O Estado de S. Paulo
O PT estaria apto a explorar o ânimo popular,
mas fica meio ridículo ao pregar ética na política
O mérito não é dos artistas. O público significativo que compareceu aos protestos realizados neste domingo foi, acima de tudo, resultado de uma onda de indignação legítima e espontânea, formada ao longo da última semana contra as votações no Congresso Nacional, que fizeram avançar o pacote da impunidade – composto pelo PL da Anistia, para livrar Jair Bolsonaro e outros golpistas condenados da cadeia, e pela PEC da Blindagem, para reduzir enormemente as chances de que políticos com foro privilegiado paguem por seus crimes.
Há tempos a esquerda não conseguia reunir
tanta gente nas ruas, o que sugere que nem só de militantes empolgados eram
feitas as multidões em mais de uma dezena de capitais do País. O PT seria o
partido mais apto a explorar esse ânimo popular renovado, mas não vai conseguir
completar essa tarefa porque fica meio ridículo na fantasia de defensor da
ética na política.
Parlamentares de oposição, quando sobem num
carro de som na Avenida Paulista, ao lado da família Bolsonaro, do pastor Silas
Malafaia e do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, sabem exatamente o
que a massa ali reunida pensa e quer – e por quem ela seria capaz de se jogar
no abismo. Quando voltam a Brasília, atuam para atender a esses anseios e para
usar todos
os meios com a justificativa de defender seu
líder. Para eles, os discursos a favor da liberdade de expressão e do combate à
corrupção, por exemplo, são moldáveis às circunstâncias. Podem ser
perfeitamente relativizados quando isso for do interesse do projeto político de
Bolsonaro – e quem vai às ruas por ele está de bem com isso.
O PT não pode dizer o mesmo de quem lotou
praças, praias e avenidas neste domingo. As palavras de ordem eram contra uma
ideia ampla de impunidade: exigiam punição a quem atentou contra a democracia e
recusavam dar a deputados e senadores a palavra final sobre se podem ser
processados ou não.
O que o PT tem a oferecer a essa massa de
inconformados? O ex-ministro José Dirceu, condenado em 2016 por corrupção
passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa, que agora, em seu esforço
de reabilitação política, fez até discurso no ato em Brasília dizendo que é
preciso “mudar o Congresso Nacional”?
Ou os doze deputados petistas que votaram a
favor da PEC da Blindagem, sob os argumentos de que o fizeram em troca do apoio
do Centrão para pautas do governo Lula e para evitar a anistia a Bolsonaro? Ou
tudo isso e mais um pouco, sem medo do constrangimento?
Nenhum comentário:
Postar um comentário