Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Se os bancos continuarem a ser socorridos sem serem nacionalizados, não haverá a reestruturação necessária
O QUE FARÁ o presidente eleito Obama com o pacote fiscal de mais de US$ 850 bilhões que o Congresso dos Estados Unidos está colocando à sua disposição para estimular a economia? Promoverá o consumo dos pobres e da classe média ou o luxo dos ricos? Estimulará as empresas que investem e inovam ou os rentistas que vivem de juros e dividendos e os financistas que se enriqueceram recebendo comissões de performance e bônus sobre uma riqueza financeira fictícia que criaram?
Essas duas perguntas não têm apenas um conteúdo moral. De sua resposta dependerá o êxito ou o fracasso de uma política fiscal que visa evitar que a recessão nos Estados Unidos se transforme em depressão.
Comecemos pela segunda pergunta. Uma parte dos recursos será necessariamente usada para capitalizar os bancos. Mas essa capitalização deve ser feita com a reestruturação do sistema financeiro. E nela é essencial que os acionistas percam o controle dos bancos e que os financistas tecnoburocráticos que os administraram sejam afastados. Foi isso o que foi feito no Brasil no caso do Proer. Os bancos foram salvos, não seus acionistas nem seus administradores. Nos Estados Unidos, não é isso que está sendo feito.
No caso do Citibank, houve um primeiro socorro de US$ 25 bilhões e, no fim de novembro, outro de US$ 20 bilhões, em um momento em que o valor patrimonial do banco havia caído para US$ 20 bilhões. Não obstante, conforme noticiaram os jornais, o governo ficou com apenas 8% das ações do banco.
Uma política desse tipo, além de injustificável do ponto de vista ético, é inaceitável do ponto de vista econômico e administrativo. No setor financeiro, não basta que o governo americano promova a regulamentação do sistema e socorra os bancos; precisa, além disso, quebrar o poder do lobby financeiro que foi responsável pela desregulamentação e pela crise bancária. Se os bancos continuarem a ser socorridos sem serem nacionalizados (e, depois de saneados, reprivatizados), não haverá a reestruturação necessária do sistema, o capitalismo americano continuará baseado em finanças em vez de na produção, e não apenas ficará sujeito a novas crises: a crise atual demorará mais para ser superada. O exemplo negativo do Japão é nesse sentido claro. Em 1990, depois de uma enorme bolha imobiliária e acionária, o país entrou em crise e, como não reestruturou os bancos, nela permaneceu por 10 anos.
A resposta à primeira pergunta é também crucial. Enquanto um pacote fiscal conservador reduz o imposto dos ricos (governo Bush), um progressista aumenta a renda dos pobres e resguarda a da classe média. Enquanto uma política fiscal equivocada realiza imensas obras públicas sem qualquer prioridade (essa foi novamente a prática japonesa dos anos 1990), uma competente restringe os investimentos aos realmente necessários, ao mesmo tempo em que incentiva os pobres com sistemas de renda mínima (como nós fazemos no Brasil) e incentiva as famílias de classe média a consumir por meio de esquemas que lhes permitam, por exemplo, conservar as casas em que habitam.
Nos primeiros meses de seu governo. Obama terá poder suficiente para quebrar o lobby financeiro-tecnoburocrático. Vamos torcer para que ele o use bem. Sua vitória não será apenas dos americanos, mas de todo o mundo.
Luiz Carlos Bresser-Pereira , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Se os bancos continuarem a ser socorridos sem serem nacionalizados, não haverá a reestruturação necessária
O QUE FARÁ o presidente eleito Obama com o pacote fiscal de mais de US$ 850 bilhões que o Congresso dos Estados Unidos está colocando à sua disposição para estimular a economia? Promoverá o consumo dos pobres e da classe média ou o luxo dos ricos? Estimulará as empresas que investem e inovam ou os rentistas que vivem de juros e dividendos e os financistas que se enriqueceram recebendo comissões de performance e bônus sobre uma riqueza financeira fictícia que criaram?
Essas duas perguntas não têm apenas um conteúdo moral. De sua resposta dependerá o êxito ou o fracasso de uma política fiscal que visa evitar que a recessão nos Estados Unidos se transforme em depressão.
Comecemos pela segunda pergunta. Uma parte dos recursos será necessariamente usada para capitalizar os bancos. Mas essa capitalização deve ser feita com a reestruturação do sistema financeiro. E nela é essencial que os acionistas percam o controle dos bancos e que os financistas tecnoburocráticos que os administraram sejam afastados. Foi isso o que foi feito no Brasil no caso do Proer. Os bancos foram salvos, não seus acionistas nem seus administradores. Nos Estados Unidos, não é isso que está sendo feito.
No caso do Citibank, houve um primeiro socorro de US$ 25 bilhões e, no fim de novembro, outro de US$ 20 bilhões, em um momento em que o valor patrimonial do banco havia caído para US$ 20 bilhões. Não obstante, conforme noticiaram os jornais, o governo ficou com apenas 8% das ações do banco.
Uma política desse tipo, além de injustificável do ponto de vista ético, é inaceitável do ponto de vista econômico e administrativo. No setor financeiro, não basta que o governo americano promova a regulamentação do sistema e socorra os bancos; precisa, além disso, quebrar o poder do lobby financeiro que foi responsável pela desregulamentação e pela crise bancária. Se os bancos continuarem a ser socorridos sem serem nacionalizados (e, depois de saneados, reprivatizados), não haverá a reestruturação necessária do sistema, o capitalismo americano continuará baseado em finanças em vez de na produção, e não apenas ficará sujeito a novas crises: a crise atual demorará mais para ser superada. O exemplo negativo do Japão é nesse sentido claro. Em 1990, depois de uma enorme bolha imobiliária e acionária, o país entrou em crise e, como não reestruturou os bancos, nela permaneceu por 10 anos.
A resposta à primeira pergunta é também crucial. Enquanto um pacote fiscal conservador reduz o imposto dos ricos (governo Bush), um progressista aumenta a renda dos pobres e resguarda a da classe média. Enquanto uma política fiscal equivocada realiza imensas obras públicas sem qualquer prioridade (essa foi novamente a prática japonesa dos anos 1990), uma competente restringe os investimentos aos realmente necessários, ao mesmo tempo em que incentiva os pobres com sistemas de renda mínima (como nós fazemos no Brasil) e incentiva as famílias de classe média a consumir por meio de esquemas que lhes permitam, por exemplo, conservar as casas em que habitam.
Nos primeiros meses de seu governo. Obama terá poder suficiente para quebrar o lobby financeiro-tecnoburocrático. Vamos torcer para que ele o use bem. Sua vitória não será apenas dos americanos, mas de todo o mundo.
Luiz Carlos Bresser-Pereira , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
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