sexta-feira, 19 de abril de 2019

Dora Kramer: Muito além da caricatura

- Revista Veja

Perderão os burlescos, pois, embora pareça, o Brasil não é um circo

Reconheço, há um quê de diversão no tiroteio digital contra as figuras mais caricatas do governo, aí incluído para gáudio geral o presidente da República. Jair Bolsonaro fornece amplo material, bem como alguns de seus ministros. O espetáculo rende risos, grosserias, irresponsabilidades à deriva, irrelevâncias a granel, mas produz também preocupações consistentes.

Nem todas, é verdade. Parte delas completamente inconsistente — decorrente dos temores de determinados ativistas do apocalipse (alguns deles, de sofá) que até outro dia enxergavam a no¬mea¬ção de militares para funções no governo como anunciação do apocalipse autoritário. Esses mesmos hoje celebram a ponderação dos generais, quem diria?

É o fenômeno conhecido como adaptação das impressões aos fatos. Mesmo assim, persiste a visão de que há um embate entre a ala circense e o grupo dos consistentes com placar favorável àquela. De acordo com essa concepção, o burlesco tenderia a prevalecer devido ao presidente, seus filhos e apoiadores mais barulhentos.

Um exame detido da realidade e desprovido da ideia preconcebida de que tudo é deboche e descaso no país desmente essa versão e demonstra a preferência do brasileiro pela seriedade, ponderação e competência. Fosse diferente, Bolsonaro, filhos e companhias toscas não teriam tido de engolir os recuos a que foram obrigados.

Monica De Bolle*: Rosáceas

- Revista Época

A defesa do meio ambiente, para Bolsonaro, é coisa da “esquerda”, coisa de “comunista”.

A primeira vez em que as vi, acho que tinha uns 10 anos de idade. De lá para cá, nas incontáveis vezes em que estive em Paris, jamais deixei de vê-las. Não tenho religião — por escolha pessoal —, mas sempre senti algo dentro da Catedral de Notre-Dame, algo edificante, algo mais adequadamente definido na palavra inglesa uplifting. Já apreciei a beleza de muitas igrejas brasileiras e europeias, já me encantei com a mesquita de Córdoba, mas nada é comparável ao sentimento que evoca a majestosa catedral parisiense. Resgato esse sentimento agora não apenas por causa do incêndio que a devorou parcialmente nesta semana, mas porque pouco há de majestoso ou inspirador na atualidade.

Tenho lido e pesquisado sobre as relações entre as mudanças climáticas e as várias crises migratórias mundo afora, sobre as várias crises migratórias mundo afora e a ascensão do nacionalismo populista. O último relatório da ONU sobre o drama migratório global estimou em pouco mais de 40 milhões o número de pessoas desterradas e em mais de 20 milhões o número de refugiados.

Os desterrados são aqueles que deixam as regiões de origem em seus países e deslocam-se para outras ainda dentro das fronteiras. Os refugiados são aqueles que fogem de seus países para outros, geralmente mais desenvolvidos, onde esperam melhores condições de vida.

O dado perturbador é que a maioria acachapante dos desterrados e refugiados que a ONU contou em 2016 fugiu não de violência e conflitos como geralmente se supõe, mas de eventos catastróficos relacionados ao clima. Secas, inundações, temperaturas escorchantes e suas consequências, como a perda de lavouras e das condições de vida de muitos dos que dependem da produção agrícola de subsistência. Um estudo científico publicado em 2015 aponta a seca desastrosa que atingiu a Síria como fator de estresse para o conflito que mais tarde se daria.

A literatura sobre alterações climáticas e a deflagração de guerras e conflitos é vasta, e a correlação é bem estabelecida. Em alguns casos é possível ver mais do que meras correlações. Em alguns casos é possível afirmar que problemas climáticos causaram guerras e conflitos. Para acrescentar ofensa à injúria, alguns estudos mostram que o ponto em que estamos hoje não é o resultado acumulado de muitas e muitas décadas de descaso. O agravamento das mudanças climáticas é, na realidade, resultado dos últimos 25 a 30 anos.

Fernando Gabeira: Cavaleiros do apocalipse

- O Estado de S.Paulo

Existe um consenso em torno da liberdade de expressão que não se pode mais ultrapassar

Os acontecimentos da semana me fizeram lembrar do debate eleitoral. Discutíamos muito o futuro da democracia. Havia pessimistas, mas, assim como nos Estados Unidos, contamos com um sistema de pesos e contrapesos. O Supremo aparecia aí como um Poder moderador, uma das garantias democráticas. Com o inquérito mandado abrir por Dias Toffoli, o papel do STF sofreu um deslocamento. Quando foi instaurado, escrevi que aquilo parecia uma carteirada, era tão absurdo que seria legalmente anulado.

O que era ainda apenas um mau sinal acabou se tornando uma ferida aberta em nossa democracia com a censura à revista Crusoé e ao site O Antagonista e inúmeras buscas em casa de pessoas que se expressam pelas redes sociais.

A notícia que a Crusoé publicou acabou sendo multiplicada à exaustão: Marcelo Odebrecht informou que Toffoli era o “amigo do amigo do meu pai”, apelido que aparecia em algumas mensagens dele. O que quer dizer isso? O amigo do pai de Marcelo é Lula. Ser amigo de Lula não é um fato isolado: milhares de brasileiros assumiriam essa condição. Toffoli era advogado-geral da União e possivelmente tratou com a Odebrecht das usinas de Santo Antônio e Jirau, em Rondônia.

Mas até aí também não apareceu nada de mais. Houve corrupção na construção de Jirau? Digo que sim, e já estive lá depois que a Lava Jato levantou o tema. Fiz um pequeno documentário no próprio lugar.

Não vi o nome de Toffoli. O próprio documento da Odebrecht não o liga à corrupção, não houve referência a pagamentos. Não havia, portanto, uma razão para transpor um marco democrático e determinar a censura da revista e do site. O que Toffoli conseguiu com isso? Em primeiro lugar, multiplicou fantasticamente a divulgação de uma notícia que lhe era incômoda. Em segundo lugar, fortaleceu a suspeição de que havia realmente algo a esconder.

Não foi um lance inteligente para quem personifica um Poder moderador. Foi um curto-circuito na compreensão do que é o Brasil hoje e abre uma crise aguda, anuvia ainda mais uma atmosfera nebulosa.

