domingo, 20 de setembro de 2009

Constituição de 1946: o social passa a ter vez

Paulo Augusto
MEMÓRIA POLÍTICA
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Completados 63 anos de sua promulgação, Carta Magna que sucedeu à do Estado Novo é lembrada pelo único de seus constitucionalistas ainda vivo: o pernambucano Jarbas Maranhão, de 93 anos

A fase de estabilidade política que o Brasil vive atualmente é uma das mais duradouras de sua história republicana. A prova disto é a atual Constituição, a segunda mais duradoura da República com quase 21 anos em vigor – a mais longeva é a primeira, promulgada em 1891 (menos de dois anos após a queda do Império), que durou 43 anos. Um dos aspectos fundamentais da Carta atual é o fato dela suceder a promulgada durante uma ditadura – a de 1967, quando estava em vigor o regime militar. Tal “privilégio” também se deu na Constituição de 1946, substituta da outorgada por Getúlio Vargas durante o Estado Novo (1937-1945), e que sexta-feira (18) completou 63 anos.

Elaborada no início de 1946, a Assembleia Constituinte contou com a participação de uma série de “notáveis” como o escritor Barbosa Lima Sobrinho e o sociólogo Gilberto Freyre – ambos pernambucanos –, além do historiador e ex-governador da Bahia Luís Viana Filho, só para citar alguns exemplos. Com apenas 30 anos à época, outro parlamentar pernambucano foi membro da Assembleia que elaborou aquela Carta Magna: Jarbas Maranhão, o único ainda vivo, hoje com 93 anos – outro constitucionalista de 1946, este falecido há três meses, foi o jurista Goffredo da Silva Teles Júnior.

Radicado no Rio de Janeiro e com uma lucidez espantosa, “doutor” Jarbas fala com orgulho do período em que fez parte da Assembleia Constituinte. “Elaboramos uma Constituição moderna, que fugia dos modelos clássicos, puramente políticos, que cuidavam mais do Estado e seus poderes”, analisa Maranhão, que ao longo de sua trajetória, ocupou inúmeros cargos – foi secretário de Estado, duas vezes deputado federal, senador, presidente do Tribunal de Contas de Pernambuco, professor de Direito Constitucional, além de ser membro da Academia Pernambucana de Letras e da Academia Brasileira de Ciências Morais e Políticas, esta sediada no Rio de Janeiro.

Na visão do ex-político pernambucano, a Constituição de 1946 ampliou as inovações trazidas na Carta promulgada em 1934, “que trouxe os direitos sociais, de família, dos funcionários públicos”.
“Mas a de 46 foi ainda mais ampla. Ela ampliou o conteúdo das sociedades e regulou questões envolvendo as massas populares, como o sindicalismo”, destaca. Outro ponto que Maranhão considera muito importante é o fato do texto ter sido o primeiro a substituir no País um regime de exceção, “num período de várias crises, sobretudo ideológicas”.

DIREITO CONCRETO

À época o mais jovem entre os constituintes, Jarbas Maranhão ressalta que a Carta de 1946 partiu para instituir os “direitos concretos” do cidadão brasileiro, em detrimento daqueles considerados “abstratos”. “A partir da Constituição de 1946, levou-se em conta o direito de vestir, de comer, de morar, e não apenas os de pensar e de ter uma religião, também fundamentais, mas que não são nada sem outros que permitam ao homem viver com dignidade”, enfatiza.

Surgida após um período de oito anos de regime ditatorial – e após seis anos de conflitos na Segunda Guerra Mundial –, a Constituição de 46 é resultado de uma evolução constitucional.

“O texto teve a participação de mais de 380 constituintes, grande homens públicos, estadistas, intelectuais. Eu nunca vi uma Constituição tão rica de valores. E é o reflexo de uma democracia que se ampliou e incluiu princípios como os de justiça social. Levou em conta as necessidades do espaço brasileiro e as nobres aspirações da época, ou seja, uma combinação dos ideais de liberdade e solidariedade social”, contextualiza o ex-deputado Jarbas Maranhão, que completa:
“A luta pela liberdade é muito difícil e continua ainda hoje”.

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