terça-feira, 9 de julho de 2013

'Há uma crise de legitimidade do atual sistema político', diz Manuel Castells

Manuel Castells, sociólogo da Universidade Aberta da Catalúnia, autor de "A Sociedade em Rede"

Gabriel Mamzano

O que há no mundo, como mostram há tempos os protestos de rua, "é uma crise de legitimidade do atual sistema político", adverte o sociólogo espanhol Manuel Castells. "É uma rejeição aos partidos e o clamor por transparência e participação", acrescenta. Estudioso, desde os anos 1990, da cultura digital e de seu impacto na sociedade, Castells afirma que "a democracia atual deixou de ser democrática, segundo a maioria dos cidadãos do mundo". Nesta entrevista ao Estado, desde Barcelona, onde vive, ele avisa: "Cabe às instituições encontrar novas formas de democracia, porque as que temos já estão esgotadas".

Pela rápida mobilização do governo e do Congresso, o sr. vê nos protestos do Brasil um êxito maior que em outros países?

Sim, e isso, se deve ao caráter mais democrático da presidente Dilma, embora essa abertura às demandas populares não se" verifique também na classe política - incluindo a maioria do PT. Mas é claro que os movimentos não vão acreditar nessa abertura até verem resultados concretos nas políticas sociais e na reforma política.

A ausência, nesses atos, de movimentos tradicionais, como CUT, MST, UNE e os sem teto, indica que esses grupos, e mesmo os sindicatos, estão perdendo espaço na sociedade em rede?

Os novos movimentos sociais dispõem de autonomia de organização, debate e mobilização. As entidades burocratizadas, com uma cúpula profissional que negocia em nome dos filiados, estão tão ameaçadas quanto os partidos políticos.

Como descreveria o impacto dessas redes? em especial na democracia contemporânea?

Elas apontam para uma crise de legitimidade do atual sistema político, organizado na partidocracia, na política midiática e na dominação da política pelo dinheiro, legal e ilegalmente. Analisei todo esse processo em meu livro Comunicação e Poder (não lançado ainda no Brasil). Em todos os casos, em diferentes contextos e condições econômicas, o que há de comum é a rejeição aos partidos e o clamor por transparência e participação. Os cidadãos lembram aos políticos que o governo não é deles, mas dos cidadãos que os elegem e pagam. Agora cabe às instituições encontrar novas formas de democracia, porque as que temos estão esgotadas no mundo inteiro.

Mas os protestos organizados em rede têm limites. Não oferecem interlocutores e as demandas são muito amplas. Como superar essa contradição?

Não é uma contradição. Eles rechaçam a gestão dos governos por entender - provavelmente com razão - que a gestão dos políticos é em beneficio próprio, não para os cidadãos. Eles criticam a corrupção, a arrogância, a falta de transparência e de participação. A essa rejeição cabe às instituições responder com diálogo e propostas de mudança. Não se trata de negociar com uma cúpula, mas de responder às demandas do movimento. O que é seguro é que a democracia atual deixou de ser democrática, segundo a maioria dos cidadãos em todo o mundo, e que sua recuperação terá de ocorrer a partir dos movimentos autônomos surgidos na rede. O maior perigo para a democracia é a atual classe política.

Fonte: O Estado de S. Paulo

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