Todo esse equívoco terá um desfecho. Se o Supremo realmente se preocupa com a gravidade da situação, deve resolvê-la logo. E Toffoli perderá – e creio que perde também as condições de seguir na presidência.

Eliane Cantanhêde: Os amigos do amigo

- O Estado de S.Paulo

Os apoios à investigação do STF ruíram quando Toffoli e Moraes a usaram para fazer censura

Ao sair da defesa para o ataque contra as fake news e os aloprados da internet, o Supremo virou uma metralhadora giratória que mistura, no mesmo alvo, notícia com fake news, jornalismo com linchamento das redes sociais. Nesse tiroteio, as balas ricocheteiam e atingem o próprio Supremo e diretamente seu presidente, Dias Toffoli.

Ao abrir de ofício uma investigação contra autores de fake news e de ataques que atingem a honra e a paz de ministros e seus familiares, Dias Toffoli selou uma aliança com o ministro Alexandre de Moraes que, num primeiro momento, teve a seu favor a justificativa da autodefesa e o apoio de diferentes setores também exaustos com a agressividade e a falta de limites das redes sociais. Alguém precisava dar um basta nessa escalada.

A justificativa ruiu e os apoios evaporaram quando Toffoli e Moraes usaram o inquérito não só para defender o Supremo e atacar fake news, mas para determinar uma ação incompatível com a Constituição, a democracia e, portanto, o Supremo: a censura da revista Crusoé e do site O Antagonista. E por quê? Por uma reportagem com base em documentos oficiais.

Foi assim que emergiram todas as críticas ao inquérito, aberto de ofício (sem consulta ao plenário), com um relator escolhido sem sorteio, com alvos indefinidos e burlando uma regra óbvia: quem investiga é a polícia e o Ministério Público. Nesse caso, o Supremo embolou tudo e é, ao mesmo tempo, vítima, investigador, acusador e julgador. Logo, lhe falta uma condição essencial à justiça: isenção.

Bruno Boghossian: Como encolher um tribunal

- Folha de S. Paulo

Presidente do STF tentou amarrar o tribunal a uma cruzada e acabou isolado

Ao justificar a censura como ferramenta de defesa institucional, Dias Toffoli demoliu alguns pilares do próprio Supremo. O presidente do tribunal defendeu medidas excepcionais para construir uma muralha que possa proteger a reputação da corte. No fim da obra, o paredão estaria de pé, mas não sobraria muita coisa lá dentro para preservar.

Em entrevista ao jornal Valor Econômico, Toffoli deu de ombros para o desgaste provocado pela decisão de tirar do ar uma reportagem da revista Crusoé que noticiava uma menção a ele em emails internos da Odebrecht. O presidente do STF dobrou a aposta na repressão e tentou tratar a censura como algo banal.

“Se você publica uma matéria chamando alguém de criminoso, acusando alguém de ter participado de um esquema, e isso é uma inverdade, tem que ser tirado do ar. Ponto. Simples assim”, declarou.

Toffoli disse que só agia dessa maneira porque, “ao atacar o presidente, estão atacando a instituição”. Ele discursa em nome de toda a corte e insiste em se confundir com o próprio tribunal, mas alguns colegas parecem dispensar os arbítrios cometidos sob a capa da legítima defesa.

Ruy Castro*: Amigo do amigo

- Folha de S. Paulo

Mas não dizem que Lula não é amigo de ninguém?

Orson Welles gostava de contar que esteve a um aperto de mão de Napoleão. Queria dizer que, um dia, apertou a mão de um homem que apertou a mão de Napoleão. Fiz as contas. Orson nasceu em 1915 e Napoleão morreu em 1821. Se Orson tinha cinco anos quando apertou a mão do homem, isso foi em 1920. Donde, se o homem também tivesse apertado a mão de Napoleão aos cinco anos e no ano em que este morreu, sua idade, ao apertar a mão de Orson, seria de 104 anos.

Não era impossível. Mas Orson, aos cinco anos, morava com a mãe em Chicago, nos EUA, e Napoleão morreu exilado na ilha de Santa Helena, na costa oeste da África. O amigo de Orson estaria em dois lugares tão díspares e com quase 100 anos entre um e outro?

Já, entre nós, o ministro Dias Toffoli, presidente do STF, não gostou de ter sido chamado de amigo do amigo de um poderoso empresário. O amigo é o ex-presidente Lula, condenado em segunda instância e cujos recursos judiciais poderão chegar ao tribunal que ele preside. E o empresário, Emílio Odebrecht, está às voltas com processos de corrupção que também esbarram no seu tribunal. O ministro devia ter escolhido melhor suas amizades.

Reinaldo Azevedo: Se liberdade existe, tudo é permitido?

- Folha de S. Paulo

Enquanto a lei for a lei, que se siga a lei, ou restam paus, pedras e balas

O Supremo fez o certo ao levantar a interdição a textos publicados por um site e uma revista digital. Tratava-se de um erro. Foi o que escrevi de imediato no meu blog e o que afirmei em meu programa de rádio. Ainda volto ao ponto.

Dito isso, vamos ver: estão misturando por aí alhos e bugalhos. A liberdade de expressão está acima de qualquer outro valor? Se está, então é Deus, e tudo é permitido. Se não é —apologia da pedofilia, por exemplo, do racismo ou do extermínio de míopes ou de consumidores de Chicabon—, é preciso ver se crimes são cometidos sob o seu manto.

No Brasil, as pessoas podem falar e escrever o que lhes der na telha. Inexiste censura prévia, e é isso o que a Constituição repudia. Mas não quer dizer que estejam imunes a consequências legais. Nem devem estar. O artigo 5º, que veda a interdição à livre manifestação do pensamento, também protege a honra, e os crimes cometidos contra ela estão tipificados nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal. Valem ou não?

Está aí o Sergio Moro para toda obra. Ele poderia apensar a seu pacote anticrime —aquele que concede licença para matar e, se aprovado, transformará miliciano em herói dos direitos humanos— a extinção, na esfera penal, dos crimes de calúnia, difamação e injúria. Aí teremos também os milicianos da reputação alheia! Todo o resto se resolveria na esfera cível. E, ainda assim, na proteção de caluniadores profissionais, alguém haveria de pedir que o caluniado provasse a sua inocência, como virou moda na Lavajatolândia.

