Por Maria Cristina Fernandes, Marcelo Osakabe, Paula Martini, Giullia Colombo e Tiago Angelo / Valor Econômico
Artistas como Chico, Caetano e Gil,
movimentos populares e partidos progressistas lideram atos em ao menos 23
capitais, em crítica a decisões do Congresso que dificultam a punição de
políticos
São Paulo, Rio e Brasília - Milhares de
pessoas foram às ruas neste domingo (21), em ao menos 23 capitais do país,
contra a chamada PEC da
Blindagem e também contra a anistia a golpistas do 8 de janeiro.
As manifestações, convocadas por políticos, movimentos populares, artistas e
influenciadores, foram marcadas também por críticas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e ao
presidente da Câmara, Hugo
Motta (Republicanos-PB).
No Rio, o ato teve a participação de cantores como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paulinho da Viola e Djavan, que reforçaram o coro de “sem anistia” na praia de Copacabana, mesmo local de manifestações bolsonaristas. A manifestação teve a presença de 41,8 mil pessoas, segundo o Monitor do Debate Político, da USP em parceria com a ONG More in Common. É um público semelhante, dentro da margem de erro do levantamento, aos 42,7 mil bolsonaristas que participaram o 7 de setembro no mesmo local.
Na capital paulista, os
manifestantes ocuparam ao menos três quarteirões da avenida Paulista, com
público de 42,4 mil —
também numericamente semelhante, dentro da margem de erro do levantamento, aos
42,2 mil que foram ao mesmo local no 7 de setembro bolsonarista.
No alvo dos protestos em todo o país está a
PEC da Blindagem, aprovada pela Câmara na semana passada por 344 votos a 133. O
texto ainda não passou pelo Senado. Segundo a proposta, deputados e senadores
só podem ser alvo de ação penal após autorização prévia do Congresso. Além da
PEC da Blindagem, avança na Câmara uma proposta de anistia aos condenados do 8
de janeiro. O texto também pode beneficiar Bolsonaro, condenado a 27 anos de
prisão por tentativa de golpe de Estado.
A PEC da Blindagem foi aprovada pelo plenário
da Câmara na semana passada por 344
votos a 133. O texto ainda não passou pelo Senado. Segundo a
proposta, deputados e senadores só podem ser alvo de ação penal após
autorização prévia do Congresso. Além da PEC da Blindagem, avança na Câmara uma
proposta de anistia aos condenados do 8 de janeiro. O texto também pode
beneficiar Bolsonaro, condenado a 27 anos de prisão por golpe de Estado.
No Rio, milhares de manifestantes fizeram um ato na
praia de Copacabana, na zona sul do Rio, em manifestação convocada nas redes
sociais por movimentos sociais, centrais sindicais e impulsionada por
artistas. Gritos de "Sem Anistia" foram
entoados por participantes a caminho do ato pelas ruas de Copacabana. Os
manifestantes usam camisas vermelhas e verde e amarelas. Também havia
referências sobre a situação na Palestina.
Entre os políticos estavam os deputados
federais Chico Alencar (PsolL), Henrique Vieira (Psol), Glauber Braga (Psol)
e Jandira Feghali (PCdoB),
que discursaram em um carro de som. Os artistas se apresentaram em um trio
elétrico.
O protesto aconteceu
sob altas temperaturas, com termômetros beirando os 40 graus em vários bairros
do Rio, e horas antes de Flamengo e Vasco se enfrentarem no Maracanã. Mais
cedo, Copacabana também foi palco de um ato pela liberdade religiosa, o que ocasionou
o fechamento de várias ruas do bairro durante o dia todo.
O ato dos movimentos de esquerda acontece no
ponto onde tradicionalmente ocorrem manifestações bolsonaristas, como a do 7 de
setembro. Foi no mesmo local que, em 3 de agosto, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ)
colocou o pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro, no viva-voz do telefone para
saudar o público presente em um ato contra o Supremo Tribunal Federal (STF).
Os bastidores da ligação foram compartilhados nas redes sociais, o que havia
sido proibido pelo STF, e ocasionou a ordem de prisão domiciliar de Bolsonaro
pelo ministro Alexandre
de Moraes, do STF.
As manifestações deste domingo pedem que a
PEC da Blindagem não siga para tramitação no Senado Federal. O texto foi
aprovado na Câmara dos Deputados na última semana e visa proteger parlamentares
contra a abertura de processos penais. A proposta agora tramita no Senado.
São Paulo
Em São Paulo, o “sem
anistia” predominou nos gritos de ordem da manifestação da Avenida Paulista. O
protesto contra a PEC da Blindagem estava nos cartazes e nos discursos que, uma
hora e meia depois o início previsto, continuam dominados pelos sindicalistas
que também lideraram as bandeiras, com esparsa presença do PT.
Foi uma manifestação sem
uniforme, cor ou bandeira predominante além do rechaço à anistia de Jair
Bolsonaro ou à blindagem dos parlamentares. Uma Avenida
Paulista que, nos últimos anos, se acostumou a manifestações com carros de som
distribuídos ao longo dos quarteirões, ambulantes com bandeiras do Brasil,
Israel e Jair Bolsonaro, cantos de louvor evangélico, famílias uniformizadas de
verde e amarelo, foi tomada, na tarde deste domingo, pelo improviso. Talvez por
isso, reuniu mais gente do que todas aqueles protestos capitaneados pelos
partidos de esquerda nos últimos tempos e surpreendeu até quem participou da
organização mambembe.
