O Globo
A tal pacificação incluía implantar um
policiamento mais presente e mais humano, permitir acesso aos serviços básicos
A leucena é uma planta exótica que prolifera
de forma desenfreada. Sua estratégia é produzir muitas sementes, que germinam
com facilidade, e liberar um composto que inibe o crescimento de outras espécies
ao seu redor. Virou uma praga nas margens do Canal de Marapendi, sufocando a
vegetação nativa e ameaçando a biodiversidade.
Volta e meia acontece uma “revitalização” do canal. As folhas são varridas (as amendoeiras que as produzem continuam lá, sem dar frutos comestíveis, sem atrair pássaros, sem permitir que a flora se desenvolva). Mesmo as árvores mortas permanecem. É trabalhoso remover o tronco e as raízes, plantar no lugar uma quaresmeira, um ipê, um jequitibá. As leucenas são cortadas — arrancá-las também dá trabalho — e rebrotam com ainda mais vigor. A erva-de-passarinho que estiver ao alcance da mão vai para a caçamba — o resto é deixado e se espalha para parasitar (até matar) o que tiver sobrevivido às espécies invasoras.
Na faixa entre a rua e a ciclovia — no que
deveria ser um jardim —, os zelosos revitalizadores abrem pequenos sulcos na
terra dura e ali enfiam mudas do que parece ser uma forração. A terra não é
revolvida nem adubada; o buraco é o suficiente para que 1 centímetro da muda
possa ser enterrado. Não há rega, não há proteção. A muda morrerá de sede ou
pisoteada antes que o trabalho (de Sísifo) seja retomado no dia seguinte.
Quando (se...) a “revitalização” chegar ao
fim deste trecho onde moro, o início já terá sido de novo tomado pelas
leucenas, pela erva-de-passarinho. As mudas eventualmente plantadas (e jamais
cuidadas) estarão há muito no Nosso Lar dos vegetais.
Corta para 2010, Complexo do Alemão e Vila
Cruzeiro, no Complexo da Penha. O poder público havia resolvido recuperar esses
territórios, implantar ali Unidades de Polícia Pacificadora. Lá fui eu, com uma
máquina fotográfica e a vontade de conhecer esse Brasil paralelo, tão perto,
tão distante. Conversei com muita gente, todo mundo ainda cético, ressabiado.
Um morador me levou à sua casa – arrombada (e revirada) cinco vezes por
policiais. Tinha mais medo da polícia que dos traficantes.
A tal pacificação incluía implantar um
policiamento mais presente e mais humano, permitir acesso aos serviços básicos,
desarticular o crime organizado, criar condições para que os moradores se
tornassem cidadãos livres, não mais reféns de bandidos.
Cortaram as leucenas; não arrancaram as
raízes. Podaram alguns galhos com erva-de-passarinho, deixaram o resto.
Fincaram mudinhas no chão seco. Como aqui, no Canal, devem ter recolhido o
lixo, sem instalar lixeiras, sem nenhum projeto de educação ambiental.
Removeram parte da vegetação invasora, não reflorestaram.
Em 2015, uma operação no Complexo teve saldo
de 19 mortos. Em 2022, foram 17. Nesta semana, 121 (incluindo quatro
policiais). Vendo a imagem dos corpos enfileirados no asfalto, me ocorreu que
algum deles poderia ser de uma das crianças que fotografei, 15 anos atrás,
empinando pipa no alto do morro. E que ainda se vai desperdiçar muito dinheiro
e derramar muito sangue até que decidam erradicar as leucenas, não apenas
podá-las. Contra todos os defensores das espécies exóticas (e há muitos),
disseminar pitangueiras, sapucaias, mulungus, pau-brasil. E não abandonar as
mudas ao deus-dará.

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