Vinicius Torres Freire: Casa de intolerância e do vale-tudo

- Folha de S. Paulo

Líderes do país promovem conflitos irresponsáveis; baderna institucional aumenta


O Brasil vive uma era de possibilidades ilimitadas, no mau sentido. A falta de modos políticos essenciais para a democracia não vem de hoje, mas a incivilidade ganha ares de nova etiqueta da elite deste país degradado.

Poucas lideranças parecem preocupadas ou capazes de medir a consequência de seus atos. Conflito institucional é nome elegante demais para o que se passa.

É melhor dar nome a alguns desses bois, antes de passar a mais abstrações.

O então juiz Sergio Moro pulava cercas legais a fim de dar impulso político a seus processos e juízos, como no caso do vazamento do grampo de Dilma Rousseff, mas não apenas.

Ministros do Supremo tomam decisões ou instituem inquéritos de legalidade avacalhada a fim de contra-atacar, com bons ou péssimos motivos, a militância politizada de procuradores, por exemplo. No meio da zorra, censuram a imprensa, como no caso da revista Crusoé.

Parte do Congresso (por revanche) e parte do bolsonarismo (em sua guerrilha antiestablishment) querem assediar, depor ou aposentar ministros do STF e controlar o Supremo.

O presidente da República e a falange da ala antissistema do bolsonarismo hostilizam o Congresso. Por atos e omissões, Bolsonaro ataca a ideia de governo articulado e organizado, a começar pelo seu próprio.

Parte relevante da elite econômica acredita que vale quase tudo a fim de implementar um programa econômico, sendo corresponsável pela degradação.

Por omissão, colaboração cúmplice ou mesmo militância feroz, aceita arreganhos autoritários e o envenenamento do convívio democrático. Despreza as ideias de que o país precisa de paz social mínima e a de que um governo precisa de líderes com um mínimo de capacidade administrativa, política e intelectual.

O vale-tudo começa com o laceamento da lei, a tentativa de passar do limite da responsabilidade para o território da irresponsabilidade, onde o folgado institucional tenta manipular o jogo político e legal.

Hélio Schwartsman: Bem feito!

- Folha de S. Paulo

Turma do mercado acreditou que Bolsonaro seria capaz de tocar agenda liberal

A última canelada iliberal de Jair Bolsonaro causou reveses bilionários à Petrobras e terá um custo ainda maior em termos de perda de credibilidade.

Meu lado racional torce para que Jair Bolsonaro pare de sabotar seu próprio governo e faça o que precisa ser feito. Se o barco afundar, todos nos tornaremos náufragos. Meu lado sádico, contudo, não resiste a dizer “bem feito!” à turma do mercado e a todos aqueles que acreditaram que o capitão reformado seria capaz de tocar uma agenda liberal.

Bolsonaro passou 28 anos na Câmara onde, além de esmerar-se na arte de fazer comentários que chocam a sensibilidade das pessoas normais, não desperdiçou oportunidades de votar em propostas conservadoras, intervencionistas, corporativistas e outras que violam pressupostos básicos do liberalismo.

Dá para conciliar conservadorismo e liberalismo? No mundo sublunar, sim. As pessoas escolhem para si os mais absurdos “blends” de crenças. Um Datafolha de 2010 mostrou que, dos brasileiros que se diziam ateus, 7% acreditavam em Adão e Eva e 23% eram partidários da evolução “comandada por Deus”.

Luiz Carlos Azedo: O quarto poder

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“O Estado não tem poder algum (…) de restringir e de inviabilizar o direito fundamental do jornalista de informar, de pesquisar, de investigar, de criticar e de relatar fatos e eventos de interesse público”

O papel de “poder moderador” que o Supremo Tribunal Federal (STF) avocou para si, a partir do princípio de que é o guardião da Constituição de 1988, está sendo gradativamente volatilizado pela Operação Lava-Jato, com a ajuda dos próprios integrantes da Corte. Nunca antes o Supremo esteve numa situação em que seu presidente passou do estado líquido para o gasoso, como no episódio da proibição da divulgação de uma reportagem da revista Crusoé e do site O Antagonista, pelo ministro Alexandre de Moraes.

A decisão decorreu do fato de o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, ter sido apontado como suposto investigado pela Operação Lava-Jato, e provocou uma reação em cadeia nas redes sociais, na mídia e no Congresso em defesa da liberdade de imprensa. Depois da enxurrada de críticas, Moraes suspendeu a decisão, com o argumento canhestro de que se comprovou a real existência do documento citado pela reportagem. E Toffoli revogou decisão do ministro Luiz Fux que havia proibido a Folha de São Paulo de entrevistar, na prisão, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Como a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Supremo tomaram conhecimento do conteúdo do documento anexado em um dos processos em que Marcelo Odebrecht é alvo na Justiça Federal de Curitiba, segundo Moraes, se tornou “desnecessária” a manutenção da medida que ordenou a retirada da reportagem do ar. “Diante do exposto, revogo a decisão anterior que determinou ao site O Antagonista e à revista Crusoé a retirada da matéria intitulada ‘O amigo do amigo de meu pai’ dos respectivos ambientes virtuais”, justificou. Moraes investiga vazamentos de documentos de caráter sigiloso da delação premiada do empresário Marcelo Odebrecht, supostamente por parte de integrantes da força-tarefa da Lava-Jato.

Todo mundo tirou uma casquinha do Supremo, até o presidente Jair Bolsonaro, que ontem participou de uma solenidade militar na sede do Comando Militar do Sudeste, na Zona Sul de São Paulo: “Prezados integrantes da mídia, em que pesem alguns percalços entre nós, nós precisamos de vocês para que a chama da democracia não se apague. Precisamos de vocês cada vez mais. Palavras, letras e imagens que estejam perfeitamente imanadas com a verdade. Nós, juntos, trabalhando com esse objetivo, faremos um Brasil maior, grande e reconhecido em todo o cenário mundial. É isso que nós queremos”, discursou.

Merval Pereira: Em busca da coalizão

- O Globo

Maiorias eventuais são incertas e podem sair mais caro para o governo na negociação das reformas

O presidente Bolsonaro está em busca de um modelo de negociação com os partidos que pressupõe o fim do chamado de “tomada-lá-dá-cá”, mas não tem proposta para viabilizar uma relação que permita ao governo ter uma base política sólida. Por isso até agora não conseguiu grandes avanços nas negociações da reforma da Providência.

