DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
A candidata Dilma Rousseff não se cansa de repetir: gostaria de enfrentar o adversário José Serra, com a campanha polarizada e os eleitores comparando o desempenho dos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula. E sempre que pode, na mais minúscula oportunidade, ela tenta reprisar o refrão de Lula "nunca antes neste país...". Claro, usando palavras diferentes, porque o refrão se gastou, cansou e anda desmoralizado. Afinal, em que se assemelham e se diferenciam a petista Dilma Rousseff e o tucano José Serra?
Juros e câmbio - Na verdade, para o mercado financeiro Lula foi a continuidade de FHC: manteve o tripé superávit primário, metas de inflação e câmbio flutuante, que garantiu atravessar os dois mandatos de Lula com estabilidade financeira e, até agora, opera como tranquilizante para o mercado não repetir em 2010 o furacão "pânico Lula" vivido em 2002. Serra e Dilma têm compromisso com a continuidade do tripé, mas há diferenças de graduação entre um e outro.
Para começar, nos oito anos de gestão FHC, Serra nunca escondeu, ao contrário, escancarou suas divergências com as políticas monetária e cambial comandadas por Pedro Malan e Gustavo Franco até fevereiro de 1999 e, depois, por Malan e Arminio Fraga. Em 2001 ele chegou a propor uma Lei de Responsabilidade Cambial, sugerindo que o câmbio flutuante criado por Fraga seria irresponsável. Em 2006, ao disputar a legenda do PSDB com Geraldo Alckmin, Serra garantiu que manteria o câmbio flutuante e ganhou apoio dos economistas de FHC, mas perdeu a convenção e não foi candidato.
A política de juros elevados para atrair capital estrangeiro sempre foi criticada por Serra - no período FHC e agora, no governo Lula. Em outubro de 2008, no auge da crise financeira, ele disparou: "A situação do Brasil se complica com a política do Banco Central de maior juro do mundo, câmbio arrochado e excessivamente valorizado."
É claro que tanto ele quanto Dilma não pensam em intervir de formas direta e agressiva no câmbio e nos juros. Afinal, o tempo passou, o que era experiência amadureceu e as políticas monetária e cambial de FHC e Lula provaram estar no caminho certo. Apesar disso, paira a desconfiança se os dois usarão recursos mais intervencionistas - Serra, por convicção e Dilma, pelo estilo centralizador. Ou não. A ver.
Mas aí surgem dúvidas sobre outra polêmica questão: a autonomia operacional do Banco Central (BC) será preservada? A diretoria do BC continuará decidindo a taxa de juros com a mesma liberdade e independência que teve nos governos FHC e Lula? A resposta virá quando o futuro for presente. No passado, Serra defendeu a ideia de tirar a fiscalização do BC e separá-la numa agência própria. Mas há anos não fala nisso. O sistema de fiscalização, normas e controle dos bancos, montado no primeiro mandato de FHC, mostrou eficácia e garantiu a saudável travessia dos bancos brasileiros pela atual crise financeira. É provável que Serra tenha desistido da ideia.
Quanto a Dilma, é desconhecido o que pensa sobre autonomia do BC. Durante todo o governo petista assuntos ligados ao BC eram privativos de Lula, Henrique Meirelles e mais ninguém. E Dilma não ousou se manifestar. A dúvida vem mais de sua vocação intervencionista e centralizadora. Se eleita for, aceitará sem questionar ver a economia desacelerar porque o BC elevou os juros para controlar a inflação e a demanda? O ideal seria garantir autonomia ao BC em lei. Mas isso nenhum presidente quer fazer.
O Estado e as reformas - As diferenças entre Serra e Dilma ficam mais claras quando se fala de economia real, das reformas, do controle fiscal e intervenção do Estado na economia.
Serra sempre zelou pelo equilíbrio fiscal. Para ele, nenhum governo pode criar despesa sem antes garantir receita para cobri-la. A Lei de Responsabilidade Fiscal, instrumento inovador e importantíssimo para inibir a gastança política e equilibrar as contas do presidente, de governadores e prefeitos, foi inspirada por Serra e executada por dois técnicos de sua confiança: os economistas José Roberto Afonso e Martus Tavares. Desde a época de secretário do governo Franco Montoro, em São Paulo, foi assim. Sob sua guarda a inflação pode descontrolar-se por outros motivos, não pela permissividade do governo com gastos.
