Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
NOVA YORK. A decisão do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, de tomar a iniciativa de indicar que o Copom deve mesmo começar a reduzir as taxas de juros na primeira reunião de janeiro do próximo ano - conforme está implícito na ata da última reunião - tem um claro componente político, que reforça a tese de que a autonomia operacional do Banco Central tem que ser disputada permanentemente no interior do governo. Está claro que Meirelles se antecipou para que a próxima decisão do Banco Central não pareça uma derrota política, assim como é possível que a decisão de manter os juros na última reunião do ano, mesmo que alguns de seus membros já vislumbrassem espaço para uma redução, tenha tido, além de componentes técnicos, claros tons políticos.
Também a maneira direta com que a ata do Copom se referiu à possibilidade de corte dos juros, embora a inflação, mesmo perdendo força, continue acima do centro da meta, indicaria, segundo analistas, que o Banco Central começa a ficar mais preocupado com a possibilidade de uma recessão na economia do que com o perigo da inflação.
Não parece provável, no entanto, que o Banco Central decida não levar em conta o centro da meta de inflação, sendo mais indulgente com a taxa. O mais provável é que seus diretores tenham se convencido de que a crise mundial é tão grave que fará a inflação cair mesmo com o dólar valorizado e com as medidas do governo para estimular o consumo.
A autonomia operacional do Banco Central já existe há quinze anos, com uma interrupção na crise da desvalorização do real, em 1999. O ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci chegou a cogitar oficializá-la, coisa que nem o tucano Fernando Henrique Cardoso teve força política para fazer, embora tenha dado toda a liberdade para os presidentes do Banco Central em suas gestões.
Aliás, nessa questão o presidente Lula, a bem da verdade, é mais ortodoxo do que seria hoje o ex-presidente Fernando Henrique - que já disse que não oficializaria a autonomia para não perder o controle sobre as políticas do Banco Central - e muito mais do que o governador de São Paulo José Serra que, se chegar à Presidência da República, quase certamente não terá um Banco Central tão independente quanto ultimamente.
Em recente entrevista, Serra disse que a autonomia do Banco Central não pode fazer com que ele se descole do resto do país. "Porque, afinal de contas, não podemos ter um outro poder independente, os poderes são o Executivo, o Judiciário, junto com o Ministério Público, e o Legislativo. Tudo mais são poderes subordinados, você não tenha a menor dúvida disso".
Para ele, o BC deve "responder à sociedade e ao governo pelas suas políticas, que não são só de inflação, são também de emprego e atividade econômica".
O episódio da desvalorização do real, em 1999, marcou profundamente o ex-presidente Fernando Henrique, que já admitiu em entrevista ter tentado convencer o então presidente do Banco Central, Gustavo Franco, a acelerar a desvalorização, mas não ter conseguido.
Teve que substituí-lo por Chico Lopes para mudar a política cambial, e hoje pergunta: "Já pensou se ele tivesse mandato?".
Seja como for, o presidente Lula não impede que seus aliados pressionem permanentemente o Banco Central, e tentem criar constrangimentos para as decisões do Copom, o que faz parte de um jogo político de pressão e contrapressão que já se tornou um componente de nosso sistema de autonomia.
De qualquer maneira, dando uma entrevista onde deixou claro que a partir de janeiro os juros cairão, o presidente do Banco Central se antecipou às pressões e protegeu seus diretores, que haviam ensaiado um pedido de demissão conjunta, diante das pressões para baixar os juros.
A questão da autonomia do Banco Central se tornou polêmica com o acirramento da crise econômica, depois que o todo-poderoso e endeusado Alain Greenspan, presidente do Fed, o Banco Central dos Estados Unidos, reconheceu que errara ao imaginar que o mercado se auto-regularia.
Nos Estados Unidos, o presidente do Fed é indicado pelo presidente da República, tem um mandato, e presta contas regularmente ao Congresso, que é a instituição encarregada de aprovar sua indicação.
O mercado agora vai começar a disputar quem acerta de quanto será o corte nos juros, e já há os que, como o banco Morgan Stanley, prevejam um crescimento zero da economia brasileira no próximo ano, mas com um corte nos juros de 2 pontos percentuais ao longo de 2009, em doses de 0,5 pontos a começar em janeiro.
Recente relatório do banco reduzindo de 3% para zero a previsão do crescimento do PIB em 2009, lembra que, embora drástica, essa redução do crescimento tem precedentes na economia brasileira.
A economia tem crescido a uma média de 6,3% nos últimos quatro trimestres, até o terceiro trimestre deste ano, e a queda começará, segundo a previsão do banco de investimentos, neste quarto trimestre, reduzindo o crescimento deste ano e reduzindo a zero o crescimento do próximo.
O estudo lembra a situação do início de 1995, quando a crise do México levou a uma queda maior ainda. Naquela ocasião, com a implantação do Plano Real, a economia brasileira crescia com força, tendo alcançado uma média de 8,5%, com a taxa de crescimento industrial atingindo 16% em janeiro, na posse de Fernando Henrique Cardoso como presidente. Mas a crise do México derrubou o PIB, que foi se recuperar durante o ano.
Apenas uma coisa pode inviabilizar o corte de juros preparado para janeiro de 2009: uma eventual decisão do governo de reduzir o superávit primário, medida que está sendo cogitada em alguns setores do governo.