Ele tem a intenção de fazer maiorias eventuais, dependendo de cada projeto que o governo apresente. Mas o que parece uma boa ideia pode sair muito mais caro, e não apenas na barganha de votos por vantagens indevidas. Pode sair mais caro do que negociar um programa de governo que inclua todos os projetos importantes.

Sabe-se, por exemplo, que o superministro da Economia Paulo Guedes tem uma série de reformas engatilhadas: tributária, pacto federativo, e por aí vai. Por que não reunir os partidos que podem compor a base, além dos que eventualmente o apoiarão pontualmente, como DEM ou o PSDB, e não negociar um programa de governo, pelo menos na área econômica?

Maiorias eventuais são incertas e obrigarão o governo a negociar a cada reforma, e por isso pode sair mais caro, mesmo quando exista uma negociação republicana. Governar com minoria é possível, mas não quando se precisa mudar a Constituição, o que exige maioria qualificada, ou seja, 60% dos votos de cada Casa do Congresso, em duas votações.

O presidente Bolsonaro iniciou seu governo pensando em negociar com o que definiu como “bancadas temáticas”: segurança, saúde, evangélica, corporativas, do agro-negócio, e assim por diante. Não deu certo.

Ruth de Aquino: Bolsonaro, o amigo do amigo da imprensa

- O Globo

O presidente expressa sem censura suas verdades mais íntimas

“Quero ser amigo da imprensa, mas fica difícil. Todo dia são três ou quatro fake news em cima da gente”. O presidente reclamou de uma revista, em transmissão ao vivo em rede social: “Mentira”. Os ataques de Bolsonaro a jornalistas costumam ser seriais e pessoais, contra repórteres com nome e sobrenome. Mas tudo mudou. Mesmo?

O socialista de direita Bolsonaro decidiu aparecer em sua melhor luz. Estava contente porque o Supremo Tribunal Federal resolveu superá-lo em trapalhadas, na pele do ministro Alexandre de Moraes. O juiz se expôs ao ridículo ao censurar uma revista e intimidar jornalistas e internautas que incomodaram o amigo do amigo Dias Toffoli, presidente do STF. “Minha posição”, disse Bolsonaro, “sempre será favorável à liberdade de expressão, direito legítimo e inviolável”. “Nós precisamos de vocês(jornalistas) para que a chama da democracia não se apague.” Era uma festa pelos 371 anos do Exército.

Liberdade de opinião na família deixa o presidente em apuros. O filho e senador Flavio Bolsonaro apagou mensagem dirigida ao grupo islâmico Hamas: “Quero que vocês se EXPLODAM!!!” Outro filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, disse em vídeo de outubro do ano passado que, para fechar o STF, bastariam um soldado e um cabo.

“O pessoal até brinca lá. Se você quiser fechar o STF, não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é desmerecendo o soldado e o cabo, não. O que é o STF, cara? Tipo, tira o poder da caneta de um ministro do STF, o que ele é na rua? Se você prender um ministro do STF, você acha que vai ter uma manifestação popular a favor dos ministros?”, provocou Eduardo Bolsonaro. É importante lembrar.

Bernardo Mello Franco: Uma suprema enquadrada

- O Globo

Ao endossar censura, ministro Dias Toffoli levou uma enquadrada dos ministros mais velhos no STF. Ele ensaiou um recuo, mas sairá enfraquecido

Dias Toffoli foi o ministro mais jovem a assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal. Ao completar sete meses na cadeira, levou uma enquadrada pública dos mais velhos.

O ministro irritou colegas ao instaurar um inquérito à revelia do Ministério Público. Ele alegou que pretendia defender a “honorabilidade” da Corte, mas deixou um clima de desconfiança no ar. Agora ficou claro que o motivo da preocupação era outro.

Toffoli buscava um escudo para proteger a própria imagem. Talvez soubesse que voltaria a ser citado na Lava-Jato. Ele já havia sido lembrado na delação da OAS. Na semana passada, apareceu num email interno da Odebrecht.

O presidente do Supremo se juntou à legião de figuras públicas com apelidos dados pela empreiteira. Depois do “Caranguejo”, do “Botafogo”, do “Decrépito” e do “Viagra”, despontou como o “Amigo do amigo de meu pai”. Em defesa do ministro, seu codinome foi citado sem a companhia de uma cifra.

Míriam Leitão: Planos ousados de Paulo Guedes

- O Globo

Paulo Guedes tem feito promessas ousadas ao país, mas parte do seu projeto ainda está em estudo ou são ideias embrionárias

O ministro Paulo Guedes faz promessas ousadas. Fala em acabar com a contribuição patronal à Previdência e mudar radicalmente os impostos no país. Diz que isso pode criar 10 milhões de empregos. Acha que pode superar o déficit fiscal que seu próprio ministério previu no projeto de Orçamento para 2020, porque conseguirá uma “enxurrada de dinheiro”. Promete também “um choque de energia barata”.

Em uma hora e meia de entrevista, ele desfilou para uma equipe de jornalistas da Globonews seus projetos, suas ideias, algumas ainda embrionárias, e novas reformas. Mas avisou que tudo depende de vencer — e bem — esta etapa da reforma da Previdência. Se a reforma for fraca, resolve-se apenas o problema do atual governo. Se ela for forte, pode-se passar para o que ele realmente deseja, que é a capitalização. Ele admite que a reforma enfrenta problemas na CCJ e dá um sinal de que alguns pontos podem ser mudados, como o dispositivo que trata da idade de aposentadoria compulsória de ministros do Supremo. O artigo manda essa alteração para lei complementar. E isso está sendo visto como um movimento para que o presidente Bolsonaro nomeie mais ministros. Ele nega que esse seja o objetivo, mas admitiu que há “jabutis” no texto.

