Maria Cristina Pinotti e Affonso Celso Pastore
DEU NO VALOR ECONÔMICO
As convicções do governo Lula estão sendo testadas diante da atual crise internacional. Desde o início do primeiro mandato o governo manteve um elevado grau de disciplina macroeconômica, graças em grande parte ao pragmatismo do presidente Lula, que não sucumbiu às pressões vindas de dentro do Partido dos Trabalhadores para que enveredasse pelo caminho da heterodoxia e do populismo. Mas seu governo nunca foi submetido a um teste que colocasse à prova aquele pragmatismo. Afinal, ao contar com a contribuição de uma conjuntura internacional favorável ao crescimento econômico, podia jogar livremente e com custo baixo o jogo da "ortodoxia" na política econômica, conseguindo ao mesmo tempo agradar os mercados e as agências de risco; elevar a sua popularidade; e acalmar os setores mais à esquerda de seu partido, porque a eles entregava um crescimento acelerado e um aumento da probabilidade de permanecer no poder por muitos anos.
Agora o governo terá que enfrentar os efeitos de uma economia internacional em crise, que afeta o Brasil através da contração do crédito; da redução no ingresso de capitais e da queda nos preços das commodities; e da deterioração das expectativas de consumidores e empresários. O mundo impõe ao Brasil uma desaceleração no crescimento, mas o custo político da desaceleração parece ser insuportável para o presidente, que tenta contrariar as forças da natureza. Por que não seguir as mesmas políticas monetária e fiscal expansionistas dos Estados Unidos e da Europa? Ocorre que a reação destes países não serve de exemplo para o Brasil. No mundo industrializado há uma crise de insolvência bancária, e quedas assustadoras de produção industrial e do PIB. Nos próximos dois trimestres os Estados Unidos terão contrações do PIB a taxas anualizadas superiores a 4%, e as perspectivas são de taxas de desemprego superiores a 8%, enquanto que na Europa as quedas de produção industrial, em muitos países, superam 8% ao ano. Taxas de juros convergindo para zero e fortes expansões no déficit público são os remédios contra a deflação e a depressão. O caso brasileiro é totalmente diferente. Fazer "o que todo mundo está fazendo" não é uma boa diretriz a ser imprimida à política econômica no Brasil.
A cada semana vêm sendo anunciadas medidas contra-cíclicas, quer expandindo os gastos públicos e reduzindo impostos, quer expandindo o crédito através dos bancos oficiais. O governo nega que ocorrerá uma desaceleração no crescimento, mas esta é inevitável e reduzirá a receita tributária. Por isso, mesmo antes de novas medidas reduzindo impostos e elevando gastos já há uma importante redução do superávit primário. Crescem também as pressões para que o Banco Central reduza a taxa de juros olhando somente para a atividade econômica e não para a inflação. Estímulos são necessários, mas não em excesso. O governo está cada vez mais preocupado com o custo político de uma recessão, que teria efeitos negativos na popularidade de Lula e na sua capacidade de eleger seu sucessor, pondo em risco a qualidade das políticas macroeconômicas e, conseqüentemente, a capacidade de o país crescer quando a crise tiver se dissipado.
Além da contração derivada da disfunção do crédito, que a curto prazo vem sendo habilmente minimizada, porém não integralmente evitada pelo Banco Central, há os efeitos da queda nos ingressos de capitais, que impõe um encolhimento no déficit nas contas correntes que, por sua vez, requer uma queda na demanda doméstica, levando a uma queda no crescimento do PIB. Se esta desaceleração no crescimento do PIB continuar a ocorrer ao lado de uma queda na inflação, como vem ocorrendo até o presente momento, a vida do Banco Central será mais fácil. Mas isto não está garantido, e crescerão as pressões para políticas monetárias mais frouxas, ignorando os riscos da inflação. Por outro lado, na medida em que preocupado com o custo político desta desaceleração, o governo exagerar em políticas contra-cíclicas, elevando os gastos públicos, estimulando o consumo das famílias através de reduções de impostos e aumento do crédito oferecido por bancos oficiais, jogará um maior peso do ajuste na absorção sobre a contração dos investimentos, o que piora as perspectivas de crescimento. Na medida em que persista a escassez de fluxos de capitais, o déficit nas contas correntes terá que se reduzir através de maior depreciação cambial, o que eleva a inflação, acentuando conflitos, em vez de reduzi-los.
