Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Com gritos de guerra "Dilma, Dilma, Dilma", 57 movimentos sociais reunidos em cerimônia no Palácio do Planalto na semana passada, manifestaram, pela primeira vez, apoio público à candidatura de uma sorridente ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.
Além de representação do DEM contra a ministra impetrada junto à Procuradoria Geral da República, a manifestação gerou sinalizações de como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende contabilizar os prejuízos da crise a seu favor.
A ausência do presidente, que de última hora, resolveu embarcar num helicóptero para sobrevoar a enchente no Vale do Itajaí, foi providencial. O prestígio angariado junto a esses movimentos, a quase totalidade dos quais, conveniados com programas sociais do governo, é parte do capital político exibido pelo presidente da República. Ninguém como ele consegue contê-los, acredita boa parte da elite empresarial que o apoiou em duas eleições presidenciais seguidas. Nem mesmo a ministra escolhida.
Dilma Rousseff, que já contava com a simpatia de largas fatias de setores do empresariado, ampliou esse prestígio com o comando do agora incerto Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Mas para esse público de movimentos sociais, a ministra, sempre afeita a temas de infra-estrutura no governo, ainda é um personagem distante.
O evento da semana passada, que conseguiu produzir, em tempo recorde, um texto único de sugestões para o enfrentamento da crise reunindo entidades tão díspares quanto o MST e a Federação Única dos Petroleiros, é uma demonstração de que o presidente aposta na transferência da agenda tensão-social-sob-controle para sua escolhida. Ontem, Dilma voltou à cena no encontro com as centrais sindicais. Não conseguiu lhes adiantar uma única medida que o governo possa tomar para minorar o desemprego, mas já está afinou o discurso de palanque: "O governo não quer comprometer o que conquistou".
Não bastassem os números que se avolumam sobre demissões em massa no Brasil, a crescente preocupação mundial com esta agenda ficou patente, no fim de semana, durante a reunião do Partido Comunista Chinês (PCC).
Nesta reunião, segundo a versão eletrônica do "China Daily", jornal do PCC, o presidente Hu Jintao alertou seu partido de que a China "está sob crescente tensão decorrente de sua grande população, recursos limitados e problemas ambientais".
Citando nominalmente o presidente, que também é secretário-geral do partido, o jornal diz que "esforços devem ser feitos para resolver os problemas que dizem respeito aos interesses do povo, com o objetivo de alcançar um crescimento econômico e social rápido e saudável e melhorar as condições de vida do povo".
Em artigo no último número da "New Left Review", O professor do departamento de Sociologia da Universidade John Hopkins, Joel Andreas, monta o pano de fundo das preocupações do governo chinês.
Em 1978, quando Deng Xiaoping deu início à abertura econômica, o coeficiente de Gini (parâmetro internacional de medição de desigualdade, tanto maior quanto mais próximo de 1 e tanto menor quando se aproxima de 0), era de 0,22. Pontuava como uma das menores taxas do mundo. Em 2006, a taxa chegaria a 0,49, superando os Estados Unidos e aproximando-se perigosamente do sempre finalista deste campeonato, o Brasil, com 0,50.
A preocupação demonstrada no pronunciamento de Hu Jintao foi de que essa desigualdade crescente, devido à dificuldade de tirar da pobreza a ainda majoritária população rural chinesa, pudesse vir a crescer não apenas pelas demissões de dezenas de milhões de operários, mas também pelas medidas liberalizantes de uso da terra anunciadas em outubro em nome da segurança alimentar.
A China vai torrar US$ 600 bilhões para evitar que o crescimento econômico, que foi de 12% no ano passado, e deve fechar 2008 em 9%, caia aquém dos 7% em 2009 e detone o barril de pólvora da multidão de desempregados urbanos que se mesclam aos empobrecidos migrantes rurais.
Secretário de Relações Internacionais do PT e um dos mentores do intercâmbio entre seu partido e o PCC, Valter Pomar diz que é clara a preocupação do partido chinês com o crescimento das insatisfações sociais, mas descarta as chances de ocorrer um novo 1989, que culminou com o massacre da Paz Celestial. "Foi uma mistura de processos, como os primeiros efeitos das reformas de 1978, o saudosismo da Revolução Cultural e os impactos da crise do socialismo, que não se repetirão mais", diz.
Em seu artigo, Joel Andreas conclui que a crise financeira, apesar de contribuir para diminuir a desigualdade entre nações, certamente exacerbará as desigualdades internas dos países, em particular na China.
No Brasil, se o governo brasileiro for capaz de atravessar a turbulência sem mexer na imensa rede de proteção social ancorada no bolsa-família, na Previdência e na valorização do salário mínimo, a crise, aguda na classe média dos centros urbanos do centro-sul, poderá ser mais contida no resto do país.
A dúvida é se a equação será factível com a ampliação do consenso, ao qual já aderiu o presidente, de que é hora de sacrificar o custeio para manter os investimentos. Por custeio, leiam-se excessos de generosidade como a MP dos servidores, que encastelará ainda mais a elite do funcionalismo público em meio a um setor privado em crise, mas também todo o financiamento dos programas sociais do governo.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Com gritos de guerra "Dilma, Dilma, Dilma", 57 movimentos sociais reunidos em cerimônia no Palácio do Planalto na semana passada, manifestaram, pela primeira vez, apoio público à candidatura de uma sorridente ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.