Uma das declarações já estava ontem causando problemas. Foi a que ele se referiu à Zona Franca de Manaus. Perguntei sobre a reforma tributária que ele tem dito que fará, a começar do IVA federal, que uniria o IPI, Pis/Cofins, uma parte do IOF e talvez até a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL). Uma dificuldade é como unir impostos com bases de incidência tão diferentes, a CSLL incide sobre lucros, o IPI, sobre produção industrial. Ele disse que tudo isso tem sido estudado. Outro ponto é o futuro da Zona Franca de Manaus. Hoje ela existe com base nas isenções e reduções de impostos que ele pensa em extinguir ou fundir. Na prática, isso acabaria com as vantagens:

Ricardo Noblat: Bolsonaro em dia de paz (armada)

- Blog do Noblat / Veja

Quem o criou que o embale
O de ontem ficará marcado como o dia em que o presidente Jair Messias Bolsonaro, depois de 110 dias de governo, fez seu primeiro aceno de paz à imprensa brasileira, até então alvo preferencial de suas críticas nas redes sociais e em entrevistas a emissoras de televisão simpáticas a ele.

De manhã, em São Paulo, ao celebrar a passagem de mais um Dia do Exército, Bolsonaro pregou: “Em que pesem alguns percalços entre nós, precisamos de vocês (profissionais da imprensa) para que a chama da democracia não se apague”. Disse esperar que “pequenas diferenças fiquem para trás”.

Em seguida foi ainda mais explícito: “Imprensa brasileira, estamos juntos. Pode ter certeza que esse namoro, esse braço estendido aqui, estará sempre à disposição de vocês.” O comentário do presidente causou assombro nas redações e até foi recepcionado com elogios por alguns jornalistas acostumados aos seus ataques.

Por sinal, na última terça-feira, a propósito da censura ao site O Antagonista e à revista Crusoé decretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro já havia dito que “a liberdade de expressão” é um “direito legítimo e inviolável”. Na tarde de ontem, exaltou a revogação da censura pelo ministro Alexandre de Moraes.

Poderia ter ficado por aí. Estava de bom tamanho. Mas Bolsonaro não seria o Bolsonaro que de fato é se, horas mais tarde, não voltasse a empunhar o tacape para dar novas bordoadas na imprensa. Foi quando fez mais uma transmissão ao vivo na conta da presidência da República no Facebook. (No ar, a TV Bolsonaro!)

Então afirmou, sem explicar direito o que queria dizer, que é melhor ter uma imprensa “capengando” do que não ter imprensa. (Capengando quer dizer fraca?) Acusou mais uma vez o que chamou de “nossa querida” Folha de São Paulo de ter mentido em reportagem sobre as despesas do governo com propaganda.

Quanto à maneira como o governo gastará sua verba de publicidade, negou qualquer intenção de perseguir veículos de comunicação, para em seguida advertir: “Mas vamos usar um critério técnico. Não vai ser mais aquela televisão conseguindo 85% da propaganda e os demais 15%. Vai ser técnico.” (Touché, Rede Globo!)

No resto de sua fala de 25 minutos, Bolsonaro ocupou-se em atirar em várias direções. Atirou no ex-presidente Fernando Collor, a quem culpou de ter dado início a “uma verdadeira indústria de demarcação de terras indígenas”. Atirou na Fundação Nacional do Índio (FUNAI), ameaçando demitir sua diretoria.

Atirou na Justiça Federal que suspendeu os efeitos de portaria que havia garantido a concessão de passaporte diplomático ao líder da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo, e à sua mulher. Garantiu que a portaria voltará a valer em breve porque ele tem poder para isso como tiveram seus antecessores.

Para variar, atirou na Lei Rouanet de incentivos fiscais à cultura. Chamou-a de “desgraça” usada pelos governos do PT para cooptar os artistas. “Quantas vezes você não viu figurões defendendo ‘Lula Livre’, ‘Viva Che Guevara’, ‘o socialismo é o que interessa’, em troca da Lei Rouanet?”, perguntou.

Por fim, disse que se depender dele, invasão de terras será tipificado como ato de terrorismo. E defendeu outra vez que donos de imóveis possam se defender atirando em eventuais invasores. “Se o outro lado decidir morrer, será problema dele”, decretou Bolsonaro em um dia de muita paz e de refinado bom humor.

Quem criou Bolsonaro, o original, ou Bolsonaro Paz e Amor, o defensor intransigente da liberdade de expressão, que o compre e embale.

Fake news da toga

A zorra do Supremo
Durante sete dias, o site O Antagonista e a revista eletrônica Crusué ficaram sob censura, acusados pelo ministro Alexandre de Moraes de publicarem uma notícia falsa que teria atingido a honra de José Antonio Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, e, por tabela, a imagem dos seus pares e da justiça brasileira.

O salário mínimo

Nova política de correção interrompe era de redução da desigualdade por meio do benefício

João Sorima Neto /Revista Época

O governo tem de escolher um lado entre o ajuste fiscal e a redução da desigualdade Para o brasileiro que se acostumou a ter ganho real no salário mínimo nos últimos 20 anos, há uma novidade amarga. O governo estabeleceu que o valor do mínimo de 2020 será reajustado apenas pela inflação. Na prática, acaba-se com uma fórmula de reajuste que garantia um ganho real — acima da inflação — lastreado no crescimento da economia. Com isso, o governo consegue uma folga nos gastos públicos, e a proposta está em linha com a ideia do ministro da Economia, Paulo Guedes, de desvinculação do Orçamento, mas se afasta da redução da desigualdade por meio do benefício.

Na semana passada, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), um compêndio com as prioridades financeiras do governo para o próximo ano, foi entregue ao Congresso, e estabeleceu-se que o mínimo será corrigido apenas pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), como manda a Constituição. A estimativa é que o índice suba 4,2% neste ano, segundo o próprio governo. Se for confirmado esse percentual, o valor do mínimo subirá dos atuais R$ 998 para R$ 1.040, em março do ano que vem. Levando em conta a mesma estimativa de inflação, pela regra anterior, o mínimo chegaria a R$ 1.050.

“Num momento de crise fiscal, essa é uma economia importante. E é preciso levar em conta que o salário mínimo é a base para o reajuste automático de diversos benefícios, como a aposentadoria. Portanto, provoca um efeito cascata”, explicou o economista Fábio Klein, especialista em contas públicas da consultoria Tendências, lembrando que, a cada R$ 1 de aumento no salário mínimo, a despesa do governo aumenta em R$ 300 milhões. O impacto negativo para os cofres públicos seria de R$ 3 bilhões a mais, além do rombo de R$ 124 bilhões já previsto para o Orçamento em 2020.