No governo Lula, o rigor com as despesas governamentais desmoronou quando a ministra Dilma detonou o plano dos ex-ministros Antônio Palocci e Paulo Bernardo de impor metas para diminuir gastos. Em entrevista ao Estado ela chamou o plano de "rudimentar" e ganhou a briga. A partir daí não só Dilma, mas todo o governo Lula passou a contratar despesas fixas e irremovíveis confiando em receitas duvidosas. Veio a crise, a receita tributária cai sem parar desde novembro de 2008 e a meta de superávit primário não deverá ser cumprida em 2009. Em setembro o governo federal registrou déficit primário de R$ 7,6 bilhões, o maior dos últimos 12 anos.
Serra e Dilma também se opõem em relação às reformas e ao papel do Estado na economia. A experiência de gestão pública ensinou a Serra que o equilíbrio fiscal do governo e o desenvolvimento econômico não progridem sem as reformas (política, tributária, previdenciária e trabalhista), um Estado regulador forte e a participação crescente da iniciativa privada na economia.
Sua adversária pensa o inverso. As reformas são necessárias, mas, como Lula, pode desistir ao primeiro obstáculo político. Suas convicções mais fortes vêm de sua origem política socialista, de um Estado grande e interventor na economia. Para isso ela tem projeto pronto na cabeça, que pressupõe centralizar poder de decisão e ação no governo e enfraquecer órgãos reguladores, submetendo-os ao mando de ministros. Dilma discorda do conceito que predomina hoje nas democracias modernas de um Estado regulador forte voltado para servir à sociedade e com independência para rejeitar demandas políticas contrárias ao interesse público. Interferências políticas na Petrobrás e na Eletrobrás, a criação de novas estatais em energia elétrica e petróleo do pré-sal, o apoio financeiro do BNDES para financiar a formação de grandes conglomerados privados são apenas algumas expressões do projeto Dilma, que, por ironia com a ex-guerrilheira dos anos 60/70, muito se assemelha ao programa de governo do general Ernesto Geisel.
*Suely Caldas é jornalista e professora da PUC-Rio.
A candidata Dilma Rousseff não se cansa de repetir: gostaria de enfrentar o adversário José Serra, com a campanha polarizada e os eleitores comparando o desempenho dos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula. E sempre que pode, na mais minúscula oportunidade, ela tenta reprisar o refrão de Lula "nunca antes neste país...". Claro, usando palavras diferentes, porque o refrão se gastou, cansou e anda desmoralizado. Afinal, em que se assemelham e se diferenciam a petista Dilma Rousseff e o tucano José Serra?
Juros e câmbio - Na verdade, para o mercado financeiro Lula foi a continuidade de FHC: manteve o tripé superávit primário, metas de inflação e câmbio flutuante, que garantiu atravessar os dois mandatos de Lula com estabilidade financeira e, até agora, opera como tranquilizante para o mercado não repetir em 2010 o furacão "pânico Lula" vivido em 2002. Serra e Dilma têm compromisso com a continuidade do tripé, mas há diferenças de graduação entre um e outro.
Para começar, nos oito anos de gestão FHC, Serra nunca escondeu, ao contrário, escancarou suas divergências com as políticas monetária e cambial comandadas por Pedro Malan e Gustavo Franco até fevereiro de 1999 e, depois, por Malan e Arminio Fraga. Em 2001 ele chegou a propor uma Lei de Responsabilidade Cambial, sugerindo que o câmbio flutuante criado por Fraga seria irresponsável. Em 2006, ao disputar a legenda do PSDB com Geraldo Alckmin, Serra garantiu que manteria o câmbio flutuante e ganhou apoio dos economistas de FHC, mas perdeu a convenção e não foi candidato.
A política de juros elevados para atrair capital estrangeiro sempre foi criticada por Serra - no período FHC e agora, no governo Lula. Em outubro de 2008, no auge da crise financeira, ele disparou: "A situação do Brasil se complica com a política do Banco Central de maior juro do mundo, câmbio arrochado e excessivamente valorizado."