Além de representação do DEM contra a ministra impetrada junto à Procuradoria Geral da República, a manifestação gerou sinalizações de como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende contabilizar os prejuízos da crise a seu favor.
A ausência do presidente, que de última hora, resolveu embarcar num helicóptero para sobrevoar a enchente no Vale do Itajaí, foi providencial. O prestígio angariado junto a esses movimentos, a quase totalidade dos quais, conveniados com programas sociais do governo, é parte do capital político exibido pelo presidente da República. Ninguém como ele consegue contê-los, acredita boa parte da elite empresarial que o apoiou em duas eleições presidenciais seguidas. Nem mesmo a ministra escolhida.
Dilma Rousseff, que já contava com a simpatia de largas fatias de setores do empresariado, ampliou esse prestígio com o comando do agora incerto Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Mas para esse público de movimentos sociais, a ministra, sempre afeita a temas de infra-estrutura no governo, ainda é um personagem distante.
O evento da semana passada, que conseguiu produzir, em tempo recorde, um texto único de sugestões para o enfrentamento da crise reunindo entidades tão díspares quanto o MST e a Federação Única dos Petroleiros, é uma demonstração de que o presidente aposta na transferência da agenda tensão-social-sob-controle para sua escolhida. Ontem, Dilma voltou à cena no encontro com as centrais sindicais. Não conseguiu lhes adiantar uma única medida que o governo possa tomar para minorar o desemprego, mas já está afinou o discurso de palanque: "O governo não quer comprometer o que conquistou".
Não bastassem os números que se avolumam sobre demissões em massa no Brasil, a crescente preocupação mundial com esta agenda ficou patente, no fim de semana, durante a reunião do Partido Comunista Chinês (PCC).
Nesta reunião, segundo a versão eletrônica do "China Daily", jornal do PCC, o presidente Hu Jintao alertou seu partido de que a China "está sob crescente tensão decorrente de sua grande população, recursos limitados e problemas ambientais".
Citando nominalmente o presidente, que também é secretário-geral do partido, o jornal diz que "esforços devem ser feitos para resolver os problemas que dizem respeito aos interesses do povo, com o objetivo de alcançar um crescimento econômico e social rápido e saudável e melhorar as condições de vida do povo".
Em artigo no último número da "New Left Review", O professor do departamento de Sociologia da Universidade John Hopkins, Joel Andreas, monta o pano de fundo das preocupações do governo chinês.
Em 1978, quando Deng Xiaoping deu início à abertura econômica, o coeficiente de Gini (parâmetro internacional de medição de desigualdade, tanto maior quanto mais próximo de 1 e tanto menor quando se aproxima de 0), era de 0,22. Pontuava como uma das menores taxas do mundo. Em 2006, a taxa chegaria a 0,49, superando os Estados Unidos e aproximando-se perigosamente do sempre finalista deste campeonato, o Brasil, com 0,50.
A preocupação demonstrada no pronunciamento de Hu Jintao foi de que essa desigualdade crescente, devido à dificuldade de tirar da pobreza a ainda majoritária população rural chinesa, pudesse vir a crescer não apenas pelas demissões de dezenas de milhões de operários, mas também pelas medidas liberalizantes de uso da terra anunciadas em outubro em nome da segurança alimentar.
A China vai torrar US$ 600 bilhões para evitar que o crescimento econômico, que foi de 12% no ano passado, e deve fechar 2008 em 9%, caia aquém dos 7% em 2009 e detone o barril de pólvora da multidão de desempregados urbanos que se mesclam aos empobrecidos migrantes rurais.
Secretário de Relações Internacionais do PT e um dos mentores do intercâmbio entre seu partido e o PCC, Valter Pomar diz que é clara a preocupação do partido chinês com o crescimento das insatisfações sociais, mas descarta as chances de ocorrer um novo 1989, que culminou com o massacre da Paz Celestial. "Foi uma mistura de processos, como os primeiros efeitos das reformas de 1978, o saudosismo da Revolução Cultural e os impactos da crise do socialismo, que não se repetirão mais", diz.
Em seu artigo, Joel Andreas conclui que a crise financeira, apesar de contribuir para diminuir a desigualdade entre nações, certamente exacerbará as desigualdades internas dos países, em particular na China.
No Brasil, se o governo brasileiro for capaz de atravessar a turbulência sem mexer na imensa rede de proteção social ancorada no bolsa-família, na Previdência e na valorização do salário mínimo, a crise, aguda na classe média dos centros urbanos do centro-sul, poderá ser mais contida no resto do país.
A dúvida é se a equação será factível com a ampliação do consenso, ao qual já aderiu o presidente, de que é hora de sacrificar o custeio para manter os investimentos. Por custeio, leiam-se excessos de generosidade como a MP dos servidores, que encastelará ainda mais a elite do funcionalismo público em meio a um setor privado em crise, mas também todo o financiamento dos programas sociais do governo.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras
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