A fórmula que garantia ganho real ao salário mínimo vigorou até janeiro passado. Os governos anteriores utilizaram o salário mínimo como um instrumento de aumento de renda e redução de desigualdade social no país. Na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), depois da adoção do Plano Real, responsável por derrrubar a inflação que corroía o poder de compra dos brasileiros, houve aumento real, ainda que não houvesse um mecanismo de reajuste automático. Foi o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quem criou a fórmula da correção pela inflação, mais a variação do PIB dos dois anos anteriores. E a presidente Dilma Rousseff transformou a regra em lei. Bolsonaro interrompeu essa sequência para 2020, mas segundo o governo isso não significa a definição de uma nova política salarial.

Cai, não fica nada

- Painel / Folha de S. Paulo

O amplo desgaste imposto ao Supremo pela censura aos sites Crusoé e O Antagonista deixou sequelas que não serão sanadas pelo fim do impasse. Mesmo com a revogação da proibição impingida aos dois veículos, nesta quinta (18), integrantes do STF e dirigentes de partidos de esquerda e de direita tratam o caso como “tristíssimo e marcante”. Os questionamentos à corte e a divisão de seus membros agravam a sensação, dizem os políticos, de que há vácuo de liderança e risco de acefalia no país.

O começo do fim O presidente de um partido de centro-direita faz o seguinte diagnóstico: o ordenamento do Brasil confere simbolicamente ao presidente da República o papel de baliza da nação. Desde o início do segundo mandato de Dilma Rousseff, ele avalia, esse sistema está desbalanceado.

O começo do fim 2 Para o dirigente, a divisão política do país e a ascensão de Jair Bolsonaro agravaram o cenário. O Supremo, empurrado para o meio do ringue, sofre agora as fortes consequências.

Investigação pelo STF não é um absurdo, diz magistrado

Segundo ele, porém, atitude da procuradora-geral de indicar o arquivamento do inquérito foi grave e leviana

Rogério Gentile / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de SP Aloísio de Toledo César afirma que o STF tem, sim, poder para realizar uma investigação como a instaurada pelo presidente do Supremo, Dias Toffoli. Ele se refere ao inquérito aberto por ele para apurar fake news e ofensas aos integrantes da corte.

"Não é um absurdo jurídico", afirma. Ele avalia, no entanto, que não era o melhor caminho a ser adotado. "Seria melhor se Toffoli tivesse acionado o Ministério Público, ele iniciou um tumulto institucional absolutamente desnecessário".

Na terça (16), a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enfrentou o STF e, numa manifestação ao relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, afirmou ter arquivado o inquérito. Quatro horas depois, o ministro rebateu e disse que a medida da PGR não tinha respaldo legal.

A investigação foi prorrogada por 90 dias. Conforme a decisão, só depois desse prazo Dodge poderá ver o procedimento, que é sigiloso. Desde quando Toffoli abriu o inquérito, há a expectativa que procuradores que criticavam o Supremo nas redes sociais sejam alvo da apuração.

César, que condena a censura imposta à revista Crusoé e ao site O Antagonista, critica também a atitude da Dodge pelo arquivamento do inquérito. "Foi uma atitude grave, leviana e lamentável", afirma o desembargador, que foi secretário de Justiça do governo Geraldo Alckmin (PSDB).

A seguir, as respostas do desembargador aposentado de São Paulo, enviadas por email, após os questionamento da Folha.

Investigação do Supremo
O Regimento Interno [do STF] prevê e, por isso, o Supremo pode realizar a investigação, não sendo essa iniciativa um absurdo jurídico. Como a norma permissiva da investigação já existia e nunca tinha sido usada, a iniciativa de Toffoli converteu-se num problema difícil de resolver, porque, realmente, o poder de investigar e denunciar é privativo do Ministério Público.

No caso, criou-se uma exceção, em que o Supremo investiga, mas, como não tem o poder de fazer a denúncia para si próprio, imagino que, ao ser encerrado, o inquérito será remetido ao Ministério Público para que o avalie e faça a denúncia, no caso da presença de crime. Se não houver crime, então será o caso de requerer o arquivamento.

A atuação da PRG
Grave, leviana e lamentável foi a conduta da procuradora-geral, que determinou o arquivamento de um inquérito que ela não viu, ainda mais estando em férias no exterior. Imagine-se como ficará a procuradora, caso a investigação comprove a existência de crime, um crime para o qual ela já pediu arquivamento.

Clima de conspiração e total desconfiança

Coluna do Estadão

A despeito da tentativa do ministro Alexandre de Moraes de dar um freio de arrumação no episódio da censura à Crusoé, o clima na relação STF-Lava Jato é de “saloon” de bangue-bangue: ninguém confia em ninguém. Há teorias conspiratórias para toda sorte de narrativas sobre supostos bastidores do depoimento de Marcelo Odebrecht no qual ele cita Dias Toffoli. Em linhas gerais, parte dos ministros acha que os procuradores querem emparedar o STF, enquanto os procuradores têm certeza de que a Corte atua para acabar com a Lava Jato.

Como eu digo. Um dos pontos criticados pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, no inquérito instaurado pelo Supremo para investigar notícias falsas é o fato de o processo não indicar quem seriam os investigados.

Como eu faço. A procuradora, porém, já pediu a abertura de um inquérito sem indicar ao Supremo quem eram os alvos da apuração.

Tique-taque. No ano passado, o ministro Edson Fachin deu três dias para Raquel esclarecer quem deveria “figurar como investigado” no inquérito que apura esquema de pagamentos do grupo J&F. A PGR levou 16 dias para mandar a lista.

Deixa quieto 1. O senador Antônio Anastasia (PSDB-MG) deu sinais de que não pretende alterar o rito de recebimento de pedidos de impeachment ou de denúncias contra ministros do STF e contra o procurador-geral da República.

Deixa quieto 2. Anastasia foi nomeado relator na CCJ do projeto de Lasier Martins (Podemos-RS) que tira poderes de o presidente do Senado decidir monocraticamente a respeito da abertura de impeachments.

O PSDB do tiro na cabecinha

Doria, até pelo estilo raivoso, é temido. Os parlamentares temem criticá-lo e ser alvo de suas redes sociais, em que costuma atacar desafetos.