Para evitar o dissabor de ver depreciações cambiais e inflações maiores, acentuando o dilema do Banco Central, o governo deveria evitar o crescimento de duas componentes da demanda total doméstica: o seu próprio consumo e o consumo das famílias. Não tem como combater diretamente o encolhimento nos ingressos de capitais, que lhe é imposto exogenamente. Pode e deve utilizar as reservas para evitar quedas maiores no consumo e na formação bruta de capital fixo, porém essa utilização tem que ser prudente. Se utilizasse exageradamente as reservas para impedir uma depreciação cambial mais forte estaria se expondo ao crescimento dos prêmios de risco e ao encolhimento ainda mais forte dos ingressos de capitais. Somente resta ao governo a opção de reduzir o déficit nas contas correntes, tornando-a mais compatível com a nova realidade dos ingressos de capitais. Mas isto impõe que caia a absorção, e não é este o caminho que tem a preferência do governo, que prefere elevar os seus gastos e estimular o consumo das famílias, o que piora as condições para o equilíbrio macroeconômico, mas no curto prazo eleva o apoio popular ao governo.
Decisões tomadas por estadistas, com horizontes mais longos, diferem de decisões tomadas por governos que somente olham para a sua popularidade. No caso brasileiro o horizonte do governo é determinado pelo horizonte da eleição presidencial, que ocorrerá em 2010, e é muito curto em relação à provável duração da atual crise. Opções de política econômica que criem condições para uma recuperação mais sólida quando o mundo superar a presente crise e iniciar a sua recuperação não são as que maximizam a popularidade do governo no horizonte de uma campanha eleitoral. As preferências deverão concentrar-se em medidas de expansão de gastos públicos e de estímulo ao consumo, ou que forcem o Banco Central a uma redução mais intensa e mais veloz da taxa de juros, ampliando o risco da inflação. O crescimento econômico não será beneficiado, e talvez nem a própria popularidade do governo.
Affonso Celso Pastore e Maria Cristina Pinotti são economistas e escrevem mensalmente às segundas-feiras.
DEU NO VALOR ECONÔMICO
As convicções do governo Lula estão sendo testadas diante da atual crise internacional. Desde o início do primeiro mandato o governo manteve um elevado grau de disciplina macroeconômica, graças em grande parte ao pragmatismo do presidente Lula, que não sucumbiu às pressões vindas de dentro do Partido dos Trabalhadores para que enveredasse pelo caminho da heterodoxia e do populismo. Mas seu governo nunca foi submetido a um teste que colocasse à prova aquele pragmatismo. Afinal, ao contar com a contribuição de uma conjuntura internacional favorável ao crescimento econômico, podia jogar livremente e com custo baixo o jogo da "ortodoxia" na política econômica, conseguindo ao mesmo tempo agradar os mercados e as agências de risco; elevar a sua popularidade; e acalmar os setores mais à esquerda de seu partido, porque a eles entregava um crescimento acelerado e um aumento da probabilidade de permanecer no poder por muitos anos.
Agora o governo terá que enfrentar os efeitos de uma economia internacional em crise, que afeta o Brasil através da contração do crédito; da redução no ingresso de capitais e da queda nos preços das commodities; e da deterioração das expectativas de consumidores e empresários. O mundo impõe ao Brasil uma desaceleração no crescimento, mas o custo político da desaceleração parece ser insuportável para o presidente, que tenta contrariar as forças da natureza. Por que não seguir as mesmas políticas monetária e fiscal expansionistas dos Estados Unidos e da Europa? Ocorre que a reação destes países não serve de exemplo para o Brasil. No mundo industrializado há uma crise de insolvência bancária, e quedas assustadoras de produção industrial e do PIB. Nos próximos dois trimestres os Estados Unidos terão contrações do PIB a taxas anualizadas superiores a 4%, e as perspectivas são de taxas de desemprego superiores a 8%, enquanto que na Europa as quedas de produção industrial, em muitos países, superam 8% ao ano. Taxas de juros convergindo para zero e fortes expansões no déficit público são os remédios contra a deflação e a depressão. O caso brasileiro é totalmente diferente. Fazer "o que todo mundo está fazendo" não é uma boa diretriz a ser imprimida à política econômica no Brasil.
