domingo, 21 de dezembro de 2008

Vaga-lumes ou faróis?

Rubens Ricupero
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Passados alguns trimestres ou anos magros, voltaremos ao alegre carrossel da irresponsabilidade financeira?

EMBORA OS poderosos divirjam muito em temas políticos como o Iraque, o Irã, o Afeganistão ou o conflito da Geórgia, é notável o grau de convergência de todos quando se trata de combater a crise econômica. É uma das diferenças com a Depressão dos anos 30, era do nazi-fascismo e do estalinismo, da guerra comercial, da atitude definida pelos versos do Coronel Tamarindo, de "Os Sertões": "É tempo de murici/cada qual cuide de si". No debate para marcar o aniversário da revista "Política Externa", publicada pela editora Paz e Terra, foi o embaixador Gelson Fonseca quem fez essa observação, reveladora da capacidade que tem o analista dotado de intuição crítica de enxergar além da superfície do que ocorre ao nosso redor.

Braudel comparava os acontecimentos aos vaga-lumes: brilham, mas não iluminam o caminho.

Sua luz é fraca, não nos ajudam a distinguir a duração longa, os ciclos seculares. Em horas como as atuais é o que dificulta perceber se a tremenda intensidade dos eventos significa que as coisas mudaram para sempre. Passados alguns trimestres ou anos magros, voltaremos ao alegre carrossel da irresponsabilidade financeira, como após o estouro da bolha de telecomunicações, em 2001, ou o escândalo da Enron, em 2002? Ou a mudança será irreversível, como sucedeu em segurança, por efeito dos atentados de setembro de 2001? Vamos regressar à normalidade ou não existe mais normalidade, como José querendo voltar para Minas, porém "Minas não há mais"?

É o mesmo caso do declínio da hegemonia dos EUA. Os sintomas são reais; a enfermidade, contudo, não se sabe se tem cura ou não. Veja-se o exemplo da ausência de Washington da "mãe de todas as cúpulas", a de Sauípe, nada menos do que quatro em uma só. Os americanos foram excluídos ou se auto-excluíram após anos e anos de olhar a América Latina apenas sob o prisma da imigração clandestina, do narcotráfico e dos leoninos acordos falsamente chamados de "livre comércio"? Em aparência não foram convidados nem pediram para sê-lo. Mereceriam, no entanto, estar presentes? Teriam algum interesse real, algo a dizer? O problema da diplomacia da "negligência benigna" praticada pelos EUA para com a América Latina é que o jogo pode ser invertido. O principal resultado de Sauípe foi o retorno consagrador de Cuba. Se esse fato político é visto como derrota dos EUA, eles só têm a si mesmos para se culparem.

Ofereceram de bandeja vitória fácil aos adversários ao se aferrarem a uma política anacrônica, que perdeu há décadas toda a razão de ser.

O poeta-diplomata Carlos Felipe Saldanha tem um texto sobre o mágico que se amarrou tanto e tão bem em correntes de ferro que está até hoje tentando se desvencilhar no fundo do mar.

Essa é a impressão que dão os EUA: são tantos os nós atados pelos lobbies de Wall Street, cubanos da Flórida, pró-Israel ou Taiwan que o país não logra desemaranhar a corrente do poder e retomar a iniciativa. Será que Obama vai desatar os nós ou se resignará à paralisia diante dos lobbies anti-Protocolo de Kyoto, contra a regulação financeira, políticos e de outra natureza, tornando o declínio irreversível? A resposta, como sempre lapidar, está em Vieira no fecho do ano do quarto centenário de seu nascimento: "Do presente sabemos muito pouco; do passado, ainda menos, e, do futuro, nada".

RUBENS RICUPERO , 71, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.

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