DEU EM O GLOBO
NOVA YORK. A decisão do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, de tomar a iniciativa de indicar que o Copom deve mesmo começar a reduzir as taxas de juros na primeira reunião de janeiro do próximo ano - conforme está implícito na ata da última reunião - tem um claro componente político, que reforça a tese de que a autonomia operacional do Banco Central tem que ser disputada permanentemente no interior do governo. Está claro que Meirelles se antecipou para que a próxima decisão do Banco Central não pareça uma derrota política, assim como é possível que a decisão de manter os juros na última reunião do ano, mesmo que alguns de seus membros já vislumbrassem espaço para uma redução, tenha tido, além de componentes técnicos, claros tons políticos.
Também a maneira direta com que a ata do Copom se referiu à possibilidade de corte dos juros, embora a inflação, mesmo perdendo força, continue acima do centro da meta, indicaria, segundo analistas, que o Banco Central começa a ficar mais preocupado com a possibilidade de uma recessão na economia do que com o perigo da inflação.
Não parece provável, no entanto, que o Banco Central decida não levar em conta o centro da meta de inflação, sendo mais indulgente com a taxa. O mais provável é que seus diretores tenham se convencido de que a crise mundial é tão grave que fará a inflação cair mesmo com o dólar valorizado e com as medidas do governo para estimular o consumo.
A autonomia operacional do Banco Central já existe há quinze anos, com uma interrupção na crise da desvalorização do real, em 1999. O ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci chegou a cogitar oficializá-la, coisa que nem o tucano Fernando Henrique Cardoso teve força política para fazer, embora tenha dado toda a liberdade para os presidentes do Banco Central em suas gestões.
Aliás, nessa questão o presidente Lula, a bem da verdade, é mais ortodoxo do que seria hoje o ex-presidente Fernando Henrique - que já disse que não oficializaria a autonomia para não perder o controle sobre as políticas do Banco Central - e muito mais do que o governador de São Paulo José Serra que, se chegar à Presidência da República, quase certamente não terá um Banco Central tão independente quanto ultimamente.
Em recente entrevista, Serra disse que a autonomia do Banco Central não pode fazer com que ele se descole do resto do país. "Porque, afinal de contas, não podemos ter um outro poder independente, os poderes são o Executivo, o Judiciário, junto com o Ministério Público, e o Legislativo. Tudo mais são poderes subordinados, você não tenha a menor dúvida disso".
Para ele, o BC deve "responder à sociedade e ao governo pelas suas políticas, que não são só de inflação, são também de emprego e atividade econômica".
O episódio da desvalorização do real, em 1999, marcou profundamente o ex-presidente Fernando Henrique, que já admitiu em entrevista ter tentado convencer o então presidente do Banco Central, Gustavo Franco, a acelerar a desvalorização, mas não ter conseguido.
Teve que substituí-lo por Chico Lopes para mudar a política cambial, e hoje pergunta: "Já pensou se ele tivesse mandato?".
Seja como for, o presidente Lula não impede que seus aliados pressionem permanentemente o Banco Central, e tentem criar constrangimentos para as decisões do Copom, o que faz parte de um jogo político de pressão e contrapressão que já se tornou um componente de nosso sistema de autonomia.
De qualquer maneira, dando uma entrevista onde deixou claro que a partir de janeiro os juros cairão, o presidente do Banco Central se antecipou às pressões e protegeu seus diretores, que haviam ensaiado um pedido de demissão conjunta, diante das pressões para baixar os juros.
A questão da autonomia do Banco Central se tornou polêmica com o acirramento da crise econômica, depois que o todo-poderoso e endeusado Alain Greenspan, presidente do Fed, o Banco Central dos Estados Unidos, reconheceu que errara ao imaginar que o mercado se auto-regularia.
Nos Estados Unidos, o presidente do Fed é indicado pelo presidente da República, tem um mandato, e presta contas regularmente ao Congresso, que é a instituição encarregada de aprovar sua indicação.
O mercado agora vai começar a disputar quem acerta de quanto será o corte nos juros, e já há os que, como o banco Morgan Stanley, prevejam um crescimento zero da economia brasileira no próximo ano, mas com um corte nos juros de 2 pontos percentuais ao longo de 2009, em doses de 0,5 pontos a começar em janeiro.
Recente relatório do banco reduzindo de 3% para zero a previsão do crescimento do PIB em 2009, lembra que, embora drástica, essa redução do crescimento tem precedentes na economia brasileira.
A economia tem crescido a uma média de 6,3% nos últimos quatro trimestres, até o terceiro trimestre deste ano, e a queda começará, segundo a previsão do banco de investimentos, neste quarto trimestre, reduzindo o crescimento deste ano e reduzindo a zero o crescimento do próximo.
O estudo lembra a situação do início de 1995, quando a crise do México levou a uma queda maior ainda. Naquela ocasião, com a implantação do Plano Real, a economia brasileira crescia com força, tendo alcançado uma média de 8,5%, com a taxa de crescimento industrial atingindo 16% em janeiro, na posse de Fernando Henrique Cardoso como presidente. Mas a crise do México derrubou o PIB, que foi se recuperar durante o ano.
Apenas uma coisa pode inviabilizar o corte de juros preparado para janeiro de 2009: uma eventual decisão do governo de reduzir o superávit primário, medida que está sendo cogitada em alguns setores do governo.
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