O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, está hoje no centro das especulações políticas e econômicas, fruto de uma atuação exitosa inédita nos últimos anos. Sua permanência ou não à frente do Banco Central ganhou relevância, e uma eventual substituição, que parece inevitável, pode causar mais turbulências na economia do que a troca até mesmo do ministro da Fazenda.
O economista Carlos Langoni, ele próprio ex-presidente do Banco Central, avalia que o presidente Lula teve o mérito de ampliar a autonomia operacional do BC, permitindo que, na prática, a "Autoridade Monetária" passasse a "estabelecer vínculos mais relevantes com a Presidência da República do que com o Ministério da Fazenda".
Langoni diz que "esse organograma inédito na história econômica brasileira" construiu uma espécie de couraça "que protegeu o Banco Central das pressões políticas do próprio governo (o famoso fogo amigo), de sindicatos e organizações empresariais".
Em 2002, recém-chegado do exterior, Henrique Meirelles pensou em iniciar uma vida política pelo governo de Goiás, seu estado natal, mas teve que se contentar com uma vaga de deputado federal.
Acabou transformando-se em uma solução para o governo petista recém-eleito transmitir para o mercado financeiro um sinal de que não mudaria as bases da política econômica.
Eleito pelo PSDB, abriu mão de um mandato de deputado federal para assumir o Banco Central, para choque de muitos petistas, e mesmo tucanos de boa cepa como o governador José Serra, que não veem até hoje com bons olhos a atuação do ex-presidente do Banco de Boston.
Oito anos depois, as dificuldades políticas que encontrou estão plenamente superadas e ele teria hoje amplas condições de disputar e vencer uma eleição para governador, com o apoio do principal cabo eleitoral do país, o próprio presidente Lula. Mas aí começam as incertezas de Meirelles.
Ao mesmo tempo em que já o lançou informalmente em recente viagem ao estado, o presidente Lula deu uma declaração ao jornal "Valor" que poderia ser uma ducha de água fria nas suas pretensões políticas: "O Meirelles não deveria pensar em ser candidato a governador coisa nenhuma", disse o presidente, embora tenha declarado que entendia "a comichão" de fazer política.
Em pouco mais de duas semanas o presidente do Banco Central terá que escolher um partido para se filiar, e é provável que o faça até o final do mês, pois quando o prazo se esgota, a 2 de outubro, ele estará em Copenhague defendendo a candidatura do Rio às Olimpíadas de 2016.
Se optasse pelo PMDB, entraria imediatamente na lista dos possíveis vices em uma chapa oficial encabeçada pela ministra Dilma Roussef. Mas ele parece que reluta em ficar subordinado a Iris Rezende, o candidato natural do partido ao governo de Goiás e, sobretudo, a sua mulher, a deputada Iris, que é a presidente em exercício do PMDB nacional.
Uma outra legenda da base do governo o levará provavelmente a rachar essa base, criando mais um problema para o governo com o PMDB. Além das questões políticas, há a questão mais sensível para o governo, que é a substituição de Meirelles.
Langoni ressalta que o caráter "absolutamente informal" da autonomia do Banco Central introduz "um elemento de grande fragilidade, especialmente na transição política do próximo ano".
Apesar das pressões que sofreu durante esses anos à frente do Banco Central, Meirelles teve sempre o apoio do presidente Lula, que descobriu cedo que o controle da inflação é elemento chave para o sucesso da política econômica e, em consequência, da manutenção de sua popularidade.
Mesmo que, como analisa Carlos Langoni, seja "razoável" esperar que nenhum candidato "ousará modificar radicalmente a atual arquitetura macroeconômica, em especial o regime de metas de inflação", a credibilidade conquistada poderá, entretanto, ser "seriamente abalada", dependendo do perfil do novo presidente da instituição e o seu relacionamento com o governo.
No caso brasileiro, lembra Langoni, não existe a opção utilizada inteligentemente pelos Estados Unidos, que antecipou a permanência de Ben Bernanke como governador do Fed, minimizando incertezas.
Na sucessão de Fernando Henrique, houve quem defendesse a permanência do então presidente do Banco Central Armínio Fraga para mandar esse sinal de que nada mudaria, mas a solução nova e radical de colocar um banqueiro internacional eleito pelo PSDB foi a maneira preferida por Lula para dar um choque de credibilidade às ações de seu governo.
Hoje, segundo Langoni, o temor é que na campanha eleitoral a provável contestação da política de juros alimente dúvidas de como será, de fato, implementado o regime de metas no próximo governo.
Por isso, o presidente Lula gostaria que Henrique Meirelles continuasse à frente do Banco Central até o fim de seu governo e muito provavelmente pudesse ser reconfirmado no cargo em caso de uma vitória da candidata oficial. Mas esse não é, aparentemente, o plano de voo de Meirelles, que está em busca de uma maior autonomia política como governador ou até mesmo como senador.
Para Carlos Langoni, a independência do Banco Central é "a mãe de todas as reformas", e deveria ser a de mais fácil aprovação pelo Congresso. Os benefícios econômicos e sociais de uma inflação baixa e previsível são hoje evidentes, ressalta, viabilizando, inclusive, a expansão da classe média, apesar da crise econômica.
"Essas conquistas poderão ser revertidas com o enfraquecimento do BC e a volta do populismo monetário". Langoni considera esse um "risco institucional" que pode afetar negativamente decisões de investimento, "exatamente quando a economia brasileira decola, deixando o ciclo recessivo".
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