Guilherme Amado / Época

O PSDB do tiro na cabecinha Começava mais uma reunião da bancada de deputados do PSDB, algumas semanas atrás, quando Bruna Furlan, tucana de São Paulo, se levantou na sala da liderança do partido na Câmara e se dirigiu a um colega que sentava próximo a ela e ao líder. “Deputado, desculpe, mas pode levantar. Esse lugar aqui é para o Aécio. Ele está muito lá no fundo. Ele é nosso senador, foi nosso candidato a presidente. Não pode sentar lá atrás. Aécio, vem para cá.” Aécio Neves, encolhido numa cadeira ao fundo da sala, quis desparecer. Sorriu sem graça e tentou: “Não precisa, Bruna. Estou bem aqui”. Bruna caminhou até Aécio e o pegou pelo braço. “Faço questão. Que isso! Você não pode ficar aí atrás, não!” Relutante, Aécio agradeceu e sentou-se no lugar do colega. O deputado que se levantou da posição de prestígio não gostou. A bancada também não. A preocupação de Bruna era com os fotógrafos, que entrariam logo em seguida: queria Aécio aparecendo na foto. Mas as câmeras são tudo que não quer o mineiro que quase chegou lá, mas agora só entra e sai do plenário da Câmara por uma entrada restrita.

O mineiro se tornou o símbolo do abismo em que o PSDB se meteu. O partido que conquistou a estabilidade econômica e foi um dos pilares da consolidação democrática está fragmentado, conflagrado em diferentes divisões que se entrecruzam: os cabeças-pretas e os cabeças-brancas, os “com voto” versus os “sem voto”, a centro-esquerda contra a centro-direita. João Doria (com voto, de centro-direita e, vá lá, um cabeça-preta) tenta liderar a legenda em que, na eleição passada, foi chamado de traidor. Seu argumento para mobilizar a tropa, claro, é a expectativa de poder: 2022 e o Planalto. Quer expulsar Aécio Neves, Eduardo Azeredo e Beto Richa, e já está com o caminho preparado de como fazer isso. Também quer dar uma nova cara ao PSDB, talvez com outro nome e fortalecendo bandeiras mais à direita. Para isso, entretanto, o próximo passo é tirar o enrolado Geraldo Alckmin da presidência do partido e colocar lá Bruno Araújo. Só falta combinar com alguns cabeças-brancas.

“Bruno Araújo? Mas não tem nada decidido...”, respondeu um taciturno José Serra, numa conversa recente no café do Senado, referindo-se ao ex-ministro de Temer, derrotado no ano passado em Pernambuco. Dos que ainda estão no jogo eleitoral, Serra e Tasso Jereissati são os mais resistentes à subida de Doria. Fora da disputa das urnas, Fernando Henrique engrossa o caldo. Entre o primeiro e o segundo turno de 2018, FH tachou Doria, para diferentes interlocutores, de “oportunista” e “sem qualquer relação com os ideais do PSDB”. 

Tasso Jereissati comunga da tese, tanto que tem mantido conversas com o Cidadania, ex-PPS, para uma eventual migração, em que levaria um punhado de senadores tucanos. No Senado, principalmente, o rosário de críticas a Doria é amplo. “Estão de parabéns os policiais que agiram e colocaram no cemitério mais dez bandidos”, comemorou, há duas semanas. 

Encolhendo de novo: Editorial / Folha de S. Paulo

Indicadores de atividade econômica apontam volta da retração no início do ano

A julgar pelos dados de janeiro e fevereiro, é grande a probabilidade de que a economia brasileira tenha sofrido a primeira contração trimestral desde o fim da devastadora recessão de 2014-16.

Todos os principais setores mostram letargia, e as expectativas mais otimistas fomentadas após as eleições vão dando lugar à frustração. O índice de atividade do Banco Central, que busca mensurar o panorama geral da produção e da renda, registrou queda sensível nos dois meses iniciais de 2019.

As projeções para a alta do Produto Interno Bruto estão em queda, rumo a 1,5% ou talvez menos. A se confirmarem, será o terceiro ano seguido de retomada anêmica, que mal compensa o crescimento da população —a renda média por habitante teve expansão real de apenas 0,55% no último biênio.

As razões para tal fiasco não se resumem à conjuntura. Decerto existem obstáculos de curto prazo, ainda herdados dos desmandos petistas —famílias e empresas endividadas e um quadro de grave descontrole das contas públicas.

Aceno de paz: Editorial / O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro fez um gesto que, dadas as atuais circunstâncias de polarização do País, merece o devido registro. Em discurso durante a cerimônia de comemoração do Dia do Exército, no Comando Militar do Sudeste, em São Paulo, ontem, Bolsonaro fez um aceno à imprensa, afirmando que, apesar de “alguns percalços entre nós, nós precisamos de vocês (profissionais da comunicação) para que a chama da democracia não se apague”.

Noutras circunstâncias, talvez essas palavras pudessem soar corriqueiras, quase banais, frente aos princípios que regem um Estado Democrático de Direito. No entanto, diante do histórico do presidente Jair Bolsonaro, elas adquirem relevância especial.

Levantamento feito pelo Estado mostrou que, nos primeiros dois meses e meio de governo, o presidente Jair Bolsonaro usou 29 vezes sua conta no Twitter para publicar ou compartilhar mensagens nas quais criticava, questionava ou ironizava o trabalho da imprensa brasileira.

No discurso que pronunciou no Comando Militar do Sudeste, utilizou um tom muito diferente. “Precisamos de vocês (profissionais da comunicação) cada vez mais. Palavras, letras e imagens que estejam perfeitamente irmanadas com a verdade. Nós, juntos, trabalhando com esse objetivo, faremos um Brasil maior, grande e reconhecido em todo o cenário mundial”, afirmou o presidente.

Falta agora engavetar o inquérito: Editorial / O Globo

Ministro Alexandre de Moraes faz certo ao suspender censura, mas resta encerrar as investigações

O ministro do Supremo Alexandre de Moraes tomou a decisão correta —a única possível neste caso —, ao suspender a censura à revista “Crusoé” e ao site “O Antagonista”, imposta no inquérito de que é relator, instaurado de ofício pelo presidente da Corte, Dias Toffoli, para investigar alegadas agressões ao tribunal, ministro e familiares.

Falta engavetar o próprio inquérito, causa de desunião no STF, e de incômodo generalizado, porque a decisão de instaurá-lo, a partir da divulgação de notícia pelos veículos sobre citação de Toffoli na Lava-Jato, ficou contaminada pela interpretação de que se tratava de um ato do presidente da Corte em sua própria defesa.

