domingo, 20 de setembro de 2009

Bola de cristal

Ferreira Gullar
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / ILUSTRADA

Intuo que a ministra Dilma Rousseff dificilmente será eleita presidente da República

COMO NÃO sou senão poeta e os poetas vivem no mundo da Lua, dou-me o direito de afirmar coisas que um cientista político não afirmaria. Não diria que são certezas, já que cientista não sou; seriam talvez especulações ou, melhor, intuições que, como se sabe, carecem de comprovação.

Ou seja, não sou capaz de provar o que afirmo, mas tampouco alego repetir o que alguma voz do além me segredara. Não ouço vozes, ainda que não me mantenha de todo surdo aos cochichos do processo histórico.

E foi por ouvir uns dois ou três desses cochichos que comecei a entender que a candidatura da ministra Dilma à Presidência da República tem poucas chances de emplacar.

Sei que tal revelação parecerá aos que votarão nela nada mais que mera aspiração de um articulista, sem qualquer base real. Pode ser, admito a dificuldade de separar o que seria secreta aspiração e uma conclusão isenta, fundada em dados objetivos. Dirão, claro, que os dados podem ser objetivos, mas a interpretação deles, discutível ou mesmo falsa. De qualquer modo, seja qual for a validade de minha tese, vou expô-la e, dentro do possível, justificá-la.

Como disse há pouco, intuo que a ministra Dilma Rousseff dificilmente será eleita presidente da República, e o que me leva a pensar assim é, entre outros fatores, o resultado das recentes pesquisas de opinião, que lhe atribuem entre 17% e 19% dos votos.

Não ignoro que pesquisas de opinião são indicações conjunturais, o flagrante do momento presente, que pode mudar. Mas servem para avaliarmos o curso de determinado processo.

Minha opinião acerca de candidatura da ministra, a partir dos índices referidos, não seria a mesma se, por exemplo, ela não estivesse em plena campanha, ao lado do seu cabo eleitoral, o presidente Lula. Se depois de quase dois anos de comícios, disfarçados de atos oficiais, mas com escancarado propósito eleitoral, ela não chega a 20 pontos percentuais, enquanto o governo José Serra, sem campanha alguma e sem se definir candidato, anda pelos 36% a 40%, é lícito duvidar da candidatura da "mãe do PAC".

Esse é um dado. Há outros como, por exemplo, a doença dela. Torço para que ela se livre disso, mas, pelo que tenho ouvido de entendidos em oncologia, esse tipo de câncer é traiçoeiro e difícil de efetivamente debelar. Em face disso, penso: qualquer que seja o resultado do tratamento a que ela se submete, é difícil ao eleitor ignorar o risco implícito em entregar o governo do país a uma pessoa em tais condições de saúde. Esse pode não ser um fator decisivo, mas, para o eleitor indeciso, na hora de escolher entre uma opção com risco e outra sem risco, a tendência natural é não arriscar. É um fator que tende a reduzir ainda mais o número dos que votariam na candidata do presidente Lula.

Como se isso não bastasse, surge a candidatura de Marina Silva. Tomado de surpresa, Lula foi logo afirmando que Marina não tirará votos de Dilma. Mas tira, e por várias razões: pelo fato de ser mulher e pelo fato de ser petista, dividirá com Dilma tanto o voto feminino quanto o voto partidário, especialmente porque, ao contrário da ministra, que era do PDT, Marina é petista de primeira hora e se mantém fiel ao princípio de ética na política, que o PT de Lula e Dilma abandonou.

Por isso, a candidatura de Marina não apenas atrai o petista fiel a suas origens como também muito eleitor sem partido que se sente repugnado com o vale-tudo da política nacional. Dilma, ao contrário, candidata de Lula, tem sua candidatura vinculada às alianças espúrias, mantidas por este. O apoio explícito de certas figuras políticas, envolvidas nos últimos escândalos, compromete a candidatura da ministra. Como acreditar que Marina, a salvo de tudo isso, não lhe tirará votos?

Isso sem falar em José Serra. Dilma nunca disputou eleição alguma. Sua carreira -que começou com o equívoco da luta armada- é de uma funcionária pública, voltada para tarefas burocráticas.

E, não por acaso, já que a atuação do político requer comunicabilidade e simpatia, qualidades que lhe faltam. Já Serra tem larga história política e administrativa provada e aprovada, como deputado, ministro, prefeito e governador. O único trunfo de Dilma é o apoio de Lula que não tem surtido o efeito esperado. O índice de rejeição a ela já se aproxima dos fatais 40%, o que inviabilizaria qualquer possibilidade de candidatura.

E finalmente: como se comportará o PMDB, quando ficar evidente que a candidatura da Dilma não deslancha? Lembrem-se que o PMDB cristianizou nada menos que Ulysses Guimarães, sua principal figura.

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