Luiz Gonzaga Belluzo
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
As objeções de procuradores à indicação de Toffoli ao STF revelam o corporativismo das burocracias não eleitas
OS CIDADÃOS brasileiros -suponho ainda detentores da soberania do voto- deveriam colocar as barbas de molho diante das objeções lançadas por procuradores federais contra a indicação do advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli. Escolhido pelo presidente Lula para ocupar uma vaga no STF, Toffoli foi exprobrado pelos rapazes e senhoras do parquet com argumentos que não disfarçam o corporativismo típico das burocracias não eleitas.
Incumbe constitucionalmente ao Senado avaliar as virtudes e as insuficiências do candidato apontado pelo chefe do Executivo. Por isso, não é conveniente entrar na parolagem, um tanto canhestra, sobre as qualificações de Toffoli. Digo canhestra porque os procuradores ou seus porta-vozes questionam, na aparência, a formação e o saber jurídico do candidato, mas, no fundo, se insurgem contra a posição do indicado a respeito do poder de investigação do Ministério Público. Penso que coarctar a iniciativa do MP, em matéria penal, assim como em outras de interesse coletivo, representa uma perigosa deformação da ordem jurídica e, consequentemente, uma ameaça séria ao desenvolvimento das práticas democráticas. Mas nem todos concordam comigo.
Há controvérsias em relação a essas e a outras questões. Nos meios jurídicos, opiniões de respeito sustentam, por exemplo, que frequentemente as burocracias encarregadas de acusar, punir, prender e cobrar impostos escapam aos controles democráticos e confundem independência e autonomia com soberania, na pretensão de iludir as sanções de responsabilização que deveriam ser cominadas aos funcionários do Estado em suas escaramuças de abuso do poder.
Têm sido frequentes as manifestações em prol da usurpação de prerrogativas que pertencem exclusivamente aos escolhidos pelo voto popular. Entre elas, está a nomeação dos chefes das burocracias de Estado não eleitas, aí incluídas as encarregadas de vigiar, acusar, julgar e punir. A pretensão de excluir o presidente da República ou o Congresso da escolha do procurador-geral, dos membros do STF ou do secretário da Receita Federal revela tenebrosa inclinação a ignorar completamente os debates relevantes sobre os impasses e as contradições da democracia moderna. Há riscos de que, sob a casca da virtude, esteja vicejando o ovo da serpente. Senão vejamos. Não ocorre aos impetuosos funcionários do Estado que escolher entre seus pares, no interior de suas confrarias, os chefes das chamadas "carreiras de Estado" serve ao que Luigi Ferrajoli chamou de "poderes selvagens". Selvagens são aqueles poderes que crescem no interior da sociedade (in)civil mediante a acumulação de "instrumentos" de vários tipos, sem nenhum freio ou limite constitucional e que tendem a controlar o poder legal.
Quando partiam para esses métodos, as ditaduras tinham pelo menos o mérito da sinceridade.
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
As objeções de procuradores à indicação de Toffoli ao STF revelam o corporativismo das burocracias não eleitas
OS CIDADÃOS brasileiros -suponho ainda detentores da soberania do voto- deveriam colocar as barbas de molho diante das objeções lançadas por procuradores federais contra a indicação do advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli. Escolhido pelo presidente Lula para ocupar uma vaga no STF, Toffoli foi exprobrado pelos rapazes e senhoras do parquet com argumentos que não disfarçam o corporativismo típico das burocracias não eleitas.
Incumbe constitucionalmente ao Senado avaliar as virtudes e as insuficiências do candidato apontado pelo chefe do Executivo. Por isso, não é conveniente entrar na parolagem, um tanto canhestra, sobre as qualificações de Toffoli. Digo canhestra porque os procuradores ou seus porta-vozes questionam, na aparência, a formação e o saber jurídico do candidato, mas, no fundo, se insurgem contra a posição do indicado a respeito do poder de investigação do Ministério Público. Penso que coarctar a iniciativa do MP, em matéria penal, assim como em outras de interesse coletivo, representa uma perigosa deformação da ordem jurídica e, consequentemente, uma ameaça séria ao desenvolvimento das práticas democráticas. Mas nem todos concordam comigo.
Há controvérsias em relação a essas e a outras questões. Nos meios jurídicos, opiniões de respeito sustentam, por exemplo, que frequentemente as burocracias encarregadas de acusar, punir, prender e cobrar impostos escapam aos controles democráticos e confundem independência e autonomia com soberania, na pretensão de iludir as sanções de responsabilização que deveriam ser cominadas aos funcionários do Estado em suas escaramuças de abuso do poder.
Têm sido frequentes as manifestações em prol da usurpação de prerrogativas que pertencem exclusivamente aos escolhidos pelo voto popular. Entre elas, está a nomeação dos chefes das burocracias de Estado não eleitas, aí incluídas as encarregadas de vigiar, acusar, julgar e punir. A pretensão de excluir o presidente da República ou o Congresso da escolha do procurador-geral, dos membros do STF ou do secretário da Receita Federal revela tenebrosa inclinação a ignorar completamente os debates relevantes sobre os impasses e as contradições da democracia moderna. Há riscos de que, sob a casca da virtude, esteja vicejando o ovo da serpente. Senão vejamos. Não ocorre aos impetuosos funcionários do Estado que escolher entre seus pares, no interior de suas confrarias, os chefes das chamadas "carreiras de Estado" serve ao que Luigi Ferrajoli chamou de "poderes selvagens". Selvagens são aqueles poderes que crescem no interior da sociedade (in)civil mediante a acumulação de "instrumentos" de vários tipos, sem nenhum freio ou limite constitucional e que tendem a controlar o poder legal.
Quando partiam para esses métodos, as ditaduras tinham pelo menos o mérito da sinceridade.
Violavam às claras os direitos dos cidadãos e não se escondiam atrás de uma aparência de legalidade. Seria bom ler Michel Foucault.
Luiz Gonzaga Belluzzo , 66, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).
Luiz Gonzaga Belluzzo , 66, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).
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