A questão da censura, tomada numa Corte que se notabiliza por veredictos em sentido contrário, na defesa da liberdade de expressão, gerou um volume crescente de críticas. Feitas também por outros ministros.

Marco Aurélio Mello, em entrevista concedida ontem à Rádio Gaúcha, repetiu: “mordaça, mordaça.” Deve, ainda, ter pesado bastante para o recuo de Moraes nota divulgada pelo decano da Corte, Celso de Mello, em que este tacha a censura de “prática ilegítima e intolerável.”

As crises da cultura

Setor da cultura entra em alerta, com corte em orçamento e revisão na Lei Rouanet

Por Ana Paula Sousa | Eu &Fim de Semana / Valor Econômico

SÃO PAULO - Foi o historiador britânico Edward P. Thompson, nome-chave dentro da tradição dos estudos culturais na Inglaterra, quem disse que uma análise a respeito de cultura deve incluir a interação dialética entre cultura e algo que não é cultura. Por quê? Porque a cultura e os embates a seu redor sempre dizem respeito ao todo social. Esse pensamento é um bom ponto de partida para se tentar compreender o que se está vivenciando neste momento no Brasil.

À extinção do Ministério da Cultura (MinC), logo na largada do governo de Jair Bolsonaro (PSL), seguiu-se uma série de episódios que chama atenção de produtores e artistas e mobiliza parte da sociedade. A cultura, neste início de 2019, volta à pauta colada à palavra crise e pontuada pela complexidade das questões que a cercam.

O primeiro susto, dentro do setor, veio com o anúncio da revisão do patrocínio de estatais - como Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES e Correios - a projetos culturais. Esse conjunto de empresas serviu, na primeira década dos anos 2000, como esteio financeiro para o setor no Brasil. Em 2010, os cinco maiores investidores via Lei Rouanet foram Petrobras, Vale, Banco do Brasil, BNDES e Eletrobras. Em 2018, apenas BB e BNDES ainda figuravam na lista dos 20 maiores patrocinadores. No caso da Petrobras, especificamente, o corte, agora radicalizado, vinha acontecendo ano após ano, desde a crise da petrolífera. Enquanto em 2006 a Petrobras injetou R$ 226 milhões na cultura, no ano passado foram R$ 6,3 milhões.

A segunda fonte de inquietação é a Instrução Normativa que está sendo finalizada em Brasília e que deve alterar a Lei Rouanet. A principal mudança técnica em discussão diz respeito à criação de um teto de investimentos no valor de R$ 1 milhão. Estariam isentos desse limite os planos anuais, que respondem pela manutenção de instituições culturais perenes, como o Museu de Arte de São Paulo (Masp) e as atividades ligadas ao patrimônio cultural brasileiro. Se confirmadas essas medidas, os principais atingidos devem ser os produtores de grandes musicais. São eles (ver infográfico), afinal, ao lado das grandes instituições culturais, que devem figurar como exceção ao teto, os maiores captadores de recursos.

O cenário ficou mais nebuloso com os cortes de gastos da máquina pública por governadores recém-eleitos, que deixaram em suspenso algumas das atividades apoiadas pelo poder público em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo - só para citar os Estados mais ricos. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), no entanto, voltou atrás na decisão de pôr fim ao Projeto Guri e prometeu deixar a Secretaria de Cultura e Economia Criativa fora do contingenciamento anunciado.

Paralelamente, o setor audiovisual, fomentado, regulado e fiscalizado pela Agência Nacional de Cinema (Ancine), se viu, no fim do mês passado, colocado numa crise deflagrada por um acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) que condiciona a assinatura de novos contratos a uma melhoria no sistema de prestação de contas da agência. A partir de uma auditoria feita pelo Tribunal em 2017, a fiscalização da Ancine foi reputada como ineficaz e potencialmente danosa aos cofres públicos. O Tribunal contesta a metodologia adotada pela Ancine em 2015, que analisa os projetos concretizados por amostragem, e cobra a solução para um passivo de cerca de 2 mil prestações de contas não avaliadas.

"Temos um plano de ação em execução. O desafio é demonstrar, politicamente, a relevância da atividade e nossa capacidade de continuar operando de acordo com as determinações do TCU", afirma Christian Castro, diretor-presidente da Ancine. Apesar de ser difícil enfrentar o enorme passivo de prestações de contas, observa ele, é possível colocar a agência no eixo. No entanto, aponta outro problema. "Quando a gente mexe em questões de controle, cria uma instabilidade. Ou seja, o maior risco que temos é político", diz.

Para Calero, Brasil pode ter apagão cultural sem Lei Rouanet

- Estado de S. Paulo

O deputado federal Marcelo Calero (Cidadania-RJ) criticou a disposição do governo de reduzir drasticamente o repasse de recursos feitos pela Lei Rouanet para a Cultura. Para o ex-ministro da Cultura, o presidente Jair Bolsonaro “desinforma a população” quando difunde que os recursos da Lei são usados apenas para favorecer generosamente artistas consagrados.

“Bolsonaro desinforma a população. Os maiores captadores da Lei não são ‘artistas’. São museus, institutos e corpos permanentes, que não sobrevivem sem a Rouanet. Ou se excepcionam esses captadores ou o Brasil terá apagão cultural; museu e orquestra só pra quem puder ir pro exterior”, alertou. /M.M.

Fernando Pessoa: Acho tão natural que não se pense

Acho tão natural que não se pense
Que me ponho a rir às vezes, sozinho,
Não sei bem de quê, mas é de qualquer cousa
Que tem que ver com haver gente que pensa ...

Que pensará o meu muro da minha sombra?
Pergunto-me às vezes isto até dar por mim
A perguntar-me cousas. . .
E então desagrado-me, e incomodo-me
Como se desse por mim com um pé dormente. . .

Que pensará isto de aquilo?
Nada pensa nada.
Terá a terra consciência das pedras e plantas que tem?
Se ela a tiver, que a tenha...
Que me importa isso a mim?
Se eu pensasse nessas cousas,
Deixaria de ver as árvores e as plantas
E deixava de ver a terra,
Para ver só os meus pensamentos ...
Entristecia e ficava às escuras.
E assim, sem pensar tenho a terra e o céu.


Marisa Monte: Comida