É claro que tanto ele quanto Dilma não pensam em intervir de formas direta e agressiva no câmbio e nos juros. Afinal, o tempo passou, o que era experiência amadureceu e as políticas monetária e cambial de FHC e Lula provaram estar no caminho certo. Apesar disso, paira a desconfiança se os dois usarão recursos mais intervencionistas - Serra, por convicção e Dilma, pelo estilo centralizador. Ou não. A ver.
Mas aí surgem dúvidas sobre outra polêmica questão: a autonomia operacional do Banco Central (BC) será preservada? A diretoria do BC continuará decidindo a taxa de juros com a mesma liberdade e independência que teve nos governos FHC e Lula? A resposta virá quando o futuro for presente. No passado, Serra defendeu a ideia de tirar a fiscalização do BC e separá-la numa agência própria. Mas há anos não fala nisso. O sistema de fiscalização, normas e controle dos bancos, montado no primeiro mandato de FHC, mostrou eficácia e garantiu a saudável travessia dos bancos brasileiros pela atual crise financeira. É provável que Serra tenha desistido da ideia.
Quanto a Dilma, é desconhecido o que pensa sobre autonomia do BC. Durante todo o governo petista assuntos ligados ao BC eram privativos de Lula, Henrique Meirelles e mais ninguém. E Dilma não ousou se manifestar. A dúvida vem mais de sua vocação intervencionista e centralizadora. Se eleita for, aceitará sem questionar ver a economia desacelerar porque o BC elevou os juros para controlar a inflação e a demanda? O ideal seria garantir autonomia ao BC em lei. Mas isso nenhum presidente quer fazer.
O Estado e as reformas - As diferenças entre Serra e Dilma ficam mais claras quando se fala de economia real, das reformas, do controle fiscal e intervenção do Estado na economia.
Serra sempre zelou pelo equilíbrio fiscal. Para ele, nenhum governo pode criar despesa sem antes garantir receita para cobri-la. A Lei de Responsabilidade Fiscal, instrumento inovador e importantíssimo para inibir a gastança política e equilibrar as contas do presidente, de governadores e prefeitos, foi inspirada por Serra e executada por dois técnicos de sua confiança: os economistas José Roberto Afonso e Martus Tavares. Desde a época de secretário do governo Franco Montoro, em São Paulo, foi assim. Sob sua guarda a inflação pode descontrolar-se por outros motivos, não pela permissividade do governo com gastos.
No governo Lula, o rigor com as despesas governamentais desmoronou quando a ministra Dilma detonou o plano dos ex-ministros Antônio Palocci e Paulo Bernardo de impor metas para diminuir gastos. Em entrevista ao Estado ela chamou o plano de "rudimentar" e ganhou a briga. A partir daí não só Dilma, mas todo o governo Lula passou a contratar despesas fixas e irremovíveis confiando em receitas duvidosas. Veio a crise, a receita tributária cai sem parar desde novembro de 2008 e a meta de superávit primário não deverá ser cumprida em 2009. Em setembro o governo federal registrou déficit primário de R$ 7,6 bilhões, o maior dos últimos 12 anos.
Serra e Dilma também se opõem em relação às reformas e ao papel do Estado na economia. A experiência de gestão pública ensinou a Serra que o equilíbrio fiscal do governo e o desenvolvimento econômico não progridem sem as reformas (política, tributária, previdenciária e trabalhista), um Estado regulador forte e a participação crescente da iniciativa privada na economia.
Sua adversária pensa o inverso. As reformas são necessárias, mas, como Lula, pode desistir ao primeiro obstáculo político. Suas convicções mais fortes vêm de sua origem política socialista, de um Estado grande e interventor na economia. Para isso ela tem projeto pronto na cabeça, que pressupõe centralizar poder de decisão e ação no governo e enfraquecer órgãos reguladores, submetendo-os ao mando de ministros. Dilma discorda do conceito que predomina hoje nas democracias modernas de um Estado regulador forte voltado para servir à sociedade e com independência para rejeitar demandas políticas contrárias ao interesse público. Interferências políticas na Petrobrás e na Eletrobrás, a criação de novas estatais em energia elétrica e petróleo do pré-sal, o apoio financeiro do BNDES para financiar a formação de grandes conglomerados privados são apenas algumas expressões do projeto Dilma, que, por ironia com a ex-guerrilheira dos anos 60/70, muito se assemelha ao programa de governo do general Ernesto Geisel.
*Suely Caldas é jornalista e professora da PUC-Rio.
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