- Folha de S. Paulo
Turma do mercado acreditou que Bolsonaro seria capaz de tocar agenda liberal
A última canelada iliberal de Jair Bolsonaro causou reveses bilionários à Petrobras e terá um custo ainda maior em termos de perda de credibilidade.
Meu lado racional torce para que Jair Bolsonaro pare de sabotar seu próprio governo e faça o que precisa ser feito. Se o barco afundar, todos nos tornaremos náufragos. Meu lado sádico, contudo, não resiste a dizer “bem feito!” à turma do mercado e a todos aqueles que acreditaram que o capitão reformado seria capaz de tocar uma agenda liberal.
Bolsonaro passou 28 anos na Câmara onde, além de esmerar-se na arte de fazer comentários que chocam a sensibilidade das pessoas normais, não desperdiçou oportunidades de votar em propostas conservadoras, intervencionistas, corporativistas e outras que violam pressupostos básicos do liberalismo.
Dá para conciliar conservadorismo e liberalismo? No mundo sublunar, sim. As pessoas escolhem para si os mais absurdos “blends” de crenças. Um Datafolha de 2010 mostrou que, dos brasileiros que se diziam ateus, 7% acreditavam em Adão e Eva e 23% eram partidários da evolução “comandada por Deus”.
O princípio da não contradição não faz surgir um raio exterminador que fulmine quem assuma posições incongruentes. Mas é forçoso reconhecer que a confiabilidade dos que sustentam combinações malucas de crenças é menor do que a daqueles que conseguem articular ideias coerentes.
E não vejo como se possa, de modo consequente, ser liberal na economia, mas não em relação aos costumes —ou vice-versa. É no mínimo exótico achar que o indivíduo é o melhor juiz para escolher qual carreira ele deve seguir e onde vai vender seus produtos, mas não para decidir como e com quem vai fazer sexo consensual, que substâncias ingerirá e que livros poderá ler.
Autoengano parece-me a melhor explicação para a atitude dos liberais que apoiaram a eleição do mais iliberal dos candidatos.
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