No final da manhã, o presidente do PT, Edinho
Silva, calculava que, em todo o Brasil, as manifestações reuniriam mais de 200
mil pessoas nas ruas e seria suficiente para enterrar a PEC da Blindagem e a
anistia em quaisquer formatos. Se errou foi para
menos. Sem o trio de ouro da música popular brasileira que subiu ao palanque do
Rio (Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil), a manifestação da capital
paulista empatou com a última promovida pelo bolsonarismo no 7 de setembro
naquela avenida. “Tomamos de volta o que era nosso”, comentava um
manifestante.
Em São Paulo, a reocupação da avenida veio
com uma concessão ao apelo religioso. Sai o pastor Silas Malafaia (“pastor que
defende a PEC da bandidagem não vai para o céu”), e entra o Padre Júlio
Lancelotti, que, “em nome de todos os credos”, ergueu a mão espaldada para o
alto contra o combo anistia/blindagem. Não foi o
único contraponto. A bandeira do Brasil apareceu de repente, passou por cima da
multidão, e sumiu, não sem antes deixar registrada a imagem que estampará todo
o noticiário. Foi uma resposta aos bolsonaristas que levaram ao mesmo local, no
7 de setembro, uma bandeira dos Estados Unidos. “Prisão dos traidores da
pátria”, “Centrão inimigo do povo” e “soberano é o povo” estavam entre os
cartazes em punhados.
Os gritos de ordem, “sem anistia” e “não
aceito não, a PEC da blindagem é pra proteger ladrão” superaram o “olê, olê
olá, Lula, Lula”, tradicional das manifestações petistas. Nenhum, porém, superou aquele grito de ordem em que, uma
alternância de personagens (Bolsonaro, Trump, Tarcisio e Nikolas Ferreira,
encurtado para “chupetinha”) são enviados para aquele lugar impublicável. Nos
cartazes, além do combo supressivo da anistia e blindagem, compareceram apelos
pelo fim da escala 6x1 e em defesa da Palestina. A reeleição do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva não foi pauta dos cartazes, a grande maioria de cartolina.
À medida em que a multidão se aproximava do
palanque, montado na calçada oposta ao Masp, com um som que mal chegava a quem
estava embaixo da marquise, as bandeiras de partidos e sindicatos se adensavam
e o discurso se radicalizava. Ali foi difícil ouvir
o que a deputada Tabata Amaral (PSB) tinha para falar, pelos protestos contra
sua presença, que contrastaram com a ovação aos deputados Sâmia Bonfim e
Guilherme Boulos, ambos do PSol e mais aplaudidos do que quaisquer dos
deputados federais do PT paulista que lá estavam, nenhum deles da bancada dos
12 que votaram de costas para os manifestantes. Dali a poucos
metros, porém, a única reprimenda era à anistia e à blindagem, o dueto que
voltou a povoar a Avenida Paulista de todas as cores.
O ato contou com a participação de políticos
de esquerda e artistas Marina Lima, Otto, Jota.Pê, João Suplicy, Antônio
Nóbrega e Nando Reis. Entre os políticos estavam os deputados federais
paulistas Guilherme
Boulos (Psol), Rui Falcão (PT), Vicentinho (PT), Carlos Zarattini (PT), Tabata
Amaral (PSB), Sâmia Bomfim (Psol), Arlindo Chinaglia (PT), Ivan Valente (Psol),
Orlando Silva (PCdoB), além do presidente nacional do PT, Edinho Silva.
Segundo os organizadores, participaram mais de 100 mil pessoas na Avenida Paulista. Já o levantamento do Monitor do Debate Político do Cebrap/USP e a ONG More in Common calcularam 42,4 mil pessoas. O levantamento é feito a partir de imagens aéreas e tem margem de erro de 12%, o que significa que a manifestação pode ter reunido entre 37,3 mil e 47,5 mil participantes às 16h04, no horário de pico. Para efeito de comparação, a manifestação em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro reuniu 42,2 mil pessoas no 7 de setembro, também segundo o Cebrap.
Em Brasília, os manifestantes
começaram a se reunir no Museu da República, por volta das 9h. Depois, se
dirigiram em direção ao Congresso. A Polícia Militar do Distrito Federal não
divulgou uma estimativa sobre a quantidade de participantes.O deputado federal
Lindbergh Farias (PT-RJ), líder do PT na Câmara, disse neste domingo (21) que
as manifestações enfraquecem a proposta de anistia a acusados de golpe e a PEC
da Blindagem. “É uma virada. Uma virada grande. O projeto de anistia e a PEC da
blindagem perdem força. E perde força também a revisão de penas. A gente espera
que essa virada popular facilite a aprovação de projetos de interesse do
governo e da população”, disse a jornalistas.
Mais cedo, ele discursou aos manifestantes.
Disse que o ato de Brasília já é o “maior dos últimos tempos” e que havia cerca
de 50 mil pessoas presentes.
“Já é a maior dos últimos tempos", disse. "Nas ruas do Brasil, nós estamos decretando: a PEC da bandidagem está enterrada”, afirmou o parlamentar.
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