A cada semana vêm sendo anunciadas medidas contra-cíclicas, quer expandindo os gastos públicos e reduzindo impostos, quer expandindo o crédito através dos bancos oficiais. O governo nega que ocorrerá uma desaceleração no crescimento, mas esta é inevitável e reduzirá a receita tributária. Por isso, mesmo antes de novas medidas reduzindo impostos e elevando gastos já há uma importante redução do superávit primário. Crescem também as pressões para que o Banco Central reduza a taxa de juros olhando somente para a atividade econômica e não para a inflação. Estímulos são necessários, mas não em excesso. O governo está cada vez mais preocupado com o custo político de uma recessão, que teria efeitos negativos na popularidade de Lula e na sua capacidade de eleger seu sucessor, pondo em risco a qualidade das políticas macroeconômicas e, conseqüentemente, a capacidade de o país crescer quando a crise tiver se dissipado.
Além da contração derivada da disfunção do crédito, que a curto prazo vem sendo habilmente minimizada, porém não integralmente evitada pelo Banco Central, há os efeitos da queda nos ingressos de capitais, que impõe um encolhimento no déficit nas contas correntes que, por sua vez, requer uma queda na demanda doméstica, levando a uma queda no crescimento do PIB. Se esta desaceleração no crescimento do PIB continuar a ocorrer ao lado de uma queda na inflação, como vem ocorrendo até o presente momento, a vida do Banco Central será mais fácil. Mas isto não está garantido, e crescerão as pressões para políticas monetárias mais frouxas, ignorando os riscos da inflação. Por outro lado, na medida em que preocupado com o custo político desta desaceleração, o governo exagerar em políticas contra-cíclicas, elevando os gastos públicos, estimulando o consumo das famílias através de reduções de impostos e aumento do crédito oferecido por bancos oficiais, jogará um maior peso do ajuste na absorção sobre a contração dos investimentos, o que piora as perspectivas de crescimento. Na medida em que persista a escassez de fluxos de capitais, o déficit nas contas correntes terá que se reduzir através de maior depreciação cambial, o que eleva a inflação, acentuando conflitos, em vez de reduzi-los.
Para evitar o dissabor de ver depreciações cambiais e inflações maiores, acentuando o dilema do Banco Central, o governo deveria evitar o crescimento de duas componentes da demanda total doméstica: o seu próprio consumo e o consumo das famílias. Não tem como combater diretamente o encolhimento nos ingressos de capitais, que lhe é imposto exogenamente. Pode e deve utilizar as reservas para evitar quedas maiores no consumo e na formação bruta de capital fixo, porém essa utilização tem que ser prudente. Se utilizasse exageradamente as reservas para impedir uma depreciação cambial mais forte estaria se expondo ao crescimento dos prêmios de risco e ao encolhimento ainda mais forte dos ingressos de capitais. Somente resta ao governo a opção de reduzir o déficit nas contas correntes, tornando-a mais compatível com a nova realidade dos ingressos de capitais. Mas isto impõe que caia a absorção, e não é este o caminho que tem a preferência do governo, que prefere elevar os seus gastos e estimular o consumo das famílias, o que piora as condições para o equilíbrio macroeconômico, mas no curto prazo eleva o apoio popular ao governo.
Decisões tomadas por estadistas, com horizontes mais longos, diferem de decisões tomadas por governos que somente olham para a sua popularidade. No caso brasileiro o horizonte do governo é determinado pelo horizonte da eleição presidencial, que ocorrerá em 2010, e é muito curto em relação à provável duração da atual crise. Opções de política econômica que criem condições para uma recuperação mais sólida quando o mundo superar a presente crise e iniciar a sua recuperação não são as que maximizam a popularidade do governo no horizonte de uma campanha eleitoral. As preferências deverão concentrar-se em medidas de expansão de gastos públicos e de estímulo ao consumo, ou que forcem o Banco Central a uma redução mais intensa e mais veloz da taxa de juros, ampliando o risco da inflação. O crescimento econômico não será beneficiado, e talvez nem a própria popularidade do governo.
Affonso Celso Pastore e Maria Cristina Pinotti são economistas e escrevem mensalmente às segundas-feiras.
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