcularam 42,4 mil pessoas. O levantamento é feito a partir de imagens aéreas e tem margem de erro de 12%, o que significa que a manifestação pode ter reunido entre 37,3 mil e 47,5 mil participantes às 16h04, no horário de pico. Para efeito de comparação, a manifestação em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro reuniu 42,2 mil pessoas no 7 de setembro, também segundo o Cebrap.

Em Brasília, os manifestantes começaram a se reunir no Museu da República, por volta das 9h. Depois, se dirigiram em direção ao Congresso. A Polícia Militar do Distrito Federal não divulgou uma estimativa sobre a quantidade de participantes.O deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ), líder do PT na Câmara, disse neste domingo (21) que as manifestações enfraquecem a proposta de anistia a acusados de golpe e a PEC da Blindagem. “É uma virada. Uma virada grande. O projeto de anistia e a PEC da blindagem perdem força. E perde força também a revisão de penas. A gente espera que essa virada popular facilite a aprovação de projetos de interesse do governo e da população”, disse a jornalistas.

Mais cedo, ele discursou aos manifestantes. Disse que o ato de Brasília já é o “maior dos últimos tempos” e que havia cerca de 50 mil pessoas presentes.

“Já é a maior dos últimos tempos", disse. "Nas ruas do Brasil, nós estamos decretando: a PEC da bandidagem está enterrada”, afirmou